A participação do negro nas economias colonial, imperial e republicana.
Por Wilson do Nascimento Barbosa – professor Associado do Departamento de História da FFLCH-USP.
INTRODUÇÃO
A consolidação do racismo antinegro no Brasil, praticamente indestrutível nas condições da sociedade republicana, causou a exclusão do negro e impediu seu acesso à propriedade, particularmente, àquele dos meios de produção. Na ânsia de transformá-lo em um subproletariado para ser usado em quaisquer necessidades de produção e organização, também, agravou as condições socioeconômicas e morais do trabalhador negro na escravidão. Tal atitude teve impacto negativo sobre o desenvolvimento social ulterior de toda a população negra.
O chamado “preconceito racial” – na verdade racismo antinegro – não deriva apenas do racismo no ambiente familiar. Ele expressa o domínio do racismo em todos os círculos da existência social e em cada camada de associação cultural que envolva a vida quotidiana1.
A desumanidade das relações societárias brasileiras espanta a quantos aqui vêm de visita. Somos um país no qual a pessoa comum está desprovida de direitos econômicos e sociais, e que legalmente, nega a cada membro da população o direito à saúde, habitação e alimentação. Ou seja, a fronteira de subsistência das pessoas passa pelo seu direito à existência, mas não garante tal direito. Por esta razão, o discurso dominador faz uso constante das palavras “cidadão” e “cidadania”, justamente porque eles não existem.
Nessas condições de juridicidade escravista mal disfarçada, a população negra é submetida a todas as formas de abjeção, que em seu todo expressam o dimensionamento do racismo.
A negação da terra à maioria absoluta da população rural contribuiu para sustentar a baixa renda da população trabalhadora e a prevalência desorientada da agricultura exportadora, por mais de um século após o término da escravatura. Por outro lado, a condição de miséria do migrante interno, dada a ausência de transformação no mundo rural, tornou possível a reconquista artificial pela burguesia dos frutos do trabalho industrial, tornando o cenário doméstico do país um quadro desanimador diante do progresso social de outros países. Nas últimas décadas, por parte das elites desenvolveu-se um desinteresse pela população local, o que de certo modo pode explicar o agravamento das diferenças socioeconômicas, com o recrudescimento do racismo e da violência2 .
Chegou-se assim ao cenário da globalização, em que a convergência dos mercados financeiros metropolitanos com aqueles das regiões dependentes permitiu um rápido ocaso da propriedade produtiva local, com o desaparecimento dos objetivos nacionais da economia de um grande número de países, entre eles o Brasil.
O balanço de vinte anos de globalização está baseado na convergência financeira, indica o reforço dos diferenciais de pobreza e riqueza, tornando difícil concluir que do seu avanço resultará, espontaneamente, melhoria para as populações que já eram pobres e, institucionalmente, marginalizadas. Qualquer instituto global reflete a desigualdade e aponta para sua exacerbação. A Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou a Organização Ambiental Mundial (OAM) não iriam mudar a estrutura interna das sociedades ou economias locais, para torná-las mais racionais, justas ou equilibradas3.
Contrariamente, seu papel institucional é acelerar os movimentos transformadores em favor de interesses que já são poderosos e cujas vozes ecoam. Isto é, com mais poder em tais organismos. Exemplo foi a rapidez com que se deu, nos anos 90, a abertura ou liberalização dos mercados locais, exigida pelas necessidades das grandes empresas e de sua expansão financeira.
Uma ordem social mais equilibrada dentro de uma nação e nas condições do mundo em globalização, talvez seja mais difícil de instaurar antes dessa etapa mundializadora. Na verdade, na óptica dos poderosos, qualquer distúrbio local é mal compreendido e deve ser interpretado como oposto às grandes direções da mudança globalizadora. Nessa esfera estratégica, não há lugar para os perdedores de hoje. Muito menos para os perdedores da véspera.
Assim, as dificuldades brasileiras refletem as dificuldades de uma classe dominante que tem demonstrado, historicamente, pouca habilidade para elaborar e/ou sustentar um projeto nacional. Qualquer comparação entre o materialmente gigantesco Brasil e a pequenina e dividida Coréia deixará sem argumento o defensor das iniciativas pindorâmicas.
“Subimperialismo industrial”, “bomba atômica nacional”, “um só tiro no tigre”, etc., podem ser discursos de grande efeito eleitoral ou doméstico, mas são igualmente incapazes de dar trabalho ou comida aos pobres, restituir a dignidade de cidadãos, ou diminuir os crimes violentos. Então, seu impacto sobre a virulência de fundo étnico é igual a zero.
Um dos traços da historiografia analítica é periodizar o Brasil, desde a intensificação da atividade ocupadora do solo. Desse ponto de vista, poder-se-ia compreender o país assim:
Primeiro século-1551-1650;
Segundo século-1651-1750;
Terceiro século-1751-1850;
Quarto século-1851-1950;
Quinto século-1951-… .4
PRIMEIRO SÉCULO (1551-1650)
O primeiro século logo se destaca com caracteres próprios: (a) instalação do sistema escravista, com base na atividade açucareira; (b) crise da autoridade portuguesa nas colônias, culturais.
INSTALAÇÃO DO SISTEMA ESCRAVISTA, COM BASE NA ATIVIDADE AÇUCAREIRA
Portugal já vinha se expandindo desde o século XV, com base no tráfico de escravos, ouro e marfim da costa africana. Parte dos lucros dessas atividades foi usada para financiar plantações canavieiras nas ilhas afro-portuguesas do Atlântico, que abasteciam Gênova e Amsterdã de açúcar, diante da oferta insuficiente da Sicília, da Síria e do Egito.
As plantações de cana-de-açúcar e o estabelecimento de suas moendas deram-se por todo o território litorâneo no primeiro século, desde São Vicente até o litoral da atual Paraíba. Foram mais bem sucedidos os empreendimentos da Baía de Todos Santos para cima, que cresceram de 3, em 1549, para 227, em 1650. Essa forte expansão deu-se, aliás, com altos e baixos, perturbada particularmente pelo choque dos interesses de Portugal e da República dos Países Baixos de um lado e da Espanha, de outro.
Os comerciantes portugueses, liderados pela Ordem de Cristo, eram sócios do capital comercial de Gênova e das praças dos Países Baixos, na produção e na comercialização do açúcar. Contudo, com a associação de parte da nobreza de Portugal ao projeto filipino na Espanha, a entrega do Trono português à Coroa de Espanha suscitaria perdas econômicas para os grupos neerlandeses que, para compensar-se, invadiram diversas colônias portuguesas.
UNIÃO DAS COROAS IBÉRICAS
O período de 1580-1650 é, portanto, conturbado pela invasão da Bahia, de Pernambuco e a luta militar que se trava pela posse do Brasil e de outras colônias portuguesas. As proporções do conflito levaram a forte participação espanhola no mesmo, que declina após o restabelecimento de Portugal como reino independente (1640). A partir de então, trava-se a luta portuguesa para expulsar os neerlandeses do Brasil e do Ndongo ocidental, na Angola.
Durante o período da união das coroas ibéricas, o comércio no Atlântico havia se tornado mais complexo. Os reinos africanos, vendedores de escravos do golfo de Benin e Angola, tornaram-se fortemente dependentes do abastecimento de produtos europeus e luso-brasileiros, de tal forma que sofreriam colapso sem o tráfico de escravos. As sociedades mercantis do “comércio triangular” faziam prosperar suas praças na margem do Atlântico, com base nos ganhos do fluxo de escravos africanos.
Por outro lado, os escravos entrados no Brasil em números crescentes e a preços decrescentes durante o primeiro século, souberam, em parte, valer-se das dificuldades das autoridades portuguesas para escapar rumo ao interior. Daí cresceu a importância de aldeias independentes de negros foragidos da escravidão, durante todo o século XVII. Tais aldeias tornaram-se mais notáveis na república de negros da Serra da Barriga, em Alagoas, geralmente descrita como uma monarquia aberta, do tipo da democracia militar angolana. Ela subsistiu sabidamente no período 1603-1697 e ficou conhecida como “Palmares”. A palavra “quilombo” pode ser livremente interpretada como “fortaleza do rei” e tornou-se extensiva a todos os tipos de povoação, fundadas por negros escapados da escravidão no Brasil, e ao modo de vida por eles gerado5.
IMPLICAÇÕES ÉTCNICO–CULTURAIS DOS QUILOMBOS
O segundo século da colonização compreenderá dois movimentos, do ponto de vista da sua força de trabalho, predominantemente negra e escrava: a forte expansão mineradora do ouro e de pedras preciosas, e a difusão dos quilombos por várias partes do que mais tarde se constituiria o território nacional brasileiro.
A principal forma de organização socioeconômica no primeiro século da colonização foi, sem dúvida, a “fazenda”. Fosse ela simples “plantação” ou também centro de moagem de cana e do fabrico dos “pães de açúcar”, gerou um tipo de vida rural que beirava a auto-suficiência, tornando-se para o escravo um mundo isolado que, a depender de seus administradores, podia
constituir-se desde uma prisão a um verdadeiro inferno. Submetidos a sofisticados sistemas de castigos corporais e espirituais, os escravos faziam do horizonte de uma possível fuga, a fonte da utopia quilombola.
Cumpre recordar que os escravos eram constituídos de dois contingentes, em origem distintos, particularmente no primeiro século: “os negros da terra”, ou seja, as populações aborígines que sob o pretexto da catequese e da guerra justa eram “descidas” de suas aldeias e submetidos à escravidão; e “os negros da costa”, em referência àqueles que haviam feito a travessia do Atlântico, após a aquisição na costa africana6.
Uma vez que os escravos da costa, trazidos em grande número, vinham na proporção de três homens para uma mulher, associado ao fato da elevada mortandade do indígena masculino em sua resistência ao colonizador, verificou-se, desde o primeiro século, a forte tendência à miscigenação entre as populações escravizadas, que também viram crescer os eventuais filhos dos colonizadores no seu meio. Estes, acidentalmente foram gerados em grande número, como resultado de relações sexuais não legalizadas com as escravas. Tal fato contribuiu para criar, mais tarde, o mito de uma suposta tolerância racial do colonizador e as políticas de dissolução do negro, por via do branqueamento físico e psicológico, na República contemporânea.
No entanto, no primeiro e segundo séculos, a associação étnica entre negros importados e indígenas contribuiu para criar tipos físicos próprios na colonização brasileira e para assegurar a sobrevivência quilombola nas matas, no caso sistemático das fugas e do abandono de escravos “decaídos” ou “quebrados”. Eram estes, escravos que haviam perdido o valor econômico, pelo efeito de doenças contagiosas ou de trabalho, sendo “mandados embora” pelos amos, que fugiam assim à responsabilidade de sua manutenção ou tratamento.7
Embora a lei portuguesa buscasse limitar as condições da escravidão, circunscrevendo seu ambiente étnico, em virtude de sua generalidade, era possível ao poder dos escravistas simplesmente ignorá-la, o que continuou a se dar após a Independência (1822). Assim, as crianças dos quilombolas ou das aldeias indígenas, apreendidas nas matas e nas beiras dos rios, continuaram a ser, indiferentemente, reduzidas à escravidão, sendo, após seus batismos em igrejas e capelas católicas, entregues aos seus “padrinhos” para que lhes propiciassem a educação trabalhadora adequada. Emassadas nas senzalas e castigadas do mesmo modo dos demais escravos, tais crianças logo desapareciam como indivíduos que deveriam ser livres, no coletivo escravizado.
Por outro lado, a população indígena sobrevivente vivia sobre a dupla pressão dos capitães do mato escravizadores, de um lado e escravos foragidos, de outro. Ambos vinham ter às suas aldeias, trazendo consigo a presença constante e destruidora do mundo português.
Sendo os quilombos à semelhança das democracias militares africanas e uma sociedade de inclusão, todos os elementos perseguidos ou adversos ao poder luso-brasileiro tinham abrigo neles. As circunstâncias da sociedade colonial, apenas reconheciam o direito à propriedade de uma minoria de seus indivíduos, com destaque para os senhores de terra e os arrendadores de recursos naturais. Consequentemente, em virtude dos periódicos deslocamentos dos eixos econômicos da atividade exportadora, deixava em sua periferia um número enorme de alijados de toda espécie que, não tinham por que valorizar a hostilidade com os quilombolas, mantendo feira e comércio com eles, em diferentes pontos do território. Ficaram célebres os quilombos de Palmares e de Canhoto (PE), no primeiro século; de Icatu, Turiaçu (MA), Capim e Moju (no PA), no segundo século: dos Calungas (GO) e da Rocinha (RJ) no terceiro século; quilombo do Iguaçu, no quarto século, etc8.
O mais importante a observar aqui é o impacto, no segundo século, da atividade mineradora com a escravidão e a urbanização. O ouro em circulação na colônia elevou o preço de todas as mercadorias – incluindo escravos – e acelerou a imigração portuguesa. A deficiência da economia de serviços, que já se fazia sentir nas condições da atividade açucareira, tornou-se crítica nas condições mineradoras, exigindo impulso urbanizador, oferta maior de alimentos, estradas novas e meios de transporte, etc., tudo a contribuir para uma maior mobilidade da massa profissionais exigidas pelo mundo em urbanização a esta massa.
Com tal aumento da flexibilidade escravista, inúmeros quilombos tiveram a possibilidade de uma coexistência no contexto local da sociedade, desempenhando na sua economia certo papel de complementaridade no abastecimento das vilas e cidades em expansão. São, portanto, características do segundo século de colonização: (a) diversificação do sistema escravista, com base na atividade mineradora; (b) expansão do Estado português na colônia, para assegurar-se de sua riqueza; (c) ampliação da massa trabalhadora escrava e complexificação de suas habilidades técnico-profissionais.
SEGUNDO SÉCULO (1651-1750)
A exploração da terra, por meio de “fazendas”, concentrava o escravo em três tipos de atividades: exploração dos recursos naturais; produção agrícola, em certos centros, e sua transformação e, ainda, atividades de serviços gerais, destacando-se armazenamento e transporte. Vê-se, portanto, que grande número de profissões estava aqui abarcada. A “ponta” tecnológica da época era a atividade mecânica, sendo que reparações muito complexas do mecanismo dos engenhos eram feitas na metrópole. Com o avanço da atividade mineradora, a divisão social do trabalho entre os escravos ampliou-se ainda mais, para corresponder às novas necessidades da dominação portuguesa. Era tolice para um português livre dedicar-se a tarefas físicas, quando podia comprar ou alugar escravos para isso, treiná-los, utilizá-los ou revendê-los. O amoedamento em grande quantidade mercantilizava as próprias relações de trabalho escravo, e permitia ampliar a apropriação efetiva da mais-valia que podia ser produzida9.
No século XVII brasileiro, a propriedade de escravos era tão difundida quanto a de veículos automóveis ou telefones, hoje. A locação ou sublocação do trabalho escravo gerava ganhos monetários imediatos para o seu proprietário. Desse modo, grande parte da força de trabalho escrava seria utilizada nas cidades e na economia de serviços. Remeiros, barqueiros, ferreiros, ourives, calafates, ferramenteiros, barbeiros, marceneiros e carpinteiros; ajudantes de cirurgiões, soldados, parteiras e mensageiros, quaisquer que fossem as atividades produtivas e de serviço subalterno, encontradas entre 1550 e 1888, ali se encontravam os escravos.
Vê-se assim, que se encontram duas tendências para a transformação da força de trabalho escrava, no curso do terceiro século (1751-1850). A primeira delas é a tendência para a desescravização e a segunda, a tendência para a diversidade profissional.
A tendência para a desescravização decorria das necessidades naturais do trabalho escravo para renovar-se em sua mão-de-obra, acompanhando os ciclos comerciais – 7 a 10 anos. Supondo-se uma leva de escravos A1, ela era amortizada e tendia a ser substituída – por depleção – no curso completo de tal ciclo comercial, por outra leva A2. Evidentemente, os escravos menos produtivos eram transferidos para tarefas secundárias, atividades não exportadoras, manumitidos ou simplesmente “mandados embora”. Essa capacidade do sistema produtivo para renovar-se permitiu, aos ex-escravos, a constituição de um amplo setor demográfico fora das atividades escravistas, dando origem, no terceiro século, à constituição do negro como um povo independente no Brasil. A discussão desse papel independente e possível nas relações produtivas é conhecida na historiografia brasileira como “brecha camponesa” 10.
Outro elemento interessante da formação do povo brasileiro foi a tendência para a diversidade profissional, que se associa com as complexas demandas urbanas da mineração. Devido à importância dos descaminhos, era ao negro, em geral escravo, que competia “pôr a cara” e “correr riscos” de inúmeras operações ilegais. As ruas principais do Rio de Janeiro e de Salvador estavam pontilhadas de oficinas, onde ourives, em grande parte trabalhando a destaque – produziam jóias e outros objetos – com prata e ouro, aparentemente, legais. As investigações eventuais, não raro, encontravam uma mesma documentação – muitas vezes clonada – acobertando a recepção e consumo de diferentes cargas da matéria-prima de elevado valor. No caso, a repressão policial não atingia os verdadeiros proprietários, mas os escravos e libertos que, aparentemente, cometiam os delitos de motu proprio. O preço de semelhante risco era endinheirar-se e/ou comprar a própria liberdade ou, até mesmo, chegar à propriedade de escravos. O mesmo se dava com minas, fundições e garimpos clandestinos, que em certa monta haviam de ser encontrados, com tais negros penalizados, restando-nos, hoje, a documentação como prova das espertezas então praticadas.
O fato é que a mineração, no segundo e terceiro séculos, deu origem a uma camada de negros pequenos-proprietários, nos mais importantes centros urbanos e ela haveria de subsistir até os começos da República, quando seria finalmente eliminada pela concorrência da nova imigração européia.
DIVERSIFICAÇÃO DO SISTEMA ESCRAVISTA, COM BASE NA ATIVIDADE MINERADORA
O problema do desenvolvimento da escravidão no mundo colonial não é apenas – como indicado em geral pela historiografia – um problema de carência de mão-de-obra em determinadas regiões exploradas. É, principalmente, a necessidade de um tipo de capital em romper os impeditivos de suas pré-condições para prosseguir-se acumulando. Acumulado na esfera da circulação e nutrido por suas criaturas – o capital comercial e o capital usurário – o capital mercantil devia levar a cabo a acumulação primitiva e transformar sua melhor parte no capital industrial, para sobreviver historicamente.
Assim, o amontoamento produtivo de capital mercantil devia dar-se por outras formas que negassem essa forma geral – para solucionar de modo específico – aspectos próprios da acumulação primitiva, em cada situação histórica dada. No caso americano, a forma colonial principal do capital mercantil havia de dar-se, pois, enquanto capital escravista, pois apenas esta forma poderia resolver os dois problemas correlatos necessários: uma produção a comando e a obtenção da mão-de-obra escrava.
O capital mercantil deveria “mergulhar” na colônia sob a forma de escravos e maquinário, para vir à tona, no fim do ciclo reprodutivo, sob a forma de mercadorias transformáveis em mais dinheiro, ou seja, lucro.
Isto conduz a dois outros subconjuntos de problemas, a saber: a natureza econômica do capital mercantil e a natureza social do capital mercantil – que subestrutura social ele representa?. A maioria dos autores que estudaram o processo de acumulação brasileira, na condição de colônia e semicolônia (1530-1888), evitou estabelecer uma tipologia do capital segundo a sua natureza e deixaram, portanto, de definir a problemática da acumulação, dedicando-se apenas a discutir o problema do trabalho.
Infelizmente, não se pode explicar as transformações sociais sem recorrer a uma explicação prévia dos mecanismos da produção e distribuição, ou seja, onde se origina a diferenciação social que culmina em novas estruturas de poder: na produção ou na distribuição?
A resposta que nos diz que o capital mercantil é de uma mesma natureza nas metrópoles nas colônias, não resolve o problema de explicar os mecanismos da acumulação doméstica ou interna, quando o caso, nas colônias. Houve nas metrópoles uma crescente diferenciação social, demandada por necessidades de seu crescimento interno, pela qual surgiram novas atividades e concentrou-se o processo de beneficiamento da produção primária, com sucessivas mudanças tecnológicas que tinham por mecanismo o surgimento de novas atividades ou profissões (carpinteiros, marceneiros, ferreiros, mecânicos, tripulantes marítimos, fundidores, etc.)11.
Ocupando-se o capital mercantil, com suas duas formas metropolitanas – capital comercial e capital usurário – de acumular-se no circuito da distribuição, é de se entender seu mecanismo de interferir na produção, a partir de aumentos excelentes e extraordinários em seu montante – particularmente o capital usurário. Por via do roubo, da expropriação de produtores e da pilhagem, o capital mercantil “acumulava-se”, improdutivamente, na esfera da circulação, mas o sistema industrial da época não era capaz de produzir o montante de produtos e mercadorias que levassem o capital mercantil a um novo patamar de taxas de acumulação. Para manter a taxa média de acumulação improdutiva, o capital mercantil metropolitano necessitava apropriar-se de uma certa quantidade crescente de bens, produzidos fora da sua esfera e que seriam transformados em mercadoria nas condições do desenvolvimento desigual – necessidade de ganhar nas “duas pontas”: ao comprar, e ao vender.
É esta insuficiência de produção que explica a crescente intervenção do capital mercantil na esfera, que lhe é exterior, da produção – têxtil florentino dos séculos XIII a XVI; indústria lanífera “espanhola” e inglesa nos séculos XIII a XVII; armaria e vidraçaria veneziana e milanesa nos séculos XIII a XVI; todas contrapostas às esterilizações correntes da construção civil, etc.
Mas a esfera “normal” do capital mercantil não era para intervir na produção, ultrapassar gargalos produtivos. Seu desempenho normal era ganhar com base na usura e nas insuficiências da oferta, e da procura; era tirar partido do desenvolvimento desigual – navegação genovesa e portuguesa nos séculos XII a XVI; navegação holandesa e espanhola nos séculos XV a XVIII; navegação inglesa no século XVI a XVIII; etc. A intervenção do capital mercantil na estrutura de produção se dava, apenas nos casos em que o nível de acumulação da produção oficial mostrava-se mais rentável que uma parte das operações comerciais alternativas. Ou seja, a produção artesanal-oficinal havia avançado até um ponto em que carecia de mão-de-obra externa, que ela podia remunerar melhor, e a reprodução ampliada das oficinas (crescimento mais rápido da taxa do número de oficinas que o crescimento populacional e da mão-de-obra oficinal). Este tipo de transformação “aberta” era dinâmica e modificava o capital mercantil em capital industrial12.
Ora, a “descida” do capital mercantil metropolitano, por via do “pacto colonial”, só se deu a partir do saque das grandes navegações. Portanto, o empreendimento colonial teve dois objetivos práticos: (a) o saque e pilhagem que gerariam as “colônias”; e (b) com os ganhos de (a), levando a um novo patamar de acumulação, complementou o ciclo da produção metropolitana, de tal forma que se tornasse sistemática, a ocorrência de excedentes na esfera produtiva. Qual o objetivo da obtenção de tais excedentes? Impedir a esterilização do excesso de capital mercantil na esfera da circulação.
Como sabemos, o capital mercantil teve que: inventar novos mecanismos de concentração social dos ganhos da troca desigual, a fim de poder concentrar mão-de-obra nas colônias; tal concentração de mão-de-obra, atuando a comando, só podia ser obtida na época através da experiência histórica de escravização; e nessas pré-condições, uma parte do capital mercantil precisava “recuar” até formas históricas anteriores, ou seja, imobilizar-se sob a forma de patrimônio físico, para operar a mão-de-obra escrava nas colônias.
TRANSFORMAÇÕES DO CAPITAL MERCANTIL
É evidente que a “imobilização do capital mercantil” nas colônias, sob a forma de prédios, navios, máquinas, etc., não se constitui uma esterilização do tipo da construção gótica. Esta imobilização não é um serviço, mas um meio de produção. Se ocorresse na metrópole, seria a transformação do capital mercantil no capital industrial, a faceta principal da acumulação primitiva, do ponto de vista histórico-econômico. No caso em que a imobilização ocorresse na colônia, o capital mercantil deveria se transformar em capital escravista, porque não seria lógico tachar de capital-dinheiro, uma relação social que se estabelecesse a partir da posse de escravos e criasse, produtivamente, uma dinâmica própria.
Não se tratava de uma esterilização. Esta forma do capital mercantil, o capital escravista, assumiu assim vida própria ao mesmo tempo em que transferia bens líquidos da produção para as metrópoles, era o Midas da escravização. Buscava transformar em escravos e meios de produção escravistas tudo que tocava, correndo, por esta forma para o elevado ritmo de produção comandado pelo comércio exterior. Quanto mais produzia, mais derrubava o valor da sua produção; competia consigo mesmo em cada local; permitia às colônias competirem entre si; criação degenerada pela especialização que precisaria ser destruído, quando não fosse mais útil. A história evidencia que assim ocorreu, embora houvesse deixado vasta herança cultural13.
Tabela
Metamorfose do capital mercantil para fins de acumulação
| Ano | Natureza do capital | Acumulação Bovinocultura | Acumulação | Cafeicultura | |||
| Nº de cabeças | Taxas | Nº de escravos | Nº de cafeeiros | Em Produção | Taxas | ||
| 0 | mercantil | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | |
| 1 | colonial | 2 | 2 | 4.000 | |||
| 2 | 3 | 3 | 10.000 | ||||
| 3 | 1,3195 | 4 | 16.000 | ||||
| 4 | 4 | 5 | 18.000 | ||||
| 5 | 5 | 6 | 19.000 | 4.000 | |||
| 6 | 6 | 8 | 20.000 | 10.000 | |||
| 7 | 8 | 10 | 21.000 | 16.000 | |||
| 8 | 10 | 12 | 22.000 | 18.000 | 1.2758 | ||
| 9 | 12 | 1,2129 | 19.000 | ||||
| 10 | 15 | 20.000 | |||||
| 11 | 18 | 21.000 | |||||
| 12 | mercantil | 21 | 22.000 | ||||
Fonte: Imaginado.
A tabela nos mostra dois exemplos de acumulação colonial, sob diferentes formas produtivas. O primeiro caso, nos mostra a transformação do capital mercantil em capital pecuário, tendo como principais fatores produtivos a terra barata – quase gratuita para a classe dominante da metrópole – ou recursos naturais (RN) abundantes, alguma mão-de-obra e algum gado.
Se pusermos nossa imaginação a trabalhar, entenderemos que probabilisticamente, quanto maior for o capital aplicado, maior oportunidade haverá de ultrapassagem dos valores médios indicados na tabela. O capital pecuário, por exemplo, indica um crescimento geométrico de 21% ao ano, do sétimo ano até o décimo segundo. Quanto ao capital escravista cafeicultor, indica-se um crescimento médio de 27% ao ano, entre o quinto e o décimo sexto ano. Ao mesmo tempo, observa-se teoricamente o movimento da reprodução simples para ampliada, que tem como contrapartida tanto um ciclo bem definido quanto a metamorfose, através desse ciclo do capital mercantil em capital colonial e a sua reconversão em capital mercantil, ao efetivar-se o movimento descendente do ciclo. Vemos, pois, que as diferentes formas do capital colonial são apenas metamorfoses histórico-concretas do capital mercantil metropolitano, para se reproduzir às taxas mais altas possíveis, economicamente14.
Assim, se o oligarca colonial possui não dois bois, mas 20.000 bois, ele terá tanto assegurado menor flutuação na faixa da média da acumulação pecuária, quanto apresentará a tendência para o seu capital pecuário se formar acima desta média. O raciocínio é similar para qualquer forma do capital colonial, tornando-se a forma de exploração mais interessante em função da demanda externa, metropolitana, pois a razão de ser da metamorfose do capital é sua efetiva realização no nível do mercado internacional e não a simples produção de montanhas de inutilidades coloniais, aspecto “involuntário” da sua reprodução.
TERCEIRO SÉCULO (1751-1850)
As principais mercadorias brasileiras, no século XIX, foram: café, açúcar, charque, aguardente da terra, milho, feijão, arroz, toucinho, azeite de peixe, drogas do sertão, mate, tabaco, anil, couros, polvilho, algodão bruto, reses, borracha, madeira, farinha de mandioca, queijos e doces em conserva. Vemos que elas cobrem duas naturezas: o consumo local e as exportações. As diferentes organizações econômicas destas produções eram cobertas pelo guarda-chuva de maximização dos preços, que as grandes exportações ofereciam do tipo: café, algodão, açúcar, borracha, minerais preciosos, aguardente, couro e drogas do sertão15.
As taxas de reprodução, nas condições de exploração dos recursos naturais, não eram um único elemento diferenciado no processo do capital produtivo, uma vez que o problema da realização já existia. Portanto, a posição particular de cada produto no nível da demanda externa otimizava a sua maximização específica; é o fator que explica o retrocesso do capital usurário e da categoria dos mercadores, ao longo do século XIX, em proveito do capital industrial. Quanto maior o mercado, maior a determinação da procura; quanto maior a procura, maior o espaço para a produção por máquinas, inovações tecnológicas; capital industrial, enfim.
DIVERSIDADE DO CAPITAL ESCRAVISTA
Por esta razão, vemos a simbiose aparentemente estranha, da mão-de-obra escravista com maquinário da revolução industrial. Nas condições do café, o escravismo deixava de ser uma sociedade para se constituir em forma exportadora.
Ao se converter em “capital colonial”, o capital mercantil primeiro pagava pelo tempo de espera, necessário à reprodução ampliada. Por isso, a forma mais corrente a sofrer metamorfose era o capital usurário, a partir dos ganhos no circuito da circulação, convertendo aguardente e barras de metal em escravos; os escravos em mercadorias coloniais e uma parte reduzida dos ganhos com as mercadorias coloniais, num novo momento, em aguardente e barras de metal. Vemos assim, que o tempo de carência necessário à reprodução ampliada era obtido na importação da produtividade, fosse africana ou brasileira, para financiar a expansão produtiva da colônia.
Por outro lado, quanto mais se expandiu o capital industrial, maior era a tendência para que os preços das mercadorias fossem determinados no nível da produção industrial, medindo-se em termos de salário não pagos e reduzindo, cada vez mais, as margens de ganho de capital usurário. Daí a necessidade deste de acorrer massivamente à produção colonial e semicolonial, para transformar-se, em longo prazo, em novas mercadorias e capital industrial.
Portanto, a peculiaridade de financiamento da produção colonial, do ponto de vista da acumulação, era que ela se autofinanciava de patamares de taxas menores de crescimento, para aquele de taxas maiores. Este autofinanciamento, pelo mecanismo de transferência de produtividade – maiores quantidades de trabalho exportadas -, era também um mecanismo relativo de auto-empobrecimento, como se revela na taxa cambial. Em longo prazo, contudo, era impossível drenar toda a riqueza gerada pela necessidade de expandir a produção e manter a taxa média de lucro16.
Não só se conservavam, mas até se expandiam, setores naturais, seminaturais e de pequena produção mercantil, que de fato operavam em grande número de produtos e mercadorias, com situação compensatória de preços. Não devem, contudo, ser confundidos com o lugar ocupado pelo país na divisão internacional do trabalho, que caracterizava mecanismo da acumulação. As atividades, que não estavam diretamente destinadas à acumulação na esfera produtiva, desempenharam o papel geralmente chamado de subsistência e, em nível mais avançado, vinham formar setores de mercado locais, germens de um futuro mercado interno.
A REORGANIZAÇÃO ESCRAVISTA NO TERCEIRO SÉCULO E OS EFEITOS DA HEGEMONIA CAFEEIRA
A organização escravista da produção não passou indene pelas profundas transformações do mundo e, conseqüentemente, do Brasil, no período 1770-1830. Este meio século assistiu o triunfo do industrialismo da Inglaterra e o advento das crises econômicas capitalistas. Assistiu à Revolução francesa, com a propagação de seus ideais na América e a libertação generalizada das colônias ibéricas.
Neste período, o avanço das formas industriais do capital haviam de significar, também, uma reorientação do capital mercantil, tão bem caracterizada no novo balanço de forças do congresso de Viena e do impacto das rebeliões populares de 1817, 1830, e, logo, 1848.
O problema nacional se colocaria para o capital industrial que, com o avanço do navio a vapor e da ferrovia, amadurecia para a grande transformação dos transportes, com mais uma fase de “encolhimento do mundo”. A derrota do “bloqueio continental” de Napoleão, a derrota dos “100 dias”, era também a derrota irremissível do capital mercantil em escala internacional e o advento da era do industrialismo.
Como é amplamente conhecida, a economia da colônia, logo Reino Unido, passou por grave incerteza e comoção no período, adaptando-se finalmente ao ciclo das demandas industriais, fundamentalmente através do café. Temos assim um novo momento do escravismo brasileiro, ligado à mão-de-obra na produção intensiva de café, para a exportação. A queda gradual dos valores de exportação, após esforço do período pombalino, avançou até o período da presença de Dom João, agora feita demanda por novos produtos tropicais. O Maranhão, aproveitando-se da guerra anglo-americana, pôde, temporariamente, avantajar sua condição de exportador de algodão, sem, contudo, propiciar mudanças estruturais por via desta fase favorável.
Assim, a deterioração dos termos de troca criou forte endividamento externo, ampliado pela presença da Corte portuguesa e os custos das guerras de Dom Pedro. Faltava um produto guia na pauta de exportações e este produto novo foi o café, espalhando sua produção pela baixada fluminense e as terras em torno da baía do Rio de Janeiro. A consolidação do café como centro da atividade exportadora e da captação de divisas, portanto, veio a ocorrer no período de 1830-1860, produzindo produto em território paulista nos anos 30, em escala econômica17.
O colapso do Primeiro Reinado pode ser compreendido pela contradição entre uma política centralista em excesso; e a insuficiência de renda disponível, de capacidade de pagamento no exterior, etc., condições que decorriam da referida ausência de um produto-guia na economia e exportação. Por isto, a efetiva formação e consolidação do estado brasileiro foram um fenômeno do período da Maioridade, em que a balança comercial já favorecia recursos para as atividades mínimas do poder central. O café permitia a consolidação do Estado, o sucesso da Maioridade e traria, pouco a pouco, o superávit das receitas sobre as despesas, fato que permitiu a sobrevivência da monarquia centralizada, no cenário da segunda metade de um século XIX instável e, mesmo, cambiante.
Este predomínio viria a se caracterizar por todo o espaço de um século (1830-1930). A cafeicultura possuía características parecidas com a cultura da cana-de-açúcar, embora demandasse uma menor plasmação social do que esta. Em contraposição, numa certa medida, à atividade canavieira, a cafeicultura escravista não necessitava do estabelecimento de uma economia social. Esta contraposição era bastante frontal, quando se toma o caso da exploração mineradora de bens preciosos, característica da ocupação do território de Minas Gerais. Esquematicamente, pode-se centrar as diferenciações vitais nos seguintes pontos: (a) condições de circulação no setor produtivo; (b) situação da força de trabalho; (c) estrutura das unidades produtivas; (d) mudanças na orientação da produção; (e) efeitos no papel desempenhado pelo setor; (f) posição, para o futuro daquela época, do setor no desenvolvimento nacional.
QUARTO SÉCULO (1851 – 1950)
NOVOS TRAÇOS NAS CONDIÇÕES ESCRAVISTAS
(A) Condições de circulação no setor produtivo. A circulação se coloca, aqui, nos seguintes níveis: (1) circulação física dos bens, matérias-primas e insumos; (2) circulação dos produtos finais para seus mercados consumidores; (3) circulação dos recursos necessários (mão-de-obra, dinheiro, equipamentos) à efetivação da produção.
A tração animal e os barcos à vela continuaram a predominar nos transportes locais e regionais da economia cafeeira, embora em nível internacional a saca de café transladou-se gradualmente, do lombo de burro e do barco à vela para ferrovia e o navio a vapor. O avanço da organização, à época da expansão cafeeira, constituía-se de um elemento – ao menos potencial – de competição pelos recursos disponíveis – mão-de-obra, dinheiro, equipamentos. De fato, o apogeu do escravismo cafeicultor seria breve (1830-1880). Isto implica reconhecer o caráter mais complexo da expansão escravista no café, frente a outros fatores mercadológicos, que havia ocorrido no caso do ouro e do açúcar18.
O crescimento do capital industrial inglês e a formação dos seus nichos de mercado, em nível internacional, tinham por componente as mudanças significativas na economia das colônias e semicolônias, em função da necessidade metropolitana de colocar máquinas, incluindo equipamentos produtivos, para efetivar o seu poder de compra no local. Deste modo, havia da parte da expansão inglesa um certo grau de indução à industrialização local, com pressão de demandas de poucos itens em grandes quantidades, empurrando, pois, para novas divisões sociais do trabalho. É evidente que estes patamares locais de industrialização podiam, teoricamente, ser absorvidos tanto pela expansão escravista quanto por outros segmentos produtivos. Em ambos os casos, contudo, haveria de se confirmar nossa hipótese de competitividade com maior complexidade.
(B) Situação da força de trabalho. No que se refere à mão-de-obra escrava, o fim do tráfico, a partir da África, colocou elementos estruturais de alteração tanto da sua intensidade no uso, quanto de sua renovação por faixas de idade. É sabido que o desligamento cultural do “Mina” com o meio brasileiro, facilitou seu uso intensivo, particularmente, nos primeiros cinco a sete anos após o desembarque. O “crioulo” não se prestava a esta intensidade mortífera no trabalho, por conhecer seus efeitos em outrem, opondo-lhes mesmo diferentes formas de resistência. A estrutura de idade da população ativa na cafeicultura alterou-se rápida e desfavoravelmente, a partir de 1850, apesar dos “meia cara” e das migrações internas. Conseqüentemente, a mudança técnica passou a ser o fator decisivo para assegurar o desempenho de uma mão-de-obra em envelhecimento e de caráter escravo, apesar da introdução de máquinas e melhorias das plantas. Por outro lado, competitivamente para o capital escravista, o escravo mostrava-se elemento ativo na mudança técnica nos processos de industrialização e de urbanização.
(C) Estrutura das unidades produtivas. O café exigiu, em sua organização escravista, empresas ou unidades produtivas diferentes dos ciclos de produtos anteriores. Como se pode observar na literatura, a fazenda cafeeira, muito distinta do engenho ou da plantação de cana-de açúcar; da mina, de garganta ou de aluvião; dos lavadores de ouro ou diamantes. As mudanças na orientação da produção levaram em conta tanto a existência de novos recursos técnicos e mercadológicos, quanto à experiência histórica acumulada no país e a expansão dos núcleos urbanos, próprio do século XIX19.
(D) Mudanças na orientação da produção. À medida que a cafeicultura escravista se expandia e se consolidava, também formava uma elite proprietária mais cosmopolita que qualquer outra no Brasil, incluindo a elite dos mineradores. Nas novas condições, não era necessário renunciar à cana para plantar café. Isto, em parte, refletia o avanço da sociedade industrial, de seus meios culturais e de comunicação mais profundos, mais mercantilizados; de outra parte, refletia o caráter “nouveau riche” desta elite cafeeira, com seu arrivismo, sua ideologia cosmopolita, bastante dissociados do Brasil tradicional. Importa dizer que, tal elite estava mais disposta a introduzir novas formas organizacionais para a produção, nem sempre visualizando a falta da mão-de-obra escrava, do que o canto de cisne da sua condição de proprietários. O monopólio da terra era seu elemento decisivo. Se a libertação da escravatura não estivesse ligada ao fim do monopólio da terra, tal elite poderia tornar-se, mesmo, abolicionista, fato que se verificou na prática.
É importante entender que tal elite não se constituía de “empresários”, mas de “capitalistas” no sentido schumpeteriano: indivíduos que acumulavam, valendo-se de todos os meios disponíveis, estavam dispostos a salvar o essencial dos seus privilégios, por meio da modernização e da imigração. Daí a sua abertura para novos métodos organizacionais, desde que fossem exigências na luta pela sobrevivência.
Com a derrocada do número físico do plantel do escravismo, em meados da década de 1860, acelerada pela Guerra do Paraguai e seus efeitos modernizadores sobre o sul e sudeste do país, mesmo a elite cafeeira do Vale do Paraíba ou pelo menos sua porção são paulina, adaptou se rapidamente às novas circunstâncias, com a substituição de mão-de-obra negra pela imigração européia, fenômeno ocorrido entre 1870-189020.
(E) Efeitos no papel desempenhado pelo setor escravista. A convergência desse acúmulo de experiências e dessas novas situações históricas veio caracterizar o período cafeeiro do escravismo como a “derradeira centelha do fósforo” que se apagava. Durante 50 anos (1830- 1880), ele preenche a cena da vida socioeconômica brasileira e desaparece para sempre. A intensidade, o forte ritmo e a sua forma moderna não prenunciavam força, mas fraqueza. O conjunto das forças do escravismo só podia produzir este setor exportador como avançado, capaz de oferecer uma bebida quente à mesa das unidades consumidoras familiares, dos países em revolução industrial. Esta efêmera mudança era, contudo, significativa. O ciclo do produto agrícola voltava, dessa feita, associado às novas necessidades das metrópoles, o industrialismo e o comércio internacional. Dentro deste quadro, inseria o Brasil num lugar próprio na ordem mundial, caracterizando-lhe a posição de fornecedor secundário. O quadro de pobreza interna, desacumulação pelo movimento exportador e concentração da propriedade, e da riqueza tendia, assim, a se consolidar, fosse por fatores de ordem social ou cultural.
Através do café, na medida em que se criavam as condições para o desaparecimento da escravidão, consolidavam-se na estrutura social e política todos os seus elementos negativos. A recusa à ruptura da escravidão, que a expansão do café justificava, era também a recusa às mudanças estruturais, à industrialização. Por outro lado, estas pressões culturais desindustrializantes que o café expressava eram contra-trabalhadas na prática, pelo efeito de guarda-chuva de seus recursos, acarretando a valoração das terras, das plantações e da agricultura em geral, elevando o preço dos escravos, premissas de uma futura industrialização e fonte imediata do movimento imigratório dos anos 1870-192021.
(F) Posição da escravidão cafeeira para o futuro previsível à época. Não se diz, evidentemente, nada de novo ao afirmar que a opção pelo café era para viabilizar novamente a escravidão. Dando-se-lhe vigor econômico, era possível, de fato, a uma elite fraca e incipiente como a do Segundo Reinado fazer face à Inglaterra, contrapondo a esta a alternativa de mais uma república de negros. Sem dúvida, o espectro era suficiente para apaziguar os mais exaltados ânimos britânicos22.
“Assim que, atacar a escravidão para transformar o trabalho escravo em trabalho livre, é mudar completamente não só a face da nossa sociedade nos centros populares, mas, e particularmente, no campo; é tocar em a nossa principal fonte de produção, e, portanto da riqueza pública e privada“.
“Por outro lado, é romper as relações entre senhor e escravo, entre a obediência e o mando, destruir a organização atual, embora altamente defeituosa, desses pequenos núcleos sociais, base de nossa grande sociedade: o que é de recear se não faça sem comoção nas famílias, que repercutir no Estado”.23
Vê-se no texto que a ruptura das relações entre senhor e escravo, além de destruir a organização então existente, podia levar à alteração da sociedade, ou seja, à indesejável formação de uma sociedade de indivíduos livres. O fim da escravidão se daria – de outro modo – pela extinção física dos escravos e o café próspero era o melhor instrumento para isso. Do ponto de vista estratégico, pode-se dizer que a opção pelo gradualismo – o fim dos escravos e não da escravatura – não foi plenamente efetivada, mas o efeito de bloquear a formação de uma economia social, ou seja, de mercado livre, resultou na preservação dos odiosos monopólios institucionalizados na vida brasileira do Segundo Reinado e sua transferência à Primeira República. Esta visão cultural do problema da escravidão contribuía, segundo se supõe, para desmobilizar os recursos obtidos pelo café e disponíveis para todo tipo de modernização, dentre estes o mais importante, qual seja a industrialização efetiva. Havia, portanto, uma contradição na riqueza trazida pelo café: ela condenava a escravidão e mantinha, pelo lucro elevado, estruturas geradas pela escravidão. Nesse sentido é que o capital escravista voltou a ser capital mercantil e usurário, em sua “viagem” histórica necessária para tornar-se capital industrial, fenômeno que só iria se concretizar no período 1913-196224.
FLUTUAÇÕES DO ESCRAVISMO CAFEICULTOR
Durante o século XIX, particularmente após a extinção do tráfico, cresceu cada vez mais a importância das atividades dos mercados locais. Isto porque um certo número de atividades, ao longo do tempo histórico, deixava de se articular indiretamente com o mercado internacional,
representando, pois, um nível menos importante no processo de monetarização da economia, mas articulava-se de modo próprio em nível local. A envergadura dessas atividades local variava, obviamente, de região para região. Combinando a exploração escravista com outras formas de trabalho, estas atividades desempenharam um papel suplementar ao processo da acumulação e papel de primeiro plano, com relação à formação social brasileira.
Com o fechamento do tráfico de africanos, a mão-de-obra foi, pouco a pouco, se transformando de “impeditivo do trabalho livre” para “mão-de-obra especializada de atividades exportadoras”, pois a intensidade do trabalho na esfera acumulativa só podia ser desempenhada por escravos. Evidentemente, a mão-de-obra escrava que, por algum fator, não podia manter o ritmo da agricultura de exportação, era desviada por mecanismos apropriados para o setor de serviços ou do produto suplementar. Nestes, uma vasta gama de formas concreta de trabalho podia-se verificar menos intensas.
Há uma diferença muito importante entre o lento crescimento do produto suplementar e a rápida expansão das atividades exportadoras, estas submetidas a bruscas viragens e ritmos marcadamente flutuantes. Daí que a mão-de-obra escrava, constituindo-se em mercado primitivo de consumo muito baixo, fornecia a margem elástica para as flutuações impostas pela demanda internacional, comportando-se quase como capital fixo.
Essa dinâmica lenta e quase linear, que caracterizava os setores do produto suplementar, emprestava-lhe, também, significativa função complementar para eventuais picos de demanda de mão-de-obra, cada vez mais presentes pelo efeito do fechamento institucional do tráfico. No setor do capital escravista exportador, a separação entre o excedente e o consumo do trabalho empregado fazia-se fortemente, pois a produção assumia a forma de mercadorias e estas, exportadas, geravam ganhos em divisa, manifestando-se como poder-de-compra no exterior. Quanto aos setores do produto suplementar, esta relação de apropriação comumente se obscurecia, pela lentidão e, às vezes, incerteza da transformação dos produtos em mercadoria; em dadas circunstâncias, o predomínio do trabalho escravo fazia com que o mesmo fosse apropriado concretamente em atividades improdutivas, sem racionalidade para o sistema, verificando-se baixa produtividade. Portanto, do ponto de vista da acumulação, os setores do produto suplementar não desempenhavam o papel de um fator autônomo, mas de mercados primitivos que eram incorporados ou desincorporados, de acordo com a lógica histórica da produção exportadora25.
De fato, os setores producentes do produto suplementar, por sua própria natureza de subsistência, apresentavam um nível baixo de acumulação, sendo que, inúmeras vezes, este patamar reduzia-se à reprodução simples porque nem ultrapassava o crescimento demográfico. Desvinculados da procura direta no mercado internacional, esses setores manifestavam irregularidade no processo de acumulação. Grande parte dos seus ganhos na esfera comercial esvaía-se na dependência das importações, agravada por ausência de mecanismo importador próprio. Assim, a baixa produtividade do trabalho respondia pelo impedimento da acumulação e a dependência do mecanismo importador. A maior parte dos produtores escravistas, pequeno burgueses urbanos ou rurais, tinha pouca possibilidade de mobilização de recursos financeiros, sendo, muitas vezes, sua capacidade de poupança carreada para o exterior, por motivos culturais. Dentro disso, as mudanças técnico-econômicas na agricultura se passavam mais do lado dos grandes proprietários do setor exportador, de modo que a pequena produção pode ser caracterizada como irregular e, mesmo, lenta, quando comparada com o quadro externo da revolução industrial26.
Temos fortes indicativos do grau elevado de exportação do capital interno, tanto dos fazendeiros do setor exportador, quanto dos pequenos-proprietários. As crenças liberais então dominantes e a estrutura legal existente não visualizavam o chamado “problema nacional”, apontando mais para um apoio à divisão internacional do trabalho, fato que foi um contínuo, desde o governo conservador de 1848 (Araújo Lima; Rodrigues Torres;) até João Alfredo e a Lei Áurea (1887-88). Havia uma preocupação com depósitos em bancos estrangeiros, com o porte de moeda estrangeira, que era entesourada junto com ouro e pedras preciosas. Uma grande quantidade de recurso potencial para o investimento produtivo era drenado do mercado pelo mecanismo do entesouramento, fazendo-se uma política de valorização dos patrimônios físicos – terras, prédios, embarcações – e não do patrimônio mobiliário, o que desfavorecia o crescimento e a mudança.
A entrada incompleta de lucros auferidos com as exportações, tendo em vista a formação de reservas individuais em bancos metropolitanos, constituía-se mecanismo corrente e descompensador da formação da capacidade externa de pagamento. Já existiam a sobrefaturação de produtos importados, subfaturação de produtos exportados e transferência de recursos financeiros para o exterior fora das normas legais – especulação sobre o câmbio -, com o contrabando de moeda, metais e pedras preciosas, etc., tudo organizado por grupos “nacionais” e “estrangeiros”.
O Segundo Reinado apresentava, como se sabe, uma insuficiência crônica na produção de alimentos, apesar das condições favoráveis do espaço nacional e suas diferentes ofertas climáticas. Esta insuficiência era agravada por fatores culturais, pois as classes dominantes, de origem européia, tinham forte demanda pelos produtos da área temperada, sendo a produção local encarada como sucedâneos inferiores, que eram deixados de lado, quando a renda disponível permitia crescer a preferência pelos importados.
O exame das importações mostra um espectro excessivamente amplo; um consumo em excesso dos recursos em divisa, para o pagamento de produtos metropolitanos; a dependência das importações temporariamente se atenuou de 1863-65, formando-se uma base segura para o processo de acumulação, que já era propiciada pelo café. Assim, a constituição de um ambiente basicamente acumulador, propiciado pelos ganhos do café, vai caracterizar a mudança estrutural, perceptível no desempenho cíclico dos principais produtores e agregados, no período. O fenômeno pró-acumulador foi o aumento radical do rendimento nacional e não o resultado de políticas econômicas, que houvessem levado a uma utilização mais eficiente daquele rendimento.
No que se refere às condições de utilização produtiva dos recursos disponíveis, o caráter agrícola da sociedade continuava limitado à montagem de unidades agro-pecuárias. Mas aqui, também, o café trazia inúmeras vantagens sobre as propriedades canavieiras, exportadoras ou não e as unidades policultoras do setor de produto suplementar. O caráter perene do arbusto do café permitia uma média produtiva duas vezes maior, que a produtividade da cana-de-açúcar.
Conseqüentemente, as unidades produtoras podiam partir de diferentes escalas: pequena, média ou grande, sem bloqueio do acesso à procura para as unidades menores. Os recursos acumulavam-se, também, para os produtores menores, que participavam na expansão subseqüente demandada pelo novo ciclo. Havia maior mobilidade econômica e social entre os produtores de café, do que na estrutura precedente e isso favorecia certamente o processo de monetarização da economia e de urbanização, numa escala mais vigorosa27.
Este aumento relativo da eficiência dos investimentos faz-se, de modo mais cabal, a partir do conflito com o Paraguai, quando o país entra num patamar de modernização, cujo elemento central é a nova imigração. A conjuntura do fim de século (Grande Depressão: 1873-1896) haveria de colocar novos desafios adaptativos, que feriram de modo profundo a lógica da ordem econômica baseada na escravidão, levando mesmo ao seu desaparecimento.
Empiricamente, há evidências de um crescente aumento do capital instalado, embora os prazos de funcionamento vital do capital fixo sejam obscuros no período e podem apenas ser estimados a partir dos movimentos cíclicos específicos. Também, não se dispõe de dados para uma avaliação mais cabal do grau de eficiência dos investimentos no período, uma vez que o predomínio do produto primário e os amplos recursos fornecidos pela natureza obscurecem o ato de medir a efetiva eficiência econômica.
À semelhança do século XX, o maior crescimento econômico se deu no período de 1840- 1880, sendo a década de 80 (1881-1890), de flutuações muito fortes e até estagnação em alguns ramos. Mas o aumento da população foi acompanhado por uma expansão dos postos-de-trabalho e um aumento gradual da produtividade do trabalho.
Sendo a produção marcadamente orientada por técnicas manuais, inclusive em oficinas que possuíam equipamentos mais modernos – a exemplo de Ponta d’Areia, Arsenal da Marinha, estaleiro de Salvador -, os ramos de produção consumiam uma grande quantidade de força de trabalho, havendo uma certa competição por mão-de-obra entre as diferentes atividades. Os quase monopólios específicos do circuito de circulação desestimulavam, de fato, o aumento da produção e da produtividade, em virtude dos baixos rendimentos da grande massa da população. Sendo, conseqüentemente, instável o excedente de produção, a lucratividade era máxima no circuito comercial, que superava as eventuais dificuldades ao evento e venda de mercadorias. A baixa margem de lucro, em nível de produção, diminuía a importância dos investimentos,
Nesse aspecto, é difícil avaliar o papel das formas mais grotescas do capital, ou seja, em que extensão, em cada região, o capital usurário, através do mecanismo de empréstimos, adiantamentos e monopólio do comércio exterior, contribuiu para sua pauperização e ruína. No caso nordestino, a resposta é francamente positiva. Devido ao papel, relativamente menor, que a renda da terra possuía para a pequena exploração, o capital usurário deve ter desempenhado um papel maior do que aquele que geralmente lhe é atribuído. Ele pode ter desempenhado um papel crucial no enlace entre as formas locais de exploração e as forças de acumulação internacionais. O capital estrangeiro devia drenar uns 70 a 80% da capacidade total de acumulação no período, o que pode ser entendido pelo papel que os empréstimos externos desempenhavam nos investimentos de então. Uma grande parte desta drenagem devia ser efetuada em nível local, pelas estruturas do capital usurário29.
Apenas como referência, quando se compara o número de escravos de 1887 com relação a 1849, este caiu para 39,6%. Os escravos agrícolas da província do Rio de Janeiro eram, em 1887, cerca de 51,9% do número de 1849. No entanto, em São Paulo os escravos na agricultura eram, em 1887 o total de 85,3% do número de 1849. Isto significa que, enquanto certas províncias viam decrescer seu número de escravos, eles ainda se mantinham ou se ampliavam, em São Paulo, no Segundo Reinado.
A criadagem escrava do Rio de Janeiro (província) era 64,4%, em 1887, em relação ao número de 1849. Em São Paulo, a cifra decrescera para 39,3%. Ou seja, São Paulo compensou a redução da oferta de escravos, dando preferência a enviá-los para a produção agrícola. Na província do Rio de Janeiro, em igual período (1849 – 1887), o número de escravos em serviços decresceu em 25,4%; em São Paulo, caiu para 58,3%. Assim, no Rio de Janeiro o trabalho em serviços apresentava 3 trabalhadores livres para cada 1 escravo, em 1887, comparando-se ao total de 4 escravos, em 1849.
Considerando todo o Brasil, o produto do setor secundário aumentou em 90,8%, quando se compara o ano de 1887 ao de 1849. Quanto ao produto do setor primário, foi acrescentado em 121%. O setor terciário foi o que mais se expandiu no período, sendo acrescido em 152%. O agregado “consumo pessoal” expandiu-se, de 1849 para 1887, em 128%. Quanto à produção de café pelos escravos, apesar do número decrescente destes, expandiu-se 247%. O consumo per capita, em termos reais, expandiu-se 21,5%. O preço médio do escravo sofreu elevação de 246%. A procura por escravos aumentou 145% e o produto da província de São Paulo, o que mais cresceu no período, aumentou 4,6 vezes30.
A PARTICIPAÇÃO DO NEGRO NAS ECONOMIAS AGRÁRIA E URBANA
O capital mercantil montou – de fora para dentro – a colônia açucareira do Brasil, do primeiro e segundo séculos (1550 – 1750), colocando aqui as formas de capital que fossem adequadas a obter um ganho máximo na produção de mercadorias. A cana-de-açúcar, o algodão, e o transformador de ambos diante da natureza, o escravo, revelaram-se mercadorias vantajosas. Com a descoberta do ouro em quantidades consideráveis e outras mercadorias como o gado, foram oferecidas ao consumo interno, comércio externo monopolizado e abastecimento das frotas que aqui tocavam.
Nessas condições, sob suas formas escravista e usurária, o capital mercantil apossou-se de uma enorme quantidade de terras e de pessoas, sendo estas, quando escravas, um duplo de mão de-obra e forma de capital usurário. Os proprietários da terra, quando não resultavam de doações metropolitanas politicamente justificadas, surgiam da prática do comércio, principalmente o tráfico de escravos, dedicando-se ao comércio geral; às instituições municipais para efeito de serviço das ordens; por fim, tornando-se proprietários de terras. Por quê os mercadores davam importância a terra? Porque só ela podia proteger a propriedade – de forma quase absoluta – de todas as flutuações das demais formas apropriadoras.
O caráter de acumulação primitiva, que o agro brasileiro facultava ao colonizador, permitia ao capital efetuar na colônia uma série de tarefas que não podia realizar na Europa, devido à força ainda existente das instituições feudais e outras formas cristalizadas de propriedade urbana e rural. Ao incorporar para si todos os espaços geográficos e sociais, o capital escravista elevou a classe exploradora dos grandes proprietários de terra ao seu ápice histórico na colônia. No entanto, cumprida sua função de acumulação primitiva, que permitiu incorporar o ciclo agrícola das colônias no insuficiente ciclo agrícola das metrópoles, inundadas estas de mercadorias coloniais a preços cadentes, colocava-se na ordem-do-dia a necessidade de eliminar o trabalho escravo, abrindo mercados para os países que haviam realizado a revolução industrial31.
O recesso do capital escravista deu-se, no Brasil, por duas vias: o retorno ao capital mercantil e usurário, e o avanço até o capital industrial.
O capital industrial impôs, portanto, suas soluções: a substituição dos escravos como base do capital usurário, transferindo seu valor para o patrimônio das fazendas (1870 – 1888) e a transformação da massa escrava em um subproletariado, remunerado abaixo da fronteira de subsistência. Este duplo movimento foi obtido por: ampliação das áreas agricultáveis disponíveis e intensificação da competição interna da agricultura local de exportação; e a intensa imigração europeia, capaz de reduzir, ao mínimo, o custo da força de trabalho ofertada.
A ampliação desmesurada das áreas agrícolas foi obtida com o surto ferroviário nas colônias e semicolônias. No caso brasileiro, aumentando a produção a exportar, os cafeicultores concorreram entre si para fornecer às metrópoles produtos tropicais a preços cadentes, ao mesmo tempo em que deviam pagar o custo das ferrovias e da imigração de novos trabalhadores. Por outro lado, a introdução de mão-de-obra imigrante em excesso rebaixava o salário de subsistência e acirrava a competição entre os trabalhadores por um posto-de-trabalho. Em longo prazo, jogava a mão-de-obra imigrante para fora das fazendas em cada crise agrícola de realização (vide 1902-04; 1914-15; etc.), colocando-se no cenário da urbanização, com o crescimento da pequena indústria (1890 – 1930) e a recusa da nova imigração à proletarização (surgimento de uma pequena-burguesia urbana e rural; 1900 – 1940)32.
O processo de formação de um mercado de mão-de-obra livre e da pequena indústria local (1890 – 1930) teve, por suas características, dois impactos sobre os trabalhadores negros: destruiu o setor de pequenos proprietários negros, que havia se formado nas condições da produção e circulação aurífera; e desqualificou a mão-de-obra trabalhadora negra, expondo-a à intensa competição, face os novos imigrantes, que recebiam, de qualquer forma, maior apoio do sistema institucional do que os descendentes de escravos e libertos. Na maioria dos municípios, por exemplo, foram elaboradas disposições que vetavam crianças negras a freqüentar as poucas escolas existentes.
O ciclo de expansão ferroviária, com seus caminhos de ferro urbanos e intermunicipais, constituiu o setor de vanguarda das transformações metal-mecânicas, pagando os melhores salários (1880–1949). Embora os trabalhadores negros houvessem instalado as ferrovias iniciais, junto a um núcleo de trabalhadores etíopes e somalis trazidos pelos ingleses, eles desapareceram das ferrovias nas décadas seguintes, sob a alegação de que não possuíam habilidades técnicas para tais serviços. No comércio de jóias e ourivesaria, no qual os negros se constituíram visível maioria até 1880, o desenvolvimento da rede bancária e da imigração européia os expulsou por completo. A formação do complexo ferro-portuários tolerou a presença do negro enquanto carregador, porque a totalidade dos serviços não estava ainda maquinizada.
Tem-se, portanto, no período da chamada Primeira República (1889–1930), um recuo socioeconômico das camadas de negros livres ou recém-libertos, hostilizados enquanto trabalhadores e, também, enquanto seres humanos. O crescimento da rede bancária na referida fase impactou, com seu surto de industrialização, na gradual redução do chamado “crédito de armazém”, onde formas do capital usurário, geralmente português, forneciam os recursos aplicados pelos pequenos proprietários negros33.
A sobrevivência econômica dos negros se concentrou em dois tipos de atividades: a primeira de praticantes de serviços urbanos e suburbanos – chacareiros; vendedores ambulantes; empregados domésticos, pescadores, etc -; e a segunda, de trabalhadores rurais por conta própria ou pequenos lavradores. Esta condição era tolerada porque os desmatamentos promovidos por famílias de negros rurais terminavam, mais tarde, por ser ocupados pelos fazendeiros, que os “empurravam” para mais adiante. Desta forma, atuavam os mesmos como desmatadores graciosos das fazendas.
Quando o trabalho de colonização era feito longe da frente agrícola, os negros davam origem a ocupações duradouras, “quilombos” que também se constituíram verdadeiros bolsões de cultura negra, afastados totalmente das pressões diretas das políticas de “desafricanização’ e do “branqueamento”. No entanto, no ambiente urbano de Salvador, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, São Luís e logo Belo Horizonte, os negros constituíram se parte importante, quando não dominante, da força de trabalho34.
A Revolução de 1930 e o impacto das chamadas políticas varguistas, com sua lei do trabalho nacional, reabriram o caminho ao gradual aproveitamento da mão-de-obra negra nas atividades industriais urbanas. Era interesse do Estado varguista reduzir a influência dos sindicatos controlados por imigrantes europeus e seus descendentes, que haviam adquirido capacidade de negociação no período anterior. A mais ampla industrialização, em surtos do período seguinte (1933-38; 1939-1946; 1955-62), levaria a amplo crescimento do proletariado e compreenderia trabalhadores negros.
A tendência dos negros libertados da escravidão para deixar as fazendas e formar frentes de colonização dentro das matas resultou, também, em choques mais ou menos extensos com as autoridades, que refletiam predominantemente os interesses dos proprietários de terra. Estes não gostavam de perder a sua mão-de-obra quase grátis e enviavam forças policiais e militares para esmagar tais focos espontâneos de “reforma agrária”. Estes movimentos agraristas ficaram conhecidos na literatura como “messiânicos”, quase sempre em atitude que busca ignorar seu fundamento libertário social e econômico: Canudos (1896-1897), o Contestado (1911–1914), o Caldeirão (1937), entre outros, foram movimentos pela terra cujo maior contingente isolado era de trabalhadores negros35.
A resistência dos capitalistas agrícolas a qualquer repartição da terra enquanto material entre trabalhadores sem posses, explica-se pela necessidade de monopolizar a terra enquanto fonte de toda a riqueza; e a precisão de reduzir dos trabalhadores sem terra a indigência, com a compra potencial posterior de sua força de trabalho por preços abaixo da fronteira de subsistência. O monopólio da terra permite valorizá-la enquanto capital existente e eliminar focos de concorrência que venham a aumentar a produção. Os proprietários de terra podem aceitar a imposição competitiva o capital industrial externo ou a divisão internacional do trabalho e deterioração dos termos-de-troca, mas não podem tolerar a concorrência de pobres sem terra, particularmente negros ou seus ex-escravos.
Compreende-se, então, a outra tendência dos negros libertados da escravidão (1888–1960). Dirigir-se às maiores concentrações urbanas do país, para reduzir o impacto dos aparatos repressivos sobre suas atividades de subsistência. Nas grandes cidades, os negros puderam dedicar-se a tais atividades, porque eram tolerados pela população pequeno-proprietária, que podia utilizar-se de sua mão-de-obra e de seus produtos a preços rebaixados. Particularmente nas faixas litorâneas e em regiões de grandes baías como Belém, Marajó, São Marcos, São Luís, Todos os Santos, Rio de Janeiro, Lagoa dos Patos, entre outras, a mão-de-obra negra podia entregar enormes quantidades de produtos agrícolas e pesqueiros a baixo preço, valendo-se de sua baixa remuneração e das vias líquidas de transporte. Era na constituição de semelhantes mercados primitivos que a população negra garantia a sua sobrevivência, antes da descolagem da industrialização.
Assim, enquanto os membros da chamada Nova Imigração (1890–1960) se consolidavam como pequenos-proprietários e empresários, a população negra oriunda da escravidão buscava-se manter enquanto subproletariado nas cidades e camponeses sem terra nas áreas rurais. Evidencia se aqui o fechamento étnico do acesso à propriedade como um dos principais instrumentos deixados pela acumulação primitiva que asseguram as altas taxas de lucro vigentes no país e perpetuam ou ampliam os diferenciais de renda ligados ao subdesenvolvimento36.
O impacto da Grande Depressão (1873–96) nas economias coloniais e semicoloniais se fez sentir, no Brasil, pela depressão dos preços de exportação, que levou ao colapso definitivo do regime escravista. Isto se caracterizou também como: o aumento da concorrência dos produtos de exportação, tanto no plano doméstico como externo; e os reajustes econômicos internos, sob formas de ondas sucessivas (1890–1923), que aceleraram a expansão e o colapso do regime de colonato, levaram ao crescimento da ocupação do solo agricultável, com grande número de fazendas, e redução da taxa de lucro, durante todo o período da Primeira República (1889–1930).
A diversificação da oferta exportadora elevou o papel da borracha, do algodão, do cacau e de produtos naturais, para compensar a depressão dos preços do café. Em todos estes cenários da agricultura de exportação, a mão-de-obra das populações negras desempenhou papel constante.
A oferta de trabalho da população negra caracterizou-se, portanto, por dois elementos: primeiro pela população jovem, com alta resistência para o trabalho intensivo; e segundo, pela experiência nas atividades primárias e de serviços. Estas duas características repunham periodicamente a força de trabalho negra entre as de melhor qualidade para as condições econômicas da produção brasileira, tipificada pela intensidade de consumo de trabalho vivo e a baixa utilização de maquinário complexo.
Minas Gerais, Bahia e estados nordestinos, são áreas onde a população negra predominava e sua mão-de-obra era constantemente ofertada para outras regiões, com a redução dos custos oriundos do trabalho para as mesmas, e a cessão definitiva de uma população adulta resistente e produtiva. Deve-se observar que os custos com instrução, treinamento, saúde, transporte, etc., da força de trabalho interna foram, até bem recentemente, quase inexistentes, na prática, para as empresas e o Estado.
A posição da economia brasileira, na década de 20, apresentou enormes ganhos do comércio exterior, com o êxito temporário das políticas de proteção do café, diante da forte expansão da economia internacional, ligada ao ciclo automotivo norte-americano. Após a crise de 1929-32, na qual o governo brasileiro viu-se compelido a medidas extremas para proteger os preços do café e da agricultura, o baixo poder de compra do país levou a novo surto industrializador, mais persistente e de grande amplitude (1933–1962). Durante tal processo de industrialização, caracterizado na literatura como “substitutiva de importações”, a oferta de trabalho negro, do tipo urbano, foi fortemente absorvido nas atividades fabris.
A industrialização brasileira, pós 1929, se caracterizou por uma prevalência do capital industrial local, formado por uma combinação expansiva de capitais privados e capitais públicos, em mãos do Estado, que foram utilizados para financiar empresas e atividades industriais no período referido. Aquele tipo de industrialização consumiu enormes quantidades de força de trabalho, levando a contribuir certamente na mudança de cenário do país, de rural para urbano.
QUINTO SÉCULO (1951 -…)
EMPREGO URBANO E INDUSTRIALIZAÇÃO
Em que pese às oscilações do crescimento econômico brasileiro, após a crise de 1929–32, ele foi comandado pelo processo de industrialização. A acumulação de capitais por via da industrialização, nas condições da crise e flutuações do entre-guerras, só podia se dar com base na expansão do mercado interno, valendo-se do recurso de métodos de produção intensivos em trabalho. Como se aquela industrialização se fizesse em todos os ramos de atividade (1933–62), partindo da indústria leve para a indústria pesada e tivesse impacto positivo: no consumo de trabalho vivo; e na expansão da renda disponível doméstica, para efetivar o poder de compra local.
O referido tipo de industrialização beneficiou, também, a população negra, cujos contingentes já se encontravam fortemente no ambiente urbano, com baixo aproveitamento, contudo, pelo trabalho industrial37.
Dessa forma, com o rápido crescimento das cidades, voltou-se para ali o centro das disparidades sociais, com o excesso de oferta de trabalho sobre as taxas de industrialização e a carência de serviços básicos como saneamento, saúde e educação. Desde a década de 70, apesar da retomada temporária da industrialização (1969-82), os diferenciais de riqueza e bem-estar social se extremariam como nunca, superando mesmo as diferenças do mundo escravista. Os efeitos positivos da industrialização sobre a renda deixaram de ser distribuídos aos trabalhadores industriais, nas condições de uma estrutura sindical controlada primeiro, pela polícia política da Ditadura (1964–1990) e depois, pelo desemprego maciço associado a desindustrialização e globalização. Um terço da população urbana dos grandes centros manteve-se, nas últimas duas décadas, como favelada. Cinqüenta por cento da força de trabalho urbana atinge até o salário mínimo. Como conseqüência de uma posição de renda nitidamente administrada para ser inferior, a população negra não apresenta apenas salários inferiores para o mesmo trabalho masculino ou feminino. Ela termina por concentrar os piores resultados nos indicadores de qualidade de vida. Considerando-se, por exemplo, os 174 países que compõem o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU (IDH-ONU), o Brasil estava, em 1999, em 79º lugar. Quando se examina apenas a posição da população negra – dividida na classificação oficial em “negros” e “pardos” -, a posição seria a 157ª, com um indicador 0,418, próximo ao Djibuti (0,412). Como os negros podem ser tão pobres no Brasil? A explicação não pode deixar de lado uma política sistemática e silenciosa de discriminação, praticada pelas diferentes camadas da população proprietária no país. A questão é compreensível com um exemplo. Segundo o Banco Mundial, pelo menos 1,5 bilhão da população mundial sobrevive com uma renda de até 1 dólar por dia. Considera-se 1 dólar ao câmbio de R$ 2,80 e tem-se uma renda de até R$ 2,80 por dia. Qual a renda mensal correspondente? 2,80 X 30 = 84, ou seja, oitenta e quatro reais per capita ao mês. Considera-se um coletivo familiar de 4 pessoas e tem-se: 84 X 4 = 336. Ou seja, trezentos e trinta e seis reais por família. Suponha uma família negra muito comum, na periferia de uma grande cidade brasileira, formada por quatro pessoas: a mãe, a avó e duas crianças. Suponha-se que esta mãe de-família negra trabalha como empregada doméstica. Vê-se, de pronto, que a hipótese da mesma ganhar 300 ou 400 reais mensais se restringe a uma minoria das grandes cidades. Daí pode-se compreender diretamente como mesmo a fronteira de miséria do Banco Mundial pode ser difícil de ser mantida para a população negra brasileira. Ainda que nas condições do mundo urbano, onde o padrão de rendimento deveria depender da produtividade industrial crescente38.
A restrição étnica da propriedade – por um período histórico prolongado – gera hábitos difíceis de erradicar na população beneficiada. De fato, não há nada na sociedade brasileira, décimo parque industrial do mundo, que explique níveis salariais tão baixos para a mão-de-obra menos qualificada. Tais níveis são tão baixos que, atualmente refletem depressivamente sobre a economia agrícola, sua margem de lucro e o valor da terra. Seria este o caso clássico em que o “feitiço” voltar-se-ia “contra o feiticeiro”.
O Brasil, campeão mundial de concentração de renda é, obviamente, o país que exclui 16% de sua população das condições mínimas de saúde, educação e higiene, exigidas pela ONU. 80% destes 16% são constituídos por população negra.
Trinta milhões de brasileiros vivem em miséria absoluta. Quarenta e três milhões não possuem água potável. Vinte e um milhões morrerão até os 40 anos de idade. Cinqüenta e quatro milhões não possuem esgotos. Este é o preço que o país tem pagado para manter uma mão-de obra abaixo da fronteira de subsistência, compreendida quase exclusivamente de negros de todos os tipos. Com essa mão-de-obra excessivamente barata, o país consegue corresponder às necessidades de oferta a preços cadentes do comércio externo e satisfazer o seu estranho e persistente ego escravista39.
É fato que, as pessoas não-negras estão acostumadas a pagar uma fração de até 50% do vencimento ou salário de um trabalhador não-negro, para um trabalhador negro. O negro deve valer menos, ele deve constituir um “terceiro mundo” da força de trabalho. Isto, por si, só explica o subdesenvolvimento brasileiro. Um trabalhador desprovido de rendimento não pode participar da poupança ou expandir o mercado doméstico. Observe-se que na maioria das regiões, o negro constitui a espinha dorsal do proletariado, ainda que atendendo aos epítetos de “baiano”, “mineiro”, “paraíba” ou “carioca”.
Similarmente ao cômputo da África do Sul, quando se calcula apenas o IDH para a “população branca” do Brasil, considerada para nosso cálculo como 47%, o seu posicionamento coincide com os 10 primeiros países do mundo, coincidentemente, “países brancos”. Ou seja, na África do Sul, desaparece o subdesenvolvimento, sendo obviamente o subdesenvolvimento em função da presença da “população negra”. Nesse caso, o desenvolvimento trata-se de uma função da “população branca”, o que leva a interrogar, como Max Weber, para que existem as “sociedades não-homogêneas”. Deve-se recorrer ao parâmetro de que sociedades como as da América Latina são sociedades coloniais ou semicoloniais, cuja explicação existencial resida fora delas. Evidentemente, há 100 ou 200 anos atrás, quando um grupo inglês ou francês escravizava uma aldeia africana ou asiática, a vida da referida aldeia passava a ser regulada pelo relógio dos interesses do grupo externo, que efetuava sua exploração. Nesse caso, a renda monetária, eventualmente, acumulada em metais preciosos não poderia ser computada para toda a população aldeã, o que eliminaria a acumulação, mas seria considerada propriedade exclusiva do grupo minoritário externo. Tal concentração de renda implica uma compreensão própria da distribuição dos frutos do enriquecimento. É disso que se trata o chamado “Terceiro Mundo”. Quando se consideram as três variáveis componentes do IDH: renda per capita, índice de alfabetização e expectativa de vida, torna-se difícil escamotear o efeito extremo dos diferenciais socioeconômicos na estrutura étnica da sociedade.
O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO
A maioria dos países oriundos da expansão colonial europeia não foi capaz de dar origem a elites multiculturalizadas, em que os interesses do conjunto da população fossem viabilizados. O ambiente de integração puramente financeira guiado pelo consenso neoliberal, sob o nome de “globalização”, está muito distante de uma mundialização que compreendesse uma livre circulação de capital e trabalho40.
A chamada assimetria da globalização, em que os capitais dos territórios pobres são drenados em proveito dos territórios já ricos, não tende a modificar que 20% da população mundial concentre 86% do PIB do planeta; 82% das exportações; 68% do investimento direto; 74% das linhas telefônicas, etc. Ou seja, a assimetria é fruto da divisão internacional do trabalho entre as diferentes nações. Por isso, em longo prazo ela gera assimetrias similares ou até mais díspares dentro das nações pobres: segundo o IBGE, o 1% mais rico da população brasileira, em 1998, possuía mais renda que os 50% mais pobres (13,8% contra 13,5%).
Como diz o Banco Mundial, em relatório divulgado em Washington (1998): “É muito difícil não notar que, em geral, os países mais desenvolvidos têm condições geográficas diferentes daquelas de países pobres. A renda per capita em países localizados em zonas temperadas é cinco vezes maior que aquelas de países tropicais. Praticamente, os 37 países menos desenvolvidos no mundo, com renda per capita inferior a US$ 1.400,00, estão a 20 graus abaixo da linha do Equador”.
Esta aparente “fatalidade tropical” implica, no Brasil, uma taxa de mortalidade entre crianças negras e “pardas” de dois terços maior que a da população branca, da mesma idade. Em probabilidade, a criança negra tem 67% de chance maior de morrer do que uma criança branca (1996). A fonte de tal problema só pode ser indicada na renda insuficiente das famílias negras e “pardas”. A mortalidade das crianças negras no país chega a superar a da África, pelos dados do mesmo relatório.∗ (Brasil, para 1996: 76 por mil, nascidos vivos; África do Sul: 67 por mil; Zimbábue: 74 por mil).∗∗
A extensão da segregação pode ser computada assim, para 1995:
Tabela 1
| Regiões | Taxa de desocupação a mais por sexo e por cor (em % – 1995) | |
| Mulher negra | Homem negro | |
| Brasil | 22,3 | 14 |
| Norte urbano | 7,0 | 6,6 |
| Nordeste | 18,4 | 4,5 |
| Sudeste | 17,4 | 20,9 |
| Sul | 64,7 | 49,7 |
| Centro-oeste | 17,8 | – 1,13 |
Fonte: IBGE, Pnad, 1995; in Celso Simões e Ricardo Cardoso (1997).
Lendo a tabela 1, tem-se que, para cada cem mulheres brancas sem atividade remunerada ou ocupação, em 1995, havia no Brasil mais de 122 mulheres negras na mesma situação. Para cada cem homens brancos então desocupados, havia 114 homens negros desocupados. Isso pode ser percebido, olhando-se a tripulação dos caminhões de limpeza urbana: quando a crise econômica aperta, os negros cedem ali seus lugares para brancos41.
No norte urbano, havia 107 mulheres negras desocupadas para cada 100 mulheres brancas; e quase a mesma proporção para os homens. No Nordeste, havia mais de 118 mulheres negras desocupadas para cada cem mulheres brancas. Quanto aos homens, havia mais de 104 negros sem ocupação remunerada para cada cem homens brancos.
No Sudeste, havia mais de 117 mulheres negras sem ocupação para cada cem mulheres brancas. Quanto aos homens, encontrava-se praticamente 121 negros sem trabalho para cada grupo de cem homens brancos na mesma situação. Com relação ao Sul, a situação agravava-se: havia quase 165 mulheres negras desempregadas para cada 100 mulheres brancas; e quase 150 homens negros para cada grupo de 100 homens brancos na mesma situação. No caso da região Centro-Oeste, encontravam-se mais de 117 mulheres negras sem ocupação, para cada cem mulheres brancas. Quanto aos homens, para cada cem homens brancos sem atividade remunerada, encontravam-se cerca de 99 negros na mesma situação. Este parece ser o único caso da atração do salário menor estar funcionando.
Tabela 2
| Regiões | Número a mais relativo, de pessoas com renda até 2 salários mínimos (%) 1995 | |
| Mulheres | Homens | |
| Brasil | 32,8 | 64,2 |
| Norte urbano | 23,4 | 28,6 |
| Nordeste | 14,1 | 19,9 |
| Sudeste | 33,9 | 58,3 |
| Sul | 25,3 | 40,2 |
| Centro-Oeste | 22,4 | 26,7 |
Fonte: IBGE; Pnad, 1995; in Celso Simões e Ricardo Cardoso (1997)
Ao olhar a tabela 3, pode-se ler que, para cada grupo de cem mulheres brancas no Brasil, em 1995, que tinham renda até dois salários mínimos, havia quase 133 mulheres negras. Ou seja, no êxito, ao se possuir alguma renda, as mulheres negras terão rendas menores, com 33% a mais de chances, que as mulheres brancas. Quanto aos homens negros, mais de 164 terão a renda de até 2 salários mínimos para cada cem homens brancos na mesma situação.
No Norte urbano, para cada cem mulheres brancas com este baixo nível de renda havia, em 1995, mais de 123 mulheres negras. Quanto aos homens na mesma situação, haveria mais de 128 negros para cada cem brancos. No caso do Nordeste 114 mulheres negras estariam neste patamar de renda para cada 100 brancas. E 120 negros, praticamente, para cada cem brancos. No Sudeste a má vontade salarial se agrava. Para cada 100 mulheres brancas, encontravam-se 134 mulheres negras; para cada cem brancos, encontravam-se mais de 158 negros. Quanto ao Sul, havia mais de 125 negras para cada grupo de cem brancas; e mais de 140 negros, para cada cem brancos. Finalmente, no Centro-Oeste, havia mais de 122 mulheres negras para cada cem mulheres brancas; e mais de 126 negros para cada cem brancos.
Tabela 3 1995
| Regiões | Número de pessoas a mais – relativo – com até 3 anos de instrução, por sexo e cor (analfabetismo funcional) % |
| Mulheres | Homens | |
| Brasil | 118,2 | 117,2 |
| Norte urbano | 71,5 | 44,6 |
| Nordeste | 40,1 | 33,3 |
| Sudeste | 84,9 | 93,8 |
| Sul | 123,6 | 103,7 |
| Centro-Oeste | 70,4 | 65,3 |
Fonte: IBGE, Pnad, 1995; in Celso Simões e Ricardo Cardoso; (1997)
A tabela 3 refere-se à baixa instrução, onde os negros são também generosamente aquinhoados. Considerando-se todo o Brasil, havia mais de 118 mulheres negras na condição de analfabetismo funcional, para cada cem mulheres brancas. Quanto aos homens na mesma situação, encontravam-se mais de 117 negros para cada 100 brancos.
Examinando-se o Norte urbano, para cada cem mulheres brancas na condição de analfabetismo funcional, teve-se, em 1995, quase 172 mulheres negras. Para o contingente de cem homens brancos, encontrou-se quase 145 homens negros na referida situação. Os dados do Nordeste indicam 140 mulheres negras na região em analfabetismo funcional, para cada 100 mulheres brancas. No contingente masculino do Nordeste, para cada cem brancos na situação, encontrou-se mais de 133 negros.
Quando se verificam as posições no Sudeste, houve mais de 184 mulheres negras semi analfabetas para cada grupo de cem mulheres brancas. O aumento na região se expressa como praticamente 194 homens negros com analfabetismo funcional, para cada grupo de cem homens brancos. A região Sul exibiu mais de 223 mulheres negras para cada cem mulheres brancas; com mais de 203 negros para cada cem brancos. Por fim, a Centro-Oeste apresentou mais de 170 mulheres negras para cada grupo de cem mulheres brancas; e mais de 165 negros, para cada grupo de cem brancos, na mesma situação.
É interessante observar o caráter discriminatório desses diferenciais étnicos, porque onde há mais do propalado “desenvolvimento” ou “urbanização”, os indicadores mostram as maiores discrepâncias. Por exemplo, na região Sudeste, a mortalidade de crianças “de cor” é 71% maior do que aquela entre as crianças brancas (53 por mil e 31 por mil, respectivamente). Quando se verifica o Nordeste, região supostamente mais pobre, a diferença cai para 23% a mais, em mortalidade das crianças de “cor”. A concentração de renda, explicada também por fatores extra econômicos, agrava, portanto os problemas de saúde, educação, habitação, segurança pública, etc.
O crescimento do diferencial das taxas de mortalidade infantil entre brancos e negros no Brasil, desde 1980, é apenas um exemplo entre tantos que podem ser computados do agravamento dos diferenciais socioeconômicos com base na etnicidade do grupo.
O leque das segregações, a que está submetida a população negra e “parda” do Brasil tem sua amplitude sempre diversificada. Por exemplo, apesar do negro ser mais pobre e menos instruído, ele tende a ser mais criminalizado inclusive em questões econômicas: sofre maior número de consultas no SPC; é mais – relativamente – cadastrado no SERASA; é mais vítima do I.R; é objeto de maior recusa de todos os tipos de crédito. Concedeu-se menos contas bancárias – em expressão relativa – aos negros, mas ele é mais barrado pelas portas eletrônicas dos bancos. O exame de todos os indicadores socioeconômicos do país, quando ponderados para expressar a posição relativa do negro, aponta-o claramente em desvantagem. Isso, por certo, contribui para o crescente aumento do diferencial entre as taxas de mortalidade das duas populações, com uma ponderação maior do que fatores genéticos ou biológicos.
O desemprego, a falta de instrução, a miséria, a fome, a má alimentação, a ausência de assistência médica e dentária, entre outros fatores, contribuem poderosamente para doenças cardiovasculares e mentais, reduzindo drasticamente a esperança de vida dos negros, para 75% de indicador similar para a população branca. Ou seja, se uma pessoa branca viver 100 anos, ela viveria apenas 75, caso fosse negra.
Assista aqui o artigo completo por meio do youtube da Tv A Comuna
Notas:
1 Vide Clóvis Moura, O preconceito de cor na literatura de cordel: tentativa de análise sociológica. São Paulo, Editora Resenha Universitária, 1976; Joel Rufino dos Santos. Que é Racismo? São Paulo, Brasiliense, 1981; e Rita de Cássia Souza Pierini. Racismo e Sala de Aula no Município de São Paulo: O Caso da Comunidade Negra no AntigoCurso Primário – Zona Norte – 1970 – 1990. Depto. De História – Dissertação de Mestrado. São Paulo, FFLCH –
CAPH – USP, 1998.
2 Vide Clóvis Moura, O negro, de bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro, Conquista, 1977; Sociologia do negro brasileiro, São Paulo, Editora Ática, 1988 e Dialética radical do Brasil negro, São Paulo, Editora Anita, 1994.
3 Veja: Eric Hobsbawm. Era dos Extremos, São Paulo, Cia das Letras, 1995 e François Chesnais. A mundialização do capital. São Paulo, Xamã, 1996.
4 Ver: Nelson Werneck Sodré. Formação Histórica do Brasil. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1963.
5 Para o assunto, ver: Décio Freitas. Palmares, a guerra dos escravos. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1984; Clóvis Moura. Quilombos, resistência ao escravismo. São Paulo: Editora Ática, 1989. Sérgio Correa da Costa. As Quatro Coroas de Pedro I, Rio de Janeiro, Gráfica Record Editora, 3. ed. 1968.
6 A propósito, ver: Édison Carneiro. Antologia do Negro Brasileiro. Rio de Janeiro, Globo, 1950; Suely Robles Reis de Queiroz. Escravidão negra em São Paulo: um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX. Rio de Janeiro, J. Olympio Editora, 1977; e Manolo Garcia Florentino. Em costas negras: uma historia do trafico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.
7 José Alípio Goulart. Da palmatória ao patíbulo; castigos de escravos no Brasil. Rio de Janeiro, Conquista, 1971.
8 Ver J. A. Goulart. op. cit. e Alaôr Eduardo Scisínio, Dicionário da Escravidão. Rio de Janeiro, Léo Christiano Editorial Ltda., 1997.
9 Charles Ralph Boxer. A idade de ouro do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1969; João Pandiá Calógeras. Minas Do Brasil E Sua Legislação: Geologia Econômica Do Brasil São Paulo, Nacional, 1938; e Luciano Raposo de Almeida Figueiredo. Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América Portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1721). Tese de Doutorado Depto. História; FFLCH, USP São Paulo, 1996.
10 Ciro Flamarion Cardoso Agricultura, Escravidão e capitalismo Editora Vozes, Petrópolis, 1979; Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas, Guiana Francesa e Pará, 1750-1817.
Rio de Janeiro, Graal, 1984; A Afro-América: a escravidão no novo mundo. São Paulo, Brasiliense, 1982; Clovis Moura. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo, Editora Anita, 1994 e Jacques Edgard François D ́Adesky Pluralismo étnico e multiculturalismo – racismos e anti-racismos no Brasil. Tese de Doutorado. São Paulo, FFLCH-DA-USP, 1997.
11 Ver a propósito: João Quartim de Moraes e Marcos Del Roio, orgs., História do Marxismo no Brasil: Visões do Brasil. Campinas, Unicamp, 2000; e C. Morrison, J. Barrandon, Or du Brésil: monnaie et croissance en France au XVIIIe siècle. Paris, CNRS Éditions, 1999. Para a esperteza da mineração, ver Paulo Cavalcante de Oliveira Jr., Negócios de Trapaça: Caminhos e Descaminhos na América Portuguesa (1700 – 1750). Tese de Doutorado. São
Paulo, DH-FFLCH-USP, 2002.
12 Ver: Carlos Prieto. A Mineração e o Novo Mundo. São Paulo, Cultrix, 1976; Paul Mantoux. A revolucao industrial no seculo XVIIi: estudo sobre os primordios da grande industria moderna na inglaterra, Sao Paulo, Hucitec/unesp, 19-, Phyllis Deane. The state and the economic system :an introduction to the history of political economy, Oxford [England] New York : Oxford University Press, 1989; Revolucao industrial. Rio de Janeiro, Zahar, 1973; Roberto
Martins. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. In: História e Perspectivas, Uberlândia, julho/dezembro de 1994, no. 11; Jorge Siqueira. Contribuição ao estudo da transição do escravismo colonial para o capitalismo urbano-industrial no Rio de Janeiro: A Companhia Luz Stearica (1854-1898). Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, 1984.
13 Ver Karl Marx, El Capital. México, FCE, 1956. 3 volumes. Jacob Gorender. O escravismo Colonial, São Paulo, Editora Atica, 1988; e Robert Davis. Capital, State, and White Labour in South Africa, 1900-1960. Atlantic Highlands, N.J., 1979..
14 Ver Oskar Lange. La Reprodución Ampliada, Fundo de Cultura Economica, México; Teoria de la Reprodución y de Acumulación, Barcelona, Ariel, 1970. Arghiri Emmanuel. Le profit et les crises: une approche nouvelle des contradictions du capitalisme, Paris, F. Maspero, 1974.
15 Veja: Delso Renault. Indústria, escravidão, sociedade: uma pesquisa historiográfica do Rio de Janeiro no século XIX, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976; Mafalda P. Zemella. O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Séc. XVIII, São Paulo, 1951; Celso Furtado. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Fundo de Cultura, 1959.
16 Veja: Arghiri Emmanuel, A troca desigual, B.E.C., Ed. Estampa, 2 vols. Lisboa, 1976; Marina Bianchi, A Teoria do Valor, Lisboa, Edições 70, 1981.
17 Veja, a propósito: José Jobson de A. Arruda. O Brasil no comércio colonial, 1796-1808: contribuição ao estudo quantitativo da economia colonial, São Paulo: Hucitec, 1982; Brasil Gerson. A escravidão no Império, Rio de Janeiro, Pallas, 1975: e Leslie Bethell. A Abolição do Tráfico de Escravos no Brasil: A Grã Bretanha, o Brasil e a Questão do Tráfico de Escravos: 1807-1867. Trad. Vera Neves Pedroso.
18 Veja: Clóvis Moura. O Negro no Mercado de Trabalho, São Paulo, Conselho de Participação e desenvolvimento da Comunidade Negra, Estado de São Paulo, 1988; Décio Freitas. O Escravismo Brasileiro, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1982; e Ciro Flamarion Cardoso (org). Escravidão e Abolição no Brasil: novas perspectivas, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
19 Veja: Francisco Foot. História da Indústria e do Trabalho no Brasil, São Paulo, Global Ed., 1982; Trem Fantasma: a modernidade na selva, São Paulo, Cia. das Letras, 1991 e Edgar Carone. União e Estado na Vida Política da Primeira República, São Paulo, 1971.
20 Veja: Clóvis Moura. O Negro, de Bom Escravo a Mau Cidadão? Rio de Janeiro, Conquista, 1977 e Roberto C. Simonsen. Evolução Industrial do Brasil e outros Estudos, São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1973.
21 Ver: Francisco Foot. Nem Pátria, nem Patrão! São Paulo, Brasiliense, 1984, Lúcio Kowarick. Trabalho e Vadiagem: A origem do Trabalho Livre no Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1987; e Valentin Lazzarotto. Pobres construtores de riqueza: Absorção da Mão-de-Obra e expansão industrial na metalúrgica Abramo Eberle, 1905- 1970, Caxias do Sul, 1981.
22 Célia Maria Marinho de Azevedo. Onda Negra, Medo Branco: O Negro no Imaginário das Elites séc. XIX, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
23 Agostinho Marques Perdigão Malheiros. Apud A Escravidão no Brasil, Ensaio Histórico-Jurídico-Social, tomo II, Edições Cultura, 1944, pp. 200-201, (1a. edição de 1867).
24 Veja: Caio Prado Jr., História Econômica do Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1981, Humberto Bastos. Desenvolvimento ou Escravidão, São Paulo, Livraria Martins Fontes, 2a Ed., 1964; e V.I. Lenin. Sobre El Problema de Los Mercados, Espanha, Siglo Veintiuno Ed., 1974.
25. Veja Karl Marx, El Capital. op. cit.
26 Ver: Tom Kemp. Modelos Historicos de Industrialización. Barcelona, 1981 e Celso Furtado. Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina. Rio de Janeiro. Ed. Civ. Bras. 1967.
27 Veja: Flávio Versiani J. R. Mendonça de Barros (orgs.). Formação Econômica do Brasil. A Experiência da Industrialização. ANPEC. São Paulo, Ed. Saraiva, 1978.
28 Veja: Raymond Goldsmith. Brasil 1850-1984: desenvolvimento financeiro sob um século de inflação, São Paulo, Harper & Row do Brasil, 1986; e Christian Palloix. A economia Mundial de Iniciativa Privada, 2 vols., Portugal, Ed. Estampa, 1974.
29 Veja: Márcia N. Kuniochi. A Prática Financeira do Barão de Mauá. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FFLCH- USP, 1975; Crédito, Negócios e Acumulação. Rio de Janeiro: 1844-1857. Tese de Doutorado. São Paulo, DH- FFLCH-USP, 2001 e Mauro Brandão Lopes. Cambial em Moeda Estrangeira. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1978.
30 Ver: Wilson do Nascimento Barbosa. A Crisálida: 1850-1888. Tese de Livre Docência. São Paulo, DH-FFLCH-SP, 2 vols. 1994.
31 Ver: Décio Freitas. Escravos e senhores de escravos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983; e Brasil Gerson. A Escravidão…, Op. cit.
32 Ver: Florestan Fernandes. A integração do negro na sociedade de classes, São Paulo, 2 vols. 3a ed. Editora Ática, 1978; Maria Sylvia de Carvalho Franco. Homens Livres na Ordem Escravocrata, São Paulo, Ática, 1974; Alba Maria Figueiredo Morandini. O Trabalhador Migrante Nacional em São Paulo, 1920-1923, Dissertação de Mestrado, São Paulo, PUC-SP, 1978; e José de Souza Martins. O Cativeiro da Terra. São Paulo, Hucitec, 1986.
33 Ver: Bóris Fausto. Trabalho Urbano e Conflito Social, 1890-1920, Rio de Janeiro, Difel, 1977 e Relatórios do Banco do Brasil: 1910 a 1930.
34 Ver: Anuário Estatístico do Brasil – (IBGE) – (década 1940); Directoria Geral de Estatística (DGE) – Synopse do Recenseamento de 31 de dezembro de 1890. Rio de Janeiro, 1931 e Directoria Geral de Estatística (DGE) – Recenseamento do Brasil realizado em 1o de setembro de 1920, 5 vols., Rio de Janeiro, 1922 a 1926.
35 Ver: Henrique Duque-Estrada de Macedo Soares. A Guerra de Canudos, 3a Ed., Rio de Janeiro, I. N. do Livro, 1885 e Rui Facó Cangaceiros e fanáticos: gênese e lutas, Rio de Janeiro, Bertrand, 1988; e Brasil século XX, Rio de Janeiro, Vitória, 1960.
36 Veja: Petrônio José Domingues. Uma História não contada: negro, racismo e trabalho no pós-abolição em São Paulo (1889-1930). São Paulo, DH-FFLCH – USP, 2000.
37 Ver: Maria da Conceição Tavares. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 8a Ed., 1978 e Celso Furtado. A Nova Dependência: Dívida Externa e Monetarismo. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 2a Ed., 1982.
38 Ver: Edmar Bacha e Herbert Klein (orgs.). A Transição Incompleta: Brasil desde 1945, 2 vols., Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1986 e Marcos Cordeiro Pires. Dependência de Importações e Crise da Mundialização: Crescimento e Flutuações na Economia Brasileira (1980-2000). Tese de Doutorado. São Paulo, DH-FFLCH-USP, 2002.
39 Ver: Nilson José Dalledone. A gênese do Mercosul: antecedentes e desdobramentos. Tese de Doutorado. São Paulo, DH – FFLCH – USP, 2001 e Reinaldo Gonçalves. Estudo da competitividade da industria brasileira: estratégias dos oligopólios mundiais nos anos 90 e oportunidades do Brasil; nota técnica temática do bloco condicionantes internacionais da competitividade, Campinas: Mct/finep/padct, 1993.
40 Jacques Adda. Globalización de la Economia. Madrid, Seguitur, 1999; Samir Amin. El Capitalismo en la Globalización. Barcelona, Paidós, 1999 e O Eurocentrismo: Crítica de uma Ideologia. Lisboa, 1999.
