O negro na economia brasileira: da colônia aos umbrais do século XXI

A participação do negro nas economias colonial, imperial e republicana.

Por Wilson do Nascimento Barbosa – professor Associado do Departamento de História da FFLCH-USP.

INTRODUÇÃO  

A consolidação do racismo antinegro no Brasil, praticamente indestrutível nas condições  da sociedade republicana, causou a exclusão do negro e impediu seu acesso à propriedade,  particularmente, àquele dos meios de produção. Na ânsia de transformá-lo em um  subproletariado para ser usado em quaisquer necessidades de produção e organização, também,  agravou as condições socioeconômicas e morais do trabalhador negro na escravidão. Tal atitude  teve impacto negativo sobre o desenvolvimento social ulterior de toda a população negra.  

O chamado “preconceito racial” – na verdade racismo antinegro – não deriva apenas do  racismo no ambiente familiar. Ele expressa o domínio do racismo em todos os círculos da  existência social e em cada camada de associação cultural que envolva a vida quotidiana1.  

A desumanidade das relações societárias brasileiras espanta a quantos aqui vêm de visita.  Somos um país no qual a pessoa comum está desprovida de direitos econômicos e sociais, e que  legalmente, nega a cada membro da população o direito à saúde, habitação e alimentação. Ou  seja, a fronteira de subsistência das pessoas passa pelo seu direito à existência, mas não garante  tal direito. Por esta razão, o discurso dominador faz uso constante das palavras “cidadão” e  “cidadania”, justamente porque eles não existem.  

Nessas condições de juridicidade escravista mal disfarçada, a população negra é submetida  a todas as formas de abjeção, que em seu todo expressam o dimensionamento do racismo.  

A negação da terra à maioria absoluta da população rural contribuiu para sustentar a baixa  renda da população trabalhadora e a prevalência desorientada da agricultura exportadora, por  mais de um século após o término da escravatura. Por outro lado, a condição de miséria do  migrante interno, dada a ausência de transformação no mundo rural, tornou possível a  reconquista artificial pela burguesia dos frutos do trabalho industrial, tornando o cenário  doméstico do país um quadro desanimador diante do progresso social de outros países. Nas  últimas décadas, por parte das elites desenvolveu-se um desinteresse pela população local, o que  de certo modo pode explicar o agravamento das diferenças socioeconômicas, com o  recrudescimento do racismo e da violência2 .  

Chegou-se assim ao cenário da globalização, em que a convergência dos mercados  financeiros metropolitanos com aqueles das regiões dependentes permitiu um rápido ocaso da  propriedade produtiva local, com o desaparecimento dos objetivos nacionais da economia de um  grande número de países, entre eles o Brasil.  

O balanço de vinte anos de globalização está baseado na convergência financeira, indica o  reforço dos diferenciais de pobreza e riqueza, tornando difícil concluir que do seu avanço  resultará, espontaneamente, melhoria para as populações que já eram pobres e,  institucionalmente, marginalizadas. Qualquer instituto global reflete a desigualdade e aponta  para sua exacerbação. A Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial do  Comércio (OMC) ou a Organização Ambiental Mundial (OAM) não iriam mudar a estrutura  interna das sociedades ou economias locais, para torná-las mais racionais, justas ou  equilibradas3.  

Contrariamente, seu papel institucional é acelerar os movimentos transformadores em  favor de interesses que já são poderosos e cujas vozes ecoam. Isto é, com mais poder em tais  organismos. Exemplo foi a rapidez com que se deu, nos anos 90, a abertura ou liberalização dos  mercados locais, exigida pelas necessidades das grandes empresas e de sua expansão financeira.

Uma ordem social mais equilibrada dentro de uma nação e nas condições do mundo em  globalização, talvez seja mais difícil de instaurar antes dessa etapa mundializadora. Na verdade,  na óptica dos poderosos, qualquer distúrbio local é mal compreendido e deve ser interpretado  como oposto às grandes direções da mudança globalizadora. Nessa esfera estratégica, não há  lugar para os perdedores de hoje. Muito menos para os perdedores da véspera.  

Assim, as dificuldades brasileiras refletem as dificuldades de uma classe dominante que  tem demonstrado, historicamente, pouca habilidade para elaborar e/ou sustentar um projeto  nacional. Qualquer comparação entre o materialmente gigantesco Brasil e a pequenina e dividida  Coréia deixará sem argumento o defensor das iniciativas pindorâmicas.  

“Subimperialismo industrial”, “bomba atômica nacional”, “um só tiro no tigre”, etc.,  podem ser discursos de grande efeito eleitoral ou doméstico, mas são igualmente incapazes de  dar trabalho ou comida aos pobres, restituir a dignidade de cidadãos, ou diminuir os crimes  violentos. Então, seu impacto sobre a virulência de fundo étnico é igual a zero.  

Um dos traços da historiografia analítica é periodizar o Brasil, desde a intensificação da  atividade ocupadora do solo. Desse ponto de vista, poder-se-ia compreender o país assim:  

Primeiro século-1551-1650;  

Segundo século-1651-1750;  

Terceiro século-1751-1850;  

Quarto século-1851-1950;  

Quinto século-1951-… .4 

PRIMEIRO SÉCULO (1551-1650)  

O primeiro século logo se destaca com caracteres próprios: (a) instalação do sistema  escravista, com base na atividade açucareira; (b) crise da autoridade portuguesa nas colônias, culturais.  

INSTALAÇÃO DO SISTEMA ESCRAVISTA, COM BASE NA ATIVIDADE AÇUCAREIRA 

Portugal já vinha se expandindo desde o século XV, com base no tráfico de escravos, ouro  e marfim da costa africana. Parte dos lucros dessas atividades foi usada para financiar plantações  canavieiras nas ilhas afro-portuguesas do Atlântico, que abasteciam Gênova e Amsterdã de  açúcar, diante da oferta insuficiente da Sicília, da Síria e do Egito.  

As plantações de cana-de-açúcar e o estabelecimento de suas moendas deram-se por todo o  território litorâneo no primeiro século, desde São Vicente até o litoral da atual Paraíba. Foram  mais bem sucedidos os empreendimentos da Baía de Todos Santos para cima, que cresceram de  3, em 1549, para 227, em 1650. Essa forte expansão deu-se, aliás, com altos e baixos, perturbada  particularmente pelo choque dos interesses de Portugal e da República dos Países Baixos de um  lado e da Espanha, de outro.  

Os comerciantes portugueses, liderados pela Ordem de Cristo, eram sócios do capital  comercial de Gênova e das praças dos Países Baixos, na produção e na comercialização do  açúcar. Contudo, com a associação de parte da nobreza de Portugal ao projeto filipino na  Espanha, a entrega do Trono português à Coroa de Espanha suscitaria perdas econômicas para os  grupos neerlandeses que, para compensar-se, invadiram diversas colônias portuguesas.  

UNIÃO DAS COROAS IBÉRICAS  

O período de 1580-1650 é, portanto, conturbado pela invasão da Bahia, de Pernambuco e a  luta militar que se trava pela posse do Brasil e de outras colônias portuguesas. As proporções do  conflito levaram a forte participação espanhola no mesmo, que declina após o restabelecimento  de Portugal como reino independente (1640). A partir de então, trava-se a luta portuguesa para  expulsar os neerlandeses do Brasil e do Ndongo ocidental, na Angola. 

Durante o período da união das coroas ibéricas, o comércio no Atlântico havia se tornado  mais complexo. Os reinos africanos, vendedores de escravos do golfo de Benin e Angola,  tornaram-se fortemente dependentes do abastecimento de produtos europeus e luso-brasileiros,  de tal forma que sofreriam colapso sem o tráfico de escravos. As sociedades mercantis do  “comércio triangular” faziam prosperar suas praças na margem do Atlântico, com base nos  ganhos do fluxo de escravos africanos.  

Por outro lado, os escravos entrados no Brasil em números crescentes e a preços  decrescentes durante o primeiro século, souberam, em parte, valer-se das dificuldades das  autoridades portuguesas para escapar rumo ao interior. Daí cresceu a importância de aldeias  independentes de negros foragidos da escravidão, durante todo o século XVII. Tais aldeias  tornaram-se mais notáveis na república de negros da Serra da Barriga, em Alagoas, geralmente  descrita como uma monarquia aberta, do tipo da democracia militar angolana. Ela subsistiu  sabidamente no período 1603-1697 e ficou conhecida como “Palmares”. A palavra “quilombo”  pode ser livremente interpretada como “fortaleza do rei” e tornou-se extensiva a todos os tipos de  povoação, fundadas por negros escapados da escravidão no Brasil, e ao modo de vida por eles  gerado5.  

IMPLICAÇÕES ÉTCNICOCULTURAIS DOS QUILOMBOS 

O segundo século da colonização compreenderá dois movimentos, do ponto de vista da sua  força de trabalho, predominantemente negra e escrava: a forte expansão mineradora do ouro e de  pedras preciosas, e a difusão dos quilombos por várias partes do que mais tarde se constituiria o  território nacional brasileiro.  

A principal forma de organização socioeconômica no primeiro século da colonização foi,  sem dúvida, a “fazenda”. Fosse ela simples “plantação” ou também centro de moagem de cana e  do fabrico dos “pães de açúcar”, gerou um tipo de vida rural que beirava a auto-suficiência,  tornando-se para o escravo um mundo isolado que, a depender de seus administradores, podia

constituir-se desde uma prisão a um verdadeiro inferno. Submetidos a sofisticados sistemas de  castigos corporais e espirituais, os escravos faziam do horizonte de uma possível fuga, a fonte da  utopia quilombola.  

Cumpre recordar que os escravos eram constituídos de dois contingentes, em origem  distintos, particularmente no primeiro século: “os negros da terra”, ou seja, as populações  aborígines que sob o pretexto da catequese e da guerra justa eram “descidas” de suas aldeias e  submetidos à escravidão; e “os negros da costa”, em referência àqueles que haviam feito a  travessia do Atlântico, após a aquisição na costa africana6.  

Uma vez que os escravos da costa, trazidos em grande número, vinham na proporção de  três homens para uma mulher, associado ao fato da elevada mortandade do indígena masculino  em sua resistência ao colonizador, verificou-se, desde o primeiro século, a forte tendência à  miscigenação entre as populações escravizadas, que também viram crescer os eventuais filhos  dos colonizadores no seu meio. Estes, acidentalmente foram gerados em grande número, como  resultado de relações sexuais não legalizadas com as escravas. Tal fato contribuiu para criar,  mais tarde, o mito de uma suposta tolerância racial do colonizador e as políticas de dissolução do  negro, por via do branqueamento físico e psicológico, na República contemporânea.  

No entanto, no primeiro e segundo séculos, a associação étnica entre negros importados e  indígenas contribuiu para criar tipos físicos próprios na colonização brasileira e para assegurar a  sobrevivência quilombola nas matas, no caso sistemático das fugas e do abandono de escravos  “decaídos” ou “quebrados”. Eram estes, escravos que haviam perdido o valor econômico, pelo  efeito de doenças contagiosas ou de trabalho, sendo “mandados embora” pelos amos, que fugiam  assim à responsabilidade de sua manutenção ou tratamento.7 

Embora a lei portuguesa buscasse limitar as condições da escravidão, circunscrevendo seu  ambiente étnico, em virtude de sua generalidade, era possível ao poder dos escravistas  simplesmente ignorá-la, o que continuou a se dar após a Independência (1822). Assim, as crianças dos quilombolas ou das aldeias indígenas, apreendidas nas matas e nas beiras dos rios,  continuaram a ser, indiferentemente, reduzidas à escravidão, sendo, após seus batismos em  igrejas e capelas católicas, entregues aos seus “padrinhos” para que lhes propiciassem a educação  trabalhadora adequada. Emassadas nas senzalas e castigadas do mesmo modo dos demais  escravos, tais crianças logo desapareciam como indivíduos que deveriam ser livres, no coletivo  escravizado.  

Por outro lado, a população indígena sobrevivente vivia sobre a dupla pressão dos capitães  do mato escravizadores, de um lado e escravos foragidos, de outro. Ambos vinham ter às suas  aldeias, trazendo consigo a presença constante e destruidora do mundo português.  

Sendo os quilombos à semelhança das democracias militares africanas e uma sociedade de  inclusão, todos os elementos perseguidos ou adversos ao poder luso-brasileiro tinham abrigo  neles. As circunstâncias da sociedade colonial, apenas reconheciam o direito à propriedade de  uma minoria de seus indivíduos, com destaque para os senhores de terra e os arrendadores de  recursos naturais. Consequentemente, em virtude dos periódicos deslocamentos dos eixos  econômicos da atividade exportadora, deixava em sua periferia um número enorme de alijados  de toda espécie que, não tinham por que valorizar a hostilidade com os quilombolas, mantendo  feira e comércio com eles, em diferentes pontos do território. Ficaram célebres os quilombos de  Palmares e de Canhoto (PE), no primeiro século; de Icatu, Turiaçu (MA), Capim e Moju (no  PA), no segundo século: dos Calungas (GO) e da Rocinha (RJ) no terceiro século; quilombo do  Iguaçu, no quarto século, etc8.  

O mais importante a observar aqui é o impacto, no segundo século, da atividade  mineradora com a escravidão e a urbanização. O ouro em circulação na colônia elevou o preço  de todas as mercadorias – incluindo escravos – e acelerou a imigração portuguesa. A deficiência  da economia de serviços, que já se fazia sentir nas condições da atividade açucareira, tornou-se  crítica nas condições mineradoras, exigindo impulso urbanizador, oferta maior de alimentos,  estradas novas e meios de transporte, etc., tudo a contribuir para uma maior mobilidade da massa profissionais exigidas pelo mundo em urbanização a esta massa.  

Com tal aumento da flexibilidade escravista, inúmeros quilombos tiveram a possibilidade  de uma coexistência no contexto local da sociedade, desempenhando na sua economia certo  papel de complementaridade no abastecimento das vilas e cidades em expansão. São, portanto,  características do segundo século de colonização: (a) diversificação do sistema escravista, com  base na atividade mineradora; (b) expansão do Estado português na colônia, para assegurar-se de  sua riqueza; (c) ampliação da massa trabalhadora escrava e complexificação de suas habilidades  técnico-profissionais.  

SEGUNDO SÉCULO (1651-1750)  

A exploração da terra, por meio de “fazendas”, concentrava o escravo em três tipos de  atividades: exploração dos recursos naturais; produção agrícola, em certos centros, e sua  transformação e, ainda, atividades de serviços gerais, destacando-se armazenamento e transporte.  Vê-se, portanto, que grande número de profissões estava aqui abarcada. A “ponta” tecnológica da  época era a atividade mecânica, sendo que reparações muito complexas do mecanismo dos  engenhos eram feitas na metrópole. Com o avanço da atividade mineradora, a divisão social do  trabalho entre os escravos ampliou-se ainda mais, para corresponder às novas necessidades da  dominação portuguesa. Era tolice para um português livre dedicar-se a tarefas físicas, quando  podia comprar ou alugar escravos para isso, treiná-los, utilizá-los ou revendê-los. O  amoedamento em grande quantidade mercantilizava as próprias relações de trabalho escravo, e  permitia ampliar a apropriação efetiva da mais-valia que podia ser produzida9.  

No século XVII brasileiro, a propriedade de escravos era tão difundida quanto a de  veículos automóveis ou telefones, hoje. A locação ou sublocação do trabalho escravo gerava  ganhos monetários imediatos para o seu proprietário. Desse modo, grande parte da força de trabalho escrava seria utilizada nas cidades e na economia de serviços. Remeiros, barqueiros,  ferreiros, ourives, calafates, ferramenteiros, barbeiros, marceneiros e carpinteiros; ajudantes de  cirurgiões, soldados, parteiras e mensageiros, quaisquer que fossem as atividades produtivas e de  serviço subalterno, encontradas entre 1550 e 1888, ali se encontravam os escravos.  

Vê-se assim, que se encontram duas tendências para a transformação da força de trabalho  escrava, no curso do terceiro século (1751-1850). A primeira delas é a tendência para a  desescravização e a segunda, a tendência para a diversidade profissional.  

A tendência para a desescravização decorria das necessidades naturais do trabalho escravo  para renovar-se em sua mão-de-obra, acompanhando os ciclos comerciais – 7 a 10 anos.  Supondo-se uma leva de escravos A1, ela era amortizada e tendia a ser substituída – por depleção  – no curso completo de tal ciclo comercial, por outra leva A2. Evidentemente, os escravos menos  produtivos eram transferidos para tarefas secundárias, atividades não exportadoras, manumitidos  ou simplesmente “mandados embora”. Essa capacidade do sistema produtivo para renovar-se  permitiu, aos ex-escravos, a constituição de um amplo setor demográfico fora das atividades  escravistas, dando origem, no terceiro século, à constituição do negro como um povo  independente no Brasil. A discussão desse papel independente e possível nas relações produtivas  é conhecida na historiografia brasileira como “brecha camponesa” 10.  

Outro elemento interessante da formação do povo brasileiro foi a tendência para a  diversidade profissional, que se associa com as complexas demandas urbanas da mineração.  Devido à importância dos descaminhos, era ao negro, em geral escravo, que competia “pôr a  cara” e “correr riscos” de inúmeras operações ilegais. As ruas principais do Rio de Janeiro e de  Salvador estavam pontilhadas de oficinas, onde ourives, em grande parte trabalhando a destaque  – produziam jóias e outros objetos – com prata e ouro, aparentemente, legais. As investigações eventuais, não raro, encontravam uma mesma documentação – muitas vezes clonada –  acobertando a recepção e consumo de diferentes cargas da matéria-prima de elevado valor. No  caso, a repressão policial não atingia os verdadeiros proprietários, mas os escravos e libertos que,  aparentemente, cometiam os delitos de motu proprio. O preço de semelhante risco era  endinheirar-se e/ou comprar a própria liberdade ou, até mesmo, chegar à propriedade de  escravos. O mesmo se dava com minas, fundições e garimpos clandestinos, que em certa monta  haviam de ser encontrados, com tais negros penalizados, restando-nos, hoje, a documentação  como prova das espertezas então praticadas.  

O fato é que a mineração, no segundo e terceiro séculos, deu origem a uma camada de  negros pequenos-proprietários, nos mais importantes centros urbanos e ela haveria de subsistir  até os começos da República, quando seria finalmente eliminada pela concorrência da nova  imigração européia.  

DIVERSIFICAÇÃO DO SISTEMA ESCRAVISTA, COM BASE NA ATIVIDADE MINERADORA 

O problema do desenvolvimento da escravidão no mundo colonial não é apenas – como  indicado em geral pela historiografia – um problema de carência de mão-de-obra em  determinadas regiões exploradas. É, principalmente, a necessidade de um tipo de capital em  romper os impeditivos de suas pré-condições para prosseguir-se acumulando. Acumulado na  esfera da circulação e nutrido por suas criaturas – o capital comercial e o capital usurário – o  capital mercantil devia levar a cabo a acumulação primitiva e transformar sua melhor parte no  capital industrial, para sobreviver historicamente.  

Assim, o amontoamento produtivo de capital mercantil devia dar-se por outras formas que  negassem essa forma geral – para solucionar de modo específico – aspectos próprios da  acumulação primitiva, em cada situação histórica dada. No caso americano, a forma colonial  principal do capital mercantil havia de dar-se, pois, enquanto capital escravista, pois apenas esta  forma poderia resolver os dois problemas correlatos necessários: uma produção a comando e a obtenção da mão-de-obra escrava.  

O capital mercantil deveria “mergulhar” na colônia sob a forma de escravos e maquinário,  para vir à tona, no fim do ciclo reprodutivo, sob a forma de mercadorias transformáveis em mais  dinheiro, ou seja, lucro.  

Isto conduz a dois outros subconjuntos de problemas, a saber: a natureza econômica do  capital mercantil e a natureza social do capital mercantil – que subestrutura social ele representa?.  A maioria dos autores que estudaram o processo de acumulação brasileira, na condição de  colônia e semicolônia (1530-1888), evitou estabelecer uma tipologia do capital segundo a sua  natureza e deixaram, portanto, de definir a problemática da acumulação, dedicando-se apenas a  discutir o problema do trabalho.  

Infelizmente, não se pode explicar as transformações sociais sem recorrer a uma  explicação prévia dos mecanismos da produção e distribuição, ou seja, onde se origina a  diferenciação social que culmina em novas estruturas de poder: na produção ou na distribuição?  

A resposta que nos diz que o capital mercantil é de uma mesma natureza nas metrópoles  nas colônias, não resolve o problema de explicar os mecanismos da acumulação doméstica ou  interna, quando o caso, nas colônias. Houve nas metrópoles uma crescente diferenciação social,  demandada por necessidades de seu crescimento interno, pela qual surgiram novas atividades e  concentrou-se o processo de beneficiamento da produção primária, com sucessivas mudanças  tecnológicas que tinham por mecanismo o surgimento de novas atividades ou profissões  (carpinteiros, marceneiros, ferreiros, mecânicos, tripulantes marítimos, fundidores, etc.)11.  

Ocupando-se o capital mercantil, com suas duas formas metropolitanas – capital comercial  e capital usurário – de acumular-se no circuito da distribuição, é de se entender seu mecanismo  de interferir na produção, a partir de aumentos excelentes e extraordinários em seu montante – particularmente o capital usurário. Por via do roubo, da expropriação de produtores e da  pilhagem, o capital mercantil “acumulava-se”, improdutivamente, na esfera da circulação, mas o  sistema industrial da época não era capaz de produzir o montante de produtos e mercadorias que levassem o capital mercantil a um novo patamar de taxas de acumulação. Para manter a taxa média de acumulação improdutiva, o capital mercantil metropolitano necessitava apropriar-se de  uma certa quantidade crescente de bens, produzidos fora da sua esfera e que seriam  transformados em mercadoria nas condições do desenvolvimento desigual – necessidade de  ganhar nas “duas pontas”: ao comprar, e ao vender.  

É esta insuficiência de produção que explica a crescente intervenção do capital mercantil  na esfera, que lhe é exterior, da produção – têxtil florentino dos séculos XIII a XVI; indústria  lanífera “espanhola” e inglesa nos séculos XIII a XVII; armaria e vidraçaria veneziana e  milanesa nos séculos XIII a XVI; todas contrapostas às esterilizações correntes da construção  civil, etc.  

Mas a esfera “normal” do capital mercantil não era para intervir na produção, ultrapassar  gargalos produtivos. Seu desempenho normal era ganhar com base na usura e nas insuficiências  da oferta, e da procura; era tirar partido do desenvolvimento desigual – navegação genovesa e  portuguesa nos séculos XII a XVI; navegação holandesa e espanhola nos séculos XV a XVIII;  navegação inglesa no século XVI a XVIII; etc. A intervenção do capital mercantil na estrutura de  produção se dava, apenas nos casos em que o nível de acumulação da produção oficial mostrava-se mais rentável que uma parte das operações comerciais alternativas. Ou seja, a produção  artesanal-oficinal havia avançado até um ponto em que carecia de mão-de-obra externa, que ela  podia remunerar melhor, e a reprodução ampliada das oficinas (crescimento mais rápido da taxa  do número de oficinas que o crescimento populacional e da mão-de-obra oficinal). Este tipo de  transformação “aberta” era dinâmica e modificava o capital mercantil em capital industrial12.  

Ora, a “descida” do capital mercantil metropolitano, por via do “pacto colonial”, só se deu  a partir do saque das grandes navegações. Portanto, o empreendimento colonial teve dois  objetivos práticos: (a) o saque e pilhagem que gerariam as “colônias”; e (b) com os ganhos de (a), levando a um novo patamar de acumulação, complementou o ciclo da produção  metropolitana, de tal forma que se tornasse sistemática, a ocorrência de excedentes na esfera  produtiva. Qual o objetivo da obtenção de tais excedentes? Impedir a esterilização do excesso de  capital mercantil na esfera da circulação.  

Como sabemos, o capital mercantil teve que: inventar novos mecanismos de concentração  social dos ganhos da troca desigual, a fim de poder concentrar mão-de-obra nas colônias; tal  concentração de mão-de-obra, atuando a comando, só podia ser obtida na época através da  experiência histórica de escravização; e nessas pré-condições, uma parte do capital mercantil  precisava “recuar” até formas históricas anteriores, ou seja, imobilizar-se sob a forma de  patrimônio físico, para operar a mão-de-obra escrava nas colônias.  

TRANSFORMAÇÕES DO CAPITAL MERCANTIL 

É evidente que a “imobilização do capital mercantil” nas colônias, sob a forma de prédios,  navios, máquinas, etc., não se constitui uma esterilização do tipo da construção gótica. Esta  imobilização não é um serviço, mas um meio de produção. Se ocorresse na metrópole, seria a  transformação do capital mercantil no capital industrial, a faceta principal da acumulação  primitiva, do ponto de vista histórico-econômico. No caso em que a imobilização ocorresse na  colônia, o capital mercantil deveria se transformar em capital escravista, porque não seria lógico  tachar de capital-dinheiro, uma relação social que se estabelecesse a partir da posse de escravos e  criasse, produtivamente, uma dinâmica própria.  

Não se tratava de uma esterilização. Esta forma do capital mercantil, o capital escravista,  assumiu assim vida própria ao mesmo tempo em que transferia bens líquidos da produção para as  metrópoles, era o Midas da escravização. Buscava transformar em escravos e meios de produção  escravistas tudo que tocava, correndo, por esta forma para o elevado ritmo de produção  comandado pelo comércio exterior. Quanto mais produzia, mais derrubava o valor da sua  produção; competia consigo mesmo em cada local; permitia às colônias competirem entre si; criação degenerada pela especialização que precisaria ser destruído, quando não fosse mais útil.  A história evidencia que assim ocorreu, embora houvesse deixado vasta herança cultural13.

Tabela  

Metamorfose do capital mercantil para fins de acumulação  

Ano Natureza  do  capital Acumulação  Bovinocultura  Acumulação Cafeicultura 
 Nº de cabeças Taxas Nº de escravos Nº de cafeeiros Em Produção Taxas 
mercantil 
colonial 4.000 
10.000 
1,3195 16.000 
18.000 
19.000 4.000 
20.000 10.000 
10 21.000 16.000 
10 12 22.000 18.000 1.2758 
12 1,2129 19.000 
10 15 20.000 
11 18 21.000 
12 mercantil 21 22.000 
 
——————  
Fonte: Imaginado.

  

A tabela nos mostra dois exemplos de acumulação colonial, sob diferentes formas  produtivas. O primeiro caso, nos mostra a transformação do capital mercantil em capital  pecuário, tendo como principais fatores produtivos a terra barata – quase gratuita para a classe dominante da metrópole – ou recursos naturais (RN) abundantes, alguma mão-de-obra e algum gado.  

Se pusermos nossa imaginação a trabalhar, entenderemos que probabilisticamente, quanto  maior for o capital aplicado, maior oportunidade haverá de ultrapassagem dos valores médios  indicados na tabela. O capital pecuário, por exemplo, indica um crescimento geométrico de 21%  ao ano, do sétimo ano até o décimo segundo. Quanto ao capital escravista cafeicultor, indica-se  um crescimento médio de 27% ao ano, entre o quinto e o décimo sexto ano. Ao mesmo tempo,  observa-se teoricamente o movimento da reprodução simples para ampliada, que tem como  contrapartida tanto um ciclo bem definido quanto a metamorfose, através desse ciclo do capital  mercantil em capital colonial e a sua reconversão em capital mercantil, ao efetivar-se o  movimento descendente do ciclo. Vemos, pois, que as diferentes formas do capital colonial são  apenas metamorfoses histórico-concretas do capital mercantil metropolitano, para se reproduzir  às taxas mais altas possíveis, economicamente14.  

Assim, se o oligarca colonial possui não dois bois, mas 20.000 bois, ele terá tanto  assegurado menor flutuação na faixa da média da acumulação pecuária, quanto apresentará a  tendência para o seu capital pecuário se formar acima desta média. O raciocínio é similar para  qualquer forma do capital colonial, tornando-se a forma de exploração mais interessante em  função da demanda externa, metropolitana, pois a razão de ser da metamorfose do capital é sua  efetiva realização no nível do mercado internacional e não a simples produção de montanhas de  inutilidades coloniais, aspecto “involuntário” da sua reprodução.

TERCEIRO SÉCULO (1751-1850)  

As principais mercadorias brasileiras, no século XIX, foram: café, açúcar, charque,  aguardente da terra, milho, feijão, arroz, toucinho, azeite de peixe, drogas do sertão, mate,  tabaco, anil, couros, polvilho, algodão bruto, reses, borracha, madeira, farinha de mandioca, queijos e doces em conserva. Vemos que elas cobrem duas naturezas: o consumo local e as  exportações. As diferentes organizações econômicas destas produções eram cobertas pelo  guarda-chuva de maximização dos preços, que as grandes exportações ofereciam do tipo: café,  algodão, açúcar, borracha, minerais preciosos, aguardente, couro e drogas do sertão15.

As taxas de reprodução, nas condições de exploração dos recursos naturais, não eram um  único elemento diferenciado no processo do capital produtivo, uma vez que o problema da  realização já existia. Portanto, a posição particular de cada produto no nível da demanda externa  otimizava a sua maximização específica; é o fator que explica o retrocesso do capital usurário e  da categoria dos mercadores, ao longo do século XIX, em proveito do capital industrial. Quanto maior o mercado, maior a determinação da procura; quanto maior a procura, maior o espaço para  a produção por máquinas, inovações tecnológicas; capital industrial, enfim.  

DIVERSIDADE DO CAPITAL ESCRAVISTA 

Por esta razão, vemos a simbiose aparentemente estranha, da mão-de-obra escravista com  maquinário da revolução industrial. Nas condições do café, o escravismo deixava de ser uma  sociedade para se constituir em forma exportadora.  

Ao se converter em “capital colonial”, o capital mercantil primeiro pagava pelo tempo de espera, necessário à reprodução ampliada. Por isso, a forma mais corrente a sofrer metamorfose  era o capital usurário, a partir dos ganhos no circuito da circulação, convertendo aguardente e  barras de metal em escravos; os escravos em mercadorias coloniais e uma parte reduzida dos  ganhos com as mercadorias coloniais, num novo momento, em aguardente e barras de metal.  Vemos assim, que o tempo de carência necessário à reprodução ampliada era obtido na  importação da produtividade, fosse africana ou brasileira, para financiar a expansão produtiva da  colônia.  

Por outro lado, quanto mais se expandiu o capital industrial, maior era a tendência para que  os preços das mercadorias fossem determinados no nível da produção industrial, medindo-se em  termos de salário não pagos e reduzindo, cada vez mais, as margens de ganho de capital usurário.  Daí a necessidade deste de acorrer massivamente à produção colonial e semicolonial, para  transformar-se, em longo prazo, em novas mercadorias e capital industrial.  

Portanto, a peculiaridade de financiamento da produção colonial, do ponto de vista da  acumulação, era que ela se autofinanciava de patamares de taxas menores de crescimento, para  aquele de taxas maiores. Este autofinanciamento, pelo mecanismo de transferência de  produtividade – maiores quantidades de trabalho exportadas -, era também um mecanismo  relativo de auto-empobrecimento, como se revela na taxa cambial. Em longo prazo, contudo, era  impossível drenar toda a riqueza gerada pela necessidade de expandir a produção e manter a taxa  média de lucro16.  

Não só se conservavam, mas até se expandiam, setores naturais, seminaturais e de pequena  produção mercantil, que de fato operavam em grande número de produtos e mercadorias, com  situação compensatória de preços. Não devem, contudo, ser confundidos com o lugar ocupado  pelo país na divisão internacional do trabalho, que caracterizava mecanismo da acumulação. As  atividades, que não estavam diretamente destinadas à acumulação na esfera produtiva,  desempenharam o papel geralmente chamado de subsistência e, em nível mais avançado, vinham  formar setores de mercado locais, germens de um futuro mercado interno. 

A REORGANIZAÇÃO ESCRAVISTA NO TERCEIRO SÉCULO E OS EFEITOS DA HEGEMONIA CAFEEIRA 

A organização escravista da produção não passou indene pelas profundas transformações  do mundo e, conseqüentemente, do Brasil, no período 1770-1830. Este meio século assistiu o  triunfo do industrialismo da Inglaterra e o advento das crises econômicas capitalistas. Assistiu à  Revolução francesa, com a propagação de seus ideais na América e a libertação generalizada das  colônias ibéricas.  

Neste período, o avanço das formas industriais do capital haviam de significar, também,  uma reorientação do capital mercantil, tão bem caracterizada no novo balanço de forças do  congresso de Viena e do impacto das rebeliões populares de 1817, 1830, e, logo, 1848.  

O problema nacional se colocaria para o capital industrial que, com o avanço do navio a  vapor e da ferrovia, amadurecia para a grande transformação dos transportes, com mais uma fase  de “encolhimento do mundo”. A derrota do “bloqueio continental” de Napoleão, a derrota dos  “100 dias”, era também a derrota irremissível do capital mercantil em escala internacional e o  advento da era do industrialismo.  

Como é amplamente conhecida, a economia da colônia, logo Reino Unido, passou por  grave incerteza e comoção no período, adaptando-se finalmente ao ciclo das demandas  industriais, fundamentalmente através do café. Temos assim um novo momento do escravismo  brasileiro, ligado à mão-de-obra na produção intensiva de café, para a exportação. A queda  gradual dos valores de exportação, após esforço do período pombalino, avançou até o período da  presença de Dom João, agora feita demanda por novos produtos tropicais. O Maranhão,  aproveitando-se da guerra anglo-americana, pôde, temporariamente, avantajar sua condição de  exportador de algodão, sem, contudo, propiciar mudanças estruturais por via desta fase  favorável.  

Assim, a deterioração dos termos de troca criou forte endividamento externo, ampliado  pela presença da Corte portuguesa e os custos das guerras de Dom Pedro. Faltava um produto guia na pauta de exportações e este produto novo foi o café, espalhando sua produção pela  baixada fluminense e as terras em torno da baía do Rio de Janeiro. A consolidação do café como  centro da atividade exportadora e da captação de divisas, portanto, veio a ocorrer no período de  1830-1860, produzindo produto em território paulista nos anos 30, em escala econômica17.  

O colapso do Primeiro Reinado pode ser compreendido pela contradição entre uma política  centralista em excesso; e a insuficiência de renda disponível, de capacidade de pagamento no  exterior, etc., condições que decorriam da referida ausência de um produto-guia na economia e exportação. Por isto, a efetiva formação e consolidação do estado brasileiro foram um fenômeno  do período da Maioridade, em que a balança comercial já favorecia recursos para as atividades  mínimas do poder central. O café permitia a consolidação do Estado, o sucesso da Maioridade e  traria, pouco a pouco, o superávit das receitas sobre as despesas, fato que permitiu a  sobrevivência da monarquia centralizada, no cenário da segunda metade de um século XIX  instável e, mesmo, cambiante.  

 Este predomínio viria a se caracterizar por todo o espaço de um século (1830-1930). A  cafeicultura possuía características parecidas com a cultura da cana-de-açúcar, embora  demandasse uma menor plasmação social do que esta. Em contraposição, numa certa medida, à  atividade canavieira, a cafeicultura escravista não necessitava do estabelecimento de uma  economia social. Esta contraposição era bastante frontal, quando se toma o caso da exploração  mineradora de bens preciosos, característica da ocupação do território de Minas Gerais.  Esquematicamente, pode-se centrar as diferenciações vitais nos seguintes pontos: (a) condições  de circulação no setor produtivo; (b) situação da força de trabalho; (c) estrutura das unidades  produtivas; (d) mudanças na orientação da produção; (e) efeitos no papel desempenhado pelo  setor; (f) posição, para o futuro daquela época, do setor no desenvolvimento nacional.  

QUARTO SÉCULO (1851 – 1950)

NOVOS TRAÇOS NAS CONDIÇÕES ESCRAVISTAS 

(A) Condições de circulação no setor produtivo. A circulação se coloca, aqui, nos seguintes  níveis: (1) circulação física dos bens, matérias-primas e insumos; (2) circulação dos produtos  finais para seus mercados consumidores; (3) circulação dos recursos necessários (mão-de-obra,  dinheiro, equipamentos) à efetivação da produção.  

A tração animal e os barcos à vela continuaram a predominar nos transportes locais e  regionais da economia cafeeira, embora em nível internacional a saca de café transladou-se  gradualmente, do lombo de burro e do barco à vela para ferrovia e o navio a vapor. O avanço da  organização, à época da expansão cafeeira, constituía-se de um elemento – ao menos potencial –  de competição pelos recursos disponíveis – mão-de-obra, dinheiro, equipamentos. De fato, o  apogeu do escravismo cafeicultor seria breve (1830-1880). Isto implica reconhecer o caráter  mais complexo da expansão escravista no café, frente a outros fatores mercadológicos, que havia  ocorrido no caso do ouro e do açúcar18.  

O crescimento do capital industrial inglês e a formação dos seus nichos de mercado, em  nível internacional, tinham por componente as mudanças significativas na economia das colônias  e semicolônias, em função da necessidade metropolitana de colocar máquinas, incluindo  equipamentos produtivos, para efetivar o seu poder de compra no local. Deste modo, havia da  parte da expansão inglesa um certo grau de indução à industrialização local, com pressão de  demandas de poucos itens em grandes quantidades, empurrando, pois, para novas divisões  sociais do trabalho. É evidente que estes patamares locais de industrialização podiam,  teoricamente, ser absorvidos tanto pela expansão escravista quanto por outros segmentos  produtivos. Em ambos os casos, contudo, haveria de se confirmar nossa hipótese de  competitividade com maior complexidade.

(B) Situação da força de trabalho. No que se refere à mão-de-obra escrava, o fim do  tráfico, a partir da África, colocou elementos estruturais de alteração tanto da sua intensidade no  uso, quanto de sua renovação por faixas de idade. É sabido que o desligamento cultural do  “Mina” com o meio brasileiro, facilitou seu uso intensivo, particularmente, nos primeiros cinco a  sete anos após o desembarque. O “crioulo” não se prestava a esta intensidade mortífera no  trabalho, por conhecer seus efeitos em outrem, opondo-lhes mesmo diferentes formas de  resistência. A estrutura de idade da população ativa na cafeicultura alterou-se rápida e desfavoravelmente, a partir de 1850, apesar dos “meia cara” e das migrações internas.  Conseqüentemente, a mudança técnica passou a ser o fator decisivo para assegurar o  desempenho de uma mão-de-obra em envelhecimento e de caráter escravo, apesar da introdução  de máquinas e melhorias das plantas. Por outro lado, competitivamente para o capital escravista,  o escravo mostrava-se elemento ativo na mudança técnica nos processos de industrialização e de  urbanização.  

(C) Estrutura das unidades produtivas. O café exigiu, em sua organização escravista,  empresas ou unidades produtivas diferentes dos ciclos de produtos anteriores. Como se pode  observar na literatura, a fazenda cafeeira, muito distinta do engenho ou da plantação de cana-de açúcar; da mina, de garganta ou de aluvião; dos lavadores de ouro ou diamantes. As mudanças  na orientação da produção levaram em conta tanto a existência de novos recursos técnicos e  mercadológicos, quanto à experiência histórica acumulada no país e a expansão dos núcleos  urbanos, próprio do século XIX19.  

(D) Mudanças na orientação da produção. À medida que a cafeicultura escravista se  expandia e se consolidava, também formava uma elite proprietária mais cosmopolita que qualquer outra no Brasil, incluindo a elite dos mineradores. Nas novas condições, não era  necessário renunciar à cana para plantar café. Isto, em parte, refletia o avanço da sociedade  industrial, de seus meios culturais e de comunicação mais profundos, mais mercantilizados; de  outra parte, refletia o caráter “nouveau riche” desta elite cafeeira, com seu arrivismo, sua  ideologia cosmopolita, bastante dissociados do Brasil tradicional. Importa dizer que, tal elite  estava mais disposta a introduzir novas formas organizacionais para a produção, nem sempre  visualizando a falta da mão-de-obra escrava, do que o canto de cisne da sua condição de  proprietários. O monopólio da terra era seu elemento decisivo. Se a libertação da escravatura não estivesse ligada ao fim do monopólio da terra, tal elite poderia tornar-se, mesmo, abolicionista,  fato que se verificou na prática.  

É importante entender que tal elite não se constituía de “empresários”, mas de  “capitalistas” no sentido schumpeteriano: indivíduos que acumulavam, valendo-se de todos os  meios disponíveis, estavam dispostos a salvar o essencial dos seus privilégios, por meio da  modernização e da imigração. Daí a sua abertura para novos métodos organizacionais, desde que  fossem exigências na luta pela sobrevivência.  

Com a derrocada do número físico do plantel do escravismo, em meados da década de  1860, acelerada pela Guerra do Paraguai e seus efeitos modernizadores sobre o sul e sudeste do  país, mesmo a elite cafeeira do Vale do Paraíba ou pelo menos sua porção são paulina, adaptou se rapidamente às novas circunstâncias, com a substituição de mão-de-obra negra pela imigração  européia, fenômeno ocorrido entre 1870-189020.  

(E) Efeitos no papel desempenhado pelo setor escravista. A convergência desse  acúmulo de experiências e dessas novas situações históricas veio caracterizar o período cafeeiro  do escravismo como a “derradeira centelha do fósforo” que se apagava. Durante 50 anos (1830- 1880), ele preenche a cena da vida socioeconômica brasileira e desaparece para sempre. A  intensidade, o forte ritmo e a sua forma moderna não prenunciavam força, mas fraqueza. O  conjunto das forças do escravismo só podia produzir este setor exportador como avançado, capaz  de oferecer uma bebida quente à mesa das unidades consumidoras familiares, dos países em  revolução industrial. Esta efêmera mudança era, contudo, significativa. O ciclo do produto  agrícola voltava, dessa feita, associado às novas necessidades das metrópoles, o industrialismo e  o comércio internacional. Dentro deste quadro, inseria o Brasil num lugar próprio na ordem  mundial, caracterizando-lhe a posição de fornecedor secundário. O quadro de pobreza interna,  desacumulação pelo movimento exportador e concentração da propriedade, e da riqueza tendia,  assim, a se consolidar, fosse por fatores de ordem social ou cultural.

Através do café, na medida em que se criavam as condições para o desaparecimento da  escravidão, consolidavam-se na estrutura social e política todos os seus elementos negativos. A  recusa à ruptura da escravidão, que a expansão do café justificava, era também a recusa às  mudanças estruturais, à industrialização. Por outro lado, estas pressões culturais  desindustrializantes que o café expressava eram contra-trabalhadas na prática, pelo efeito de  guarda-chuva de seus recursos, acarretando a valoração das terras, das plantações e da  agricultura em geral, elevando o preço dos escravos, premissas de uma futura industrialização e  fonte imediata do movimento imigratório dos anos 1870-192021.  

(F) Posição da escravidão cafeeira para o futuro previsível à época. Não se diz,  evidentemente, nada de novo ao afirmar que a opção pelo café era para viabilizar novamente a  escravidão. Dando-se-lhe vigor econômico, era possível, de fato, a uma elite fraca e incipiente  como a do Segundo Reinado fazer face à Inglaterra, contrapondo a esta a alternativa de mais uma  república de negros. Sem dúvida, o espectro era suficiente para apaziguar os mais exaltados  ânimos britânicos22.  

“Assim que, atacar a escravidão para transformar o trabalho  escravo em trabalho livre, é mudar completamente não só a face da nossa  sociedade nos centros populares, mas, e particularmente, no campo; é  tocar em a nossa principal fonte de produção, e, portanto da riqueza  pública e privada“.  

“Por outro lado, é romper as relações entre senhor e escravo, entre  a obediência e o mando, destruir a organização atual, embora altamente  defeituosa, desses pequenos núcleos sociais, base de nossa grande sociedade: o que é de recear se não faça sem comoção nas famílias, que  repercutir no Estado”.23

Vê-se no texto que a ruptura das relações entre senhor e escravo, além de destruir a  organização então existente, podia levar à alteração da sociedade, ou seja, à indesejável  formação de uma sociedade de indivíduos livres. O fim da escravidão se daria – de outro modo –  pela extinção física dos escravos e o café próspero era o melhor instrumento para isso.  Do ponto de vista estratégico, pode-se dizer que a opção pelo gradualismo – o fim dos  escravos e não da escravatura – não foi plenamente efetivada, mas o efeito de bloquear a  formação de uma economia social, ou seja, de mercado livre, resultou na preservação dos  odiosos monopólios institucionalizados na vida brasileira do Segundo Reinado e sua  transferência à Primeira República. Esta visão cultural do problema da escravidão contribuía,  segundo se supõe, para desmobilizar os recursos obtidos pelo café e disponíveis para todo tipo de  modernização, dentre estes o mais importante, qual seja a industrialização efetiva. Havia,  portanto, uma contradição na riqueza trazida pelo café: ela condenava a escravidão e mantinha,  pelo lucro elevado, estruturas geradas pela escravidão. Nesse sentido é que o capital escravista  voltou a ser capital mercantil e usurário, em sua “viagem” histórica necessária para tornar-se  capital industrial, fenômeno que só iria se concretizar no período 1913-196224.

FLUTUAÇÕES DO ESCRAVISMO CAFEICULTOR 

Durante o século XIX, particularmente após a extinção do tráfico, cresceu cada vez mais a  importância das atividades dos mercados locais. Isto porque um certo número de atividades, ao  longo do tempo histórico, deixava de se articular indiretamente com o mercado internacional,  

representando, pois, um nível menos importante no processo de monetarização da economia, mas  articulava-se de modo próprio em nível local. A envergadura dessas atividades local variava,  obviamente, de região para região. Combinando a exploração escravista com outras formas de  trabalho, estas atividades desempenharam um papel suplementar ao processo da acumulação e  papel de primeiro plano, com relação à formação social brasileira.  

Com o fechamento do tráfico de africanos, a mão-de-obra foi, pouco a pouco, se  transformando de “impeditivo do trabalho livre” para “mão-de-obra especializada de atividades  exportadoras”, pois a intensidade do trabalho na esfera acumulativa só podia ser desempenhada  por escravos. Evidentemente, a mão-de-obra escrava que, por algum fator, não podia manter o  ritmo da agricultura de exportação, era desviada por mecanismos apropriados para o setor de  serviços ou do produto suplementar. Nestes, uma vasta gama de formas concreta de trabalho  podia-se verificar menos intensas.  

Há uma diferença muito importante entre o lento crescimento do produto suplementar e a  rápida expansão das atividades exportadoras, estas submetidas a bruscas viragens e ritmos  marcadamente flutuantes. Daí que a mão-de-obra escrava, constituindo-se em mercado primitivo  de consumo muito baixo, fornecia a margem elástica para as flutuações impostas pela demanda  internacional, comportando-se quase como capital fixo.  

Essa dinâmica lenta e quase linear, que caracterizava os setores do produto suplementar,  emprestava-lhe, também, significativa função complementar para eventuais picos de demanda de  mão-de-obra, cada vez mais presentes pelo efeito do fechamento institucional do tráfico. No  setor do capital escravista exportador, a separação entre o excedente e o consumo do trabalho  empregado fazia-se fortemente, pois a produção assumia a forma de mercadorias e estas,  exportadas, geravam ganhos em divisa, manifestando-se como poder-de-compra no exterior.  Quanto aos setores do produto suplementar, esta relação de apropriação comumente se  obscurecia, pela lentidão e, às vezes, incerteza da transformação dos produtos em mercadoria;  em dadas circunstâncias, o predomínio do trabalho escravo fazia com que o mesmo fosse  apropriado concretamente em atividades improdutivas, sem racionalidade para o sistema,  verificando-se baixa produtividade. Portanto, do ponto de vista da acumulação, os setores do  produto suplementar não desempenhavam o papel de um fator autônomo, mas de mercados primitivos que eram incorporados ou desincorporados, de acordo com a lógica histórica da  produção exportadora25.  

De fato, os setores producentes do produto suplementar, por sua própria natureza de  subsistência, apresentavam um nível baixo de acumulação, sendo que, inúmeras vezes, este  patamar reduzia-se à reprodução simples porque nem ultrapassava o crescimento demográfico.  Desvinculados da procura direta no mercado internacional, esses setores manifestavam  irregularidade no processo de acumulação. Grande parte dos seus ganhos na esfera comercial  esvaía-se na dependência das importações, agravada por ausência de mecanismo importador  próprio. Assim, a baixa produtividade do trabalho respondia pelo impedimento da acumulação e  a dependência do mecanismo importador. A maior parte dos produtores escravistas, pequeno burgueses urbanos ou rurais, tinha pouca possibilidade de mobilização de recursos financeiros,  sendo, muitas vezes, sua capacidade de poupança carreada para o exterior, por motivos culturais.  Dentro disso, as mudanças técnico-econômicas na agricultura se passavam mais do lado dos  grandes proprietários do setor exportador, de modo que a pequena produção pode ser  caracterizada como irregular e, mesmo, lenta, quando comparada com o quadro externo da  revolução industrial26.  

Temos fortes indicativos do grau elevado de exportação do capital interno, tanto dos  fazendeiros do setor exportador, quanto dos pequenos-proprietários. As crenças liberais então  dominantes e a estrutura legal existente não visualizavam o chamado “problema nacional”,  apontando mais para um apoio à divisão internacional do trabalho, fato que foi um contínuo,  desde o governo conservador de 1848 (Araújo Lima; Rodrigues Torres;) até João Alfredo e a Lei  Áurea (1887-88). Havia uma preocupação com depósitos em bancos estrangeiros, com o porte de  moeda estrangeira, que era entesourada junto com ouro e pedras preciosas. Uma grande  quantidade de recurso potencial para o investimento produtivo era drenado do mercado pelo  mecanismo do entesouramento, fazendo-se uma política de valorização dos patrimônios físicos –  terras, prédios, embarcações – e não do patrimônio mobiliário, o que desfavorecia o crescimento  e a mudança.  

A entrada incompleta de lucros auferidos com as exportações, tendo em vista a formação  de reservas individuais em bancos metropolitanos, constituía-se mecanismo corrente e  descompensador da formação da capacidade externa de pagamento. Já existiam a sobrefaturação  de produtos importados, subfaturação de produtos exportados e transferência de recursos  financeiros para o exterior fora das normas legais – especulação sobre o câmbio -, com o  contrabando de moeda, metais e pedras preciosas, etc., tudo organizado por grupos “nacionais” e  “estrangeiros”.  

O Segundo Reinado apresentava, como se sabe, uma insuficiência crônica na produção de  alimentos, apesar das condições favoráveis do espaço nacional e suas diferentes ofertas  climáticas. Esta insuficiência era agravada por fatores culturais, pois as classes dominantes, de  origem européia, tinham forte demanda pelos produtos da área temperada, sendo a produção  local encarada como sucedâneos inferiores, que eram deixados de lado, quando a renda  disponível permitia crescer a preferência pelos importados.  

O exame das importações mostra um espectro excessivamente amplo; um consumo em  excesso dos recursos em divisa, para o pagamento de produtos metropolitanos; a dependência  das importações temporariamente se atenuou de 1863-65, formando-se uma base segura para o  processo de acumulação, que já era propiciada pelo café. Assim, a constituição de um ambiente  basicamente acumulador, propiciado pelos ganhos do café, vai caracterizar a mudança estrutural,  perceptível no desempenho cíclico dos principais produtores e agregados, no período. O  fenômeno pró-acumulador foi o aumento radical do rendimento nacional e não o resultado de  políticas econômicas, que houvessem levado a uma utilização mais eficiente daquele rendimento.  

No que se refere às condições de utilização produtiva dos recursos disponíveis, o caráter  agrícola da sociedade continuava limitado à montagem de unidades agro-pecuárias. Mas aqui,  também, o café trazia inúmeras vantagens sobre as propriedades canavieiras, exportadoras ou  não e as unidades policultoras do setor de produto suplementar. O caráter perene do arbusto do  café permitia uma média produtiva duas vezes maior, que a produtividade da cana-de-açúcar. 

Conseqüentemente, as unidades produtoras podiam partir de diferentes escalas: pequena, média  ou grande, sem bloqueio do acesso à procura para as unidades menores. Os recursos  acumulavam-se, também, para os produtores menores, que participavam na expansão subseqüente demandada pelo novo ciclo. Havia maior mobilidade econômica e social entre os  produtores de café, do que na estrutura precedente e isso favorecia certamente o processo de  monetarização da economia e de urbanização, numa escala mais vigorosa27.  

Este aumento relativo da eficiência dos investimentos faz-se, de modo mais cabal, a partir  do conflito com o Paraguai, quando o país entra num patamar de modernização, cujo elemento  central é a nova imigração. A conjuntura do fim de século (Grande Depressão: 1873-1896)  haveria de colocar novos desafios adaptativos, que feriram de modo profundo a lógica da ordem  econômica baseada na escravidão, levando mesmo ao seu desaparecimento.  

Empiricamente, há evidências de um crescente aumento do capital instalado, embora os  prazos de funcionamento vital do capital fixo sejam obscuros no período e podem apenas ser  estimados a partir dos movimentos cíclicos específicos. Também, não se dispõe de dados para  uma avaliação mais cabal do grau de eficiência dos investimentos no período, uma vez que o  predomínio do produto primário e os amplos recursos fornecidos pela natureza obscurecem o ato  de medir a efetiva eficiência econômica.  

À semelhança do século XX, o maior crescimento econômico se deu no período de 1840- 1880, sendo a década de 80 (1881-1890), de flutuações muito fortes e até estagnação em alguns  ramos. Mas o aumento da população foi acompanhado por uma expansão dos postos-de-trabalho  e um aumento gradual da produtividade do trabalho.  

Sendo a produção marcadamente orientada por técnicas manuais, inclusive em oficinas que  possuíam equipamentos mais modernos – a exemplo de Ponta d’Areia, Arsenal da Marinha,  estaleiro de Salvador -, os ramos de produção consumiam uma grande quantidade de força de  trabalho, havendo uma certa competição por mão-de-obra entre as diferentes atividades. Os  quase monopólios específicos do circuito de circulação desestimulavam, de fato, o aumento da  produção e da produtividade, em virtude dos baixos rendimentos da grande massa da população.  Sendo, conseqüentemente, instável o excedente de produção, a lucratividade era máxima no  circuito comercial, que superava as eventuais dificuldades ao evento e venda de mercadorias. A  baixa margem de lucro, em nível de produção, diminuía a importância dos investimentos,

Nesse aspecto, é difícil avaliar o papel das formas mais grotescas do capital, ou seja, em  que extensão, em cada região, o capital usurário, através do mecanismo de empréstimos,  adiantamentos e monopólio do comércio exterior, contribuiu para sua pauperização e ruína. No  caso nordestino, a resposta é francamente positiva. Devido ao papel, relativamente menor, que a  renda da terra possuía para a pequena exploração, o capital usurário deve ter desempenhado um  papel maior do que aquele que geralmente lhe é atribuído. Ele pode ter desempenhado um papel  crucial no enlace entre as formas locais de exploração e as forças de acumulação internacionais.  O capital estrangeiro devia drenar uns 70 a 80% da capacidade total de acumulação no período, o  que pode ser entendido pelo papel que os empréstimos externos desempenhavam nos  investimentos de então. Uma grande parte desta drenagem devia ser efetuada em nível local,  pelas estruturas do capital usurário29.  

Apenas como referência, quando se compara o número de escravos de 1887 com relação a  1849, este caiu para 39,6%. Os escravos agrícolas da província do Rio de Janeiro eram, em 1887,  cerca de 51,9% do número de 1849. No entanto, em São Paulo os escravos na agricultura eram,  em 1887 o total de 85,3% do número de 1849. Isto significa que, enquanto certas províncias  viam decrescer seu número de escravos, eles ainda se mantinham ou se ampliavam, em São  Paulo, no Segundo Reinado.  

A criadagem escrava do Rio de Janeiro (província) era 64,4%, em 1887, em relação ao  número de 1849. Em São Paulo, a cifra decrescera para 39,3%. Ou seja, São Paulo compensou a  redução da oferta de escravos, dando preferência a enviá-los para a produção agrícola. Na  província do Rio de Janeiro, em igual período (1849 – 1887), o número de escravos em serviços  decresceu em 25,4%; em São Paulo, caiu para 58,3%. Assim, no Rio de Janeiro o trabalho em  serviços apresentava 3 trabalhadores livres para cada 1 escravo, em 1887, comparando-se ao  total de 4 escravos, em 1849.  

Considerando todo o Brasil, o produto do setor secundário aumentou em 90,8%, quando se  compara o ano de 1887 ao de 1849. Quanto ao produto do setor primário, foi acrescentado em 121%. O setor terciário foi o que mais se expandiu no período, sendo acrescido em 152%. O  agregado “consumo pessoal” expandiu-se, de 1849 para 1887, em 128%. Quanto à produção de  café pelos escravos, apesar do número decrescente destes, expandiu-se 247%. O consumo per  capita, em termos reais, expandiu-se 21,5%. O preço médio do escravo sofreu elevação de  246%. A procura por escravos aumentou 145% e o produto da província de São Paulo, o que  mais cresceu no período, aumentou 4,6 vezes30.  

A PARTICIPAÇÃO DO NEGRO NAS ECONOMIAS AGRÁRIA E URBANA 

O capital mercantil montou – de fora para dentro – a colônia açucareira do Brasil, do  primeiro e segundo séculos (1550 – 1750), colocando aqui as formas de capital que fossem  adequadas a obter um ganho máximo na produção de mercadorias. A cana-de-açúcar, o algodão,  e o transformador de ambos diante da natureza, o escravo, revelaram-se mercadorias vantajosas.  Com a descoberta do ouro em quantidades consideráveis e outras mercadorias como o gado,  foram oferecidas ao consumo interno, comércio externo monopolizado e abastecimento das  frotas que aqui tocavam.  

Nessas condições, sob suas formas escravista e usurária, o capital mercantil apossou-se de  uma enorme quantidade de terras e de pessoas, sendo estas, quando escravas, um duplo de mão de-obra e forma de capital usurário. Os proprietários da terra, quando não resultavam de doações  metropolitanas politicamente justificadas, surgiam da prática do comércio, principalmente o  tráfico de escravos, dedicando-se ao comércio geral; às instituições municipais para efeito de  serviço das ordens; por fim, tornando-se proprietários de terras. Por quê os mercadores davam  importância a terra? Porque só ela podia proteger a propriedade – de forma quase absoluta – de  todas as flutuações das demais formas apropriadoras.  

O caráter de acumulação primitiva, que o agro brasileiro facultava ao colonizador, permitia  ao capital efetuar na colônia uma série de tarefas que não podia realizar na Europa, devido à  força ainda existente das instituições feudais e outras formas cristalizadas de propriedade urbana  e rural. Ao incorporar para si todos os espaços geográficos e sociais, o capital escravista elevou a classe exploradora dos grandes proprietários de terra ao seu ápice histórico na colônia. No  entanto, cumprida sua função de acumulação primitiva, que permitiu incorporar o ciclo agrícola  das colônias no insuficiente ciclo agrícola das metrópoles, inundadas estas de mercadorias  coloniais a preços cadentes, colocava-se na ordem-do-dia a necessidade de eliminar o trabalho  escravo, abrindo mercados para os países que haviam realizado a revolução industrial31.  

O recesso do capital escravista deu-se, no Brasil, por duas vias: o retorno ao capital  mercantil e usurário, e o avanço até o capital industrial.  

O capital industrial impôs, portanto, suas soluções: a substituição dos escravos como base  do capital usurário, transferindo seu valor para o patrimônio das fazendas (1870 – 1888) e a  transformação da massa escrava em um subproletariado, remunerado abaixo da fronteira de  subsistência. Este duplo movimento foi obtido por: ampliação das áreas agricultáveis disponíveis  e intensificação da competição interna da agricultura local de exportação; e a intensa imigração  europeia, capaz de reduzir, ao mínimo, o custo da força de trabalho ofertada.  

A ampliação desmesurada das áreas agrícolas foi obtida com o surto ferroviário nas  colônias e semicolônias. No caso brasileiro, aumentando a produção a exportar, os cafeicultores  concorreram entre si para fornecer às metrópoles produtos tropicais a preços cadentes, ao mesmo  tempo em que deviam pagar o custo das ferrovias e da imigração de novos trabalhadores. Por  outro lado, a introdução de mão-de-obra imigrante em excesso rebaixava o salário de  subsistência e acirrava a competição entre os trabalhadores por um posto-de-trabalho. Em longo  prazo, jogava a mão-de-obra imigrante para fora das fazendas em cada crise agrícola de  realização (vide 1902-04; 1914-15; etc.), colocando-se no cenário da urbanização, com o crescimento da pequena indústria (1890 – 1930) e a recusa da nova imigração à proletarização  (surgimento de uma pequena-burguesia urbana e rural; 1900 – 1940)32.  

O processo de formação de um mercado de mão-de-obra livre e da pequena indústria local  (1890 – 1930) teve, por suas características, dois impactos sobre os trabalhadores negros:  destruiu o setor de pequenos proprietários negros, que havia se formado nas condições da  produção e circulação aurífera; e desqualificou a mão-de-obra trabalhadora negra, expondo-a à  intensa competição, face os novos imigrantes, que recebiam, de qualquer forma, maior apoio do  sistema institucional do que os descendentes de escravos e libertos. Na maioria dos municípios,  por exemplo, foram elaboradas disposições que vetavam crianças negras a freqüentar as poucas  escolas existentes.  

O ciclo de expansão ferroviária, com seus caminhos de ferro urbanos e intermunicipais,  constituiu o setor de vanguarda das transformações metal-mecânicas, pagando os melhores  salários (1880–1949). Embora os trabalhadores negros houvessem instalado as ferrovias iniciais,  junto a um núcleo de trabalhadores etíopes e somalis trazidos pelos ingleses, eles desapareceram  das ferrovias nas décadas seguintes, sob a alegação de que não possuíam habilidades técnicas  para tais serviços. No comércio de jóias e ourivesaria, no qual os negros se constituíram visível  maioria até 1880, o desenvolvimento da rede bancária e da imigração européia os expulsou por  completo. A formação do complexo ferro-portuários tolerou a presença do negro enquanto  carregador, porque a totalidade dos serviços não estava ainda maquinizada.  

Tem-se, portanto, no período da chamada Primeira República (1889–1930), um recuo  socioeconômico das camadas de negros livres ou recém-libertos, hostilizados enquanto  trabalhadores e, também, enquanto seres humanos. O crescimento da rede bancária na referida  fase impactou, com seu surto de industrialização, na gradual redução do chamado “crédito de armazém”, onde formas do capital usurário, geralmente português, forneciam os recursos  aplicados pelos pequenos proprietários negros33.  

A sobrevivência econômica dos negros se concentrou em dois tipos de atividades: a  primeira de praticantes de serviços urbanos e suburbanos – chacareiros; vendedores ambulantes;  empregados domésticos, pescadores, etc -; e a segunda, de trabalhadores rurais por conta própria  ou pequenos lavradores. Esta condição era tolerada porque os desmatamentos promovidos por  famílias de negros rurais terminavam, mais tarde, por ser ocupados pelos fazendeiros, que os “empurravam” para mais adiante. Desta forma, atuavam os mesmos como desmatadores  graciosos das fazendas.

Quando o trabalho de colonização era feito longe da frente agrícola, os  negros davam origem a ocupações duradouras, “quilombos” que também se constituíram  verdadeiros bolsões de cultura negra, afastados totalmente das pressões diretas das políticas de  “desafricanização’ e do “branqueamento”. No entanto, no ambiente urbano de Salvador, Recife,  Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, São Luís e logo Belo Horizonte, os negros constituíram se parte importante, quando não dominante, da força de trabalho34.

A Revolução de 1930 e o impacto das chamadas políticas varguistas, com sua lei do  trabalho nacional, reabriram o caminho ao gradual aproveitamento da mão-de-obra negra nas  atividades industriais urbanas. Era interesse do Estado varguista reduzir a influência dos  sindicatos controlados por imigrantes europeus e seus descendentes, que haviam adquirido  capacidade de negociação no período anterior. A mais ampla industrialização, em surtos do  período seguinte (1933-38; 1939-1946; 1955-62), levaria a amplo crescimento do proletariado e  compreenderia trabalhadores negros.  

A tendência dos negros libertados da escravidão para deixar as fazendas e formar frentes  de colonização dentro das matas resultou, também, em choques mais ou menos extensos com as  autoridades, que refletiam predominantemente os interesses dos proprietários de terra. Estes não  gostavam de perder a sua mão-de-obra quase grátis e enviavam forças policiais e militares para  esmagar tais focos espontâneos de “reforma agrária”. Estes movimentos agraristas ficaram  conhecidos na literatura como “messiânicos”, quase sempre em atitude que busca ignorar seu  fundamento libertário social e econômico: Canudos (1896-1897), o Contestado (1911–1914), o Caldeirão (1937), entre outros, foram movimentos pela terra cujo maior contingente isolado era  de trabalhadores negros35.  

A resistência dos capitalistas agrícolas a qualquer repartição da terra enquanto material  entre trabalhadores sem posses, explica-se pela necessidade de monopolizar a terra enquanto fonte de toda a riqueza; e a precisão de reduzir dos trabalhadores sem terra a indigência, com a  compra potencial posterior de sua força de trabalho por preços abaixo da fronteira de  subsistência. O monopólio da terra permite valorizá-la enquanto capital existente e eliminar  focos de concorrência que venham a aumentar a produção. Os proprietários de terra podem  aceitar a imposição competitiva o capital industrial externo ou a divisão internacional do trabalho  e deterioração dos termos-de-troca, mas não podem tolerar a concorrência de pobres sem terra,  particularmente negros ou seus ex-escravos.  

Compreende-se, então, a outra tendência dos negros libertados da escravidão (1888–1960).  Dirigir-se às maiores concentrações urbanas do país, para reduzir o impacto dos aparatos  repressivos sobre suas atividades de subsistência. Nas grandes cidades, os negros puderam  dedicar-se a tais atividades, porque eram tolerados pela população pequeno-proprietária, que  podia utilizar-se de sua mão-de-obra e de seus produtos a preços rebaixados. Particularmente nas  faixas litorâneas e em regiões de grandes baías como Belém, Marajó, São Marcos, São Luís,  Todos os Santos, Rio de Janeiro, Lagoa dos Patos, entre outras, a mão-de-obra negra podia  entregar enormes quantidades de produtos agrícolas e pesqueiros a baixo preço, valendo-se de  sua baixa remuneração e das vias líquidas de transporte. Era na constituição de semelhantes  mercados primitivos que a população negra garantia a sua sobrevivência, antes da descolagem da  industrialização.  

Assim, enquanto os membros da chamada Nova Imigração (1890–1960) se consolidavam  como pequenos-proprietários e empresários, a população negra oriunda da escravidão buscava-se  manter enquanto subproletariado nas cidades e camponeses sem terra nas áreas rurais. Evidencia se aqui o fechamento étnico do acesso à propriedade como um dos principais instrumentos  deixados pela acumulação primitiva que asseguram as altas taxas de lucro vigentes no país e  perpetuam ou ampliam os diferenciais de renda ligados ao subdesenvolvimento36.  

O impacto da Grande Depressão (1873–96) nas economias coloniais e semicoloniais se fez  sentir, no Brasil, pela depressão dos preços de exportação, que levou ao colapso definitivo do regime escravista. Isto se caracterizou também como: o aumento da concorrência dos produtos  de exportação, tanto no plano doméstico como externo; e os reajustes econômicos internos, sob  formas de ondas sucessivas (1890–1923), que aceleraram a expansão e o colapso do regime de  colonato, levaram ao crescimento da ocupação do solo agricultável, com grande número de  fazendas, e redução da taxa de lucro, durante todo o período da Primeira República (1889–1930).  

A diversificação da oferta exportadora elevou o papel da borracha, do algodão, do cacau e  de produtos naturais, para compensar a depressão dos preços do café. Em todos estes cenários da  agricultura de exportação, a mão-de-obra das populações negras desempenhou papel constante.  

A oferta de trabalho da população negra caracterizou-se, portanto, por dois elementos:  primeiro pela população jovem, com alta resistência para o trabalho intensivo; e segundo, pela  experiência nas atividades primárias e de serviços. Estas duas características repunham  periodicamente a força de trabalho negra entre as de melhor qualidade para as condições  econômicas da produção brasileira, tipificada pela intensidade de consumo de trabalho vivo e a  baixa utilização de maquinário complexo.  

Minas Gerais, Bahia e estados nordestinos, são áreas onde a população negra predominava  e sua mão-de-obra era constantemente ofertada para outras regiões, com a redução dos custos  oriundos do trabalho para as mesmas, e a cessão definitiva de uma população adulta resistente e  produtiva. Deve-se observar que os custos com instrução, treinamento, saúde, transporte, etc., da  força de trabalho interna foram, até bem recentemente, quase inexistentes, na prática, para as  empresas e o Estado.  

A posição da economia brasileira, na década de 20, apresentou enormes ganhos do  comércio exterior, com o êxito temporário das políticas de proteção do café, diante da forte  expansão da economia internacional, ligada ao ciclo automotivo norte-americano. Após a crise  de 1929-32, na qual o governo brasileiro viu-se compelido a medidas extremas para proteger os  preços do café e da agricultura, o baixo poder de compra do país levou a novo surto  industrializador, mais persistente e de grande amplitude (1933–1962). Durante tal processo de  industrialização, caracterizado na literatura como “substitutiva de importações”, a oferta de  trabalho negro, do tipo urbano, foi fortemente absorvido nas atividades fabris. 

A industrialização brasileira, pós 1929, se caracterizou por uma prevalência do capital  industrial local, formado por uma combinação expansiva de capitais privados e capitais públicos,  em mãos do Estado, que foram utilizados para financiar empresas e atividades industriais no  período referido. Aquele tipo de industrialização consumiu enormes quantidades de força de  trabalho, levando a contribuir certamente na mudança de cenário do país, de rural para urbano.  

QUINTO SÉCULO (1951 -…)  

EMPREGO URBANO E INDUSTRIALIZAÇÃO 

Em que pese às oscilações do crescimento econômico brasileiro, após a crise de 1929–32,  ele foi comandado pelo processo de industrialização. A acumulação de capitais por via da  industrialização, nas condições da crise e flutuações do entre-guerras, só podia se dar com base  na expansão do mercado interno, valendo-se do recurso de métodos de produção intensivos em  trabalho. Como se aquela industrialização se fizesse em todos os ramos de atividade (1933–62),  partindo da indústria leve para a indústria pesada e tivesse impacto positivo: no consumo de  trabalho vivo; e na expansão da renda disponível doméstica, para efetivar o poder de compra  local.  

O referido tipo de industrialização beneficiou, também, a população negra, cujos  contingentes já se encontravam fortemente no ambiente urbano, com baixo aproveitamento,  contudo, pelo trabalho industrial37.  

Dessa forma, com o rápido crescimento das cidades, voltou-se para ali o centro das  disparidades sociais, com o excesso de oferta de trabalho sobre as taxas de industrialização e a  carência de serviços básicos como saneamento, saúde e educação. Desde a década de 70, apesar  da retomada temporária da industrialização (1969-82), os diferenciais de riqueza e bem-estar  social se extremariam como nunca, superando mesmo as diferenças do mundo escravista. Os  efeitos positivos da industrialização sobre a renda deixaram de ser distribuídos aos trabalhadores  industriais, nas condições de uma estrutura sindical controlada primeiro, pela polícia política da Ditadura (1964–1990) e depois, pelo desemprego maciço associado a desindustrialização e  globalização. Um terço da população urbana dos grandes centros manteve-se, nas últimas duas  décadas, como favelada. Cinqüenta por cento da força de trabalho urbana atinge até o salário mínimo.  Como conseqüência de uma posição de renda nitidamente administrada para ser inferior, a  população negra não apresenta apenas salários inferiores para o mesmo trabalho masculino ou  feminino. Ela termina por concentrar os piores resultados nos indicadores de qualidade de vida.  Considerando-se, por exemplo, os 174 países que compõem o Índice de Desenvolvimento  Humano da ONU (IDH-ONU), o Brasil estava, em 1999, em 79º lugar. Quando se examina  apenas a posição da população negra – dividida na classificação oficial em “negros” e “pardos” -,  a posição seria a 157ª, com um indicador 0,418, próximo ao Djibuti (0,412). Como os negros  podem ser tão pobres no Brasil? A explicação não pode deixar de lado uma política sistemática e  silenciosa de discriminação, praticada pelas diferentes camadas da população proprietária no  país. A questão é compreensível com um exemplo. Segundo o Banco Mundial, pelo menos 1,5  bilhão da população mundial sobrevive com uma renda de até 1 dólar por dia. Considera-se 1  dólar ao câmbio de R$ 2,80 e tem-se uma renda de até R$ 2,80 por dia. Qual a renda mensal  correspondente? 2,80 X 30 = 84, ou seja, oitenta e quatro reais per capita ao mês. Considera-se  um coletivo familiar de 4 pessoas e tem-se: 84 X 4 = 336. Ou seja, trezentos e trinta e seis reais  por família. Suponha uma família negra muito comum, na periferia de uma grande cidade  brasileira, formada por quatro pessoas: a mãe, a avó e duas crianças. Suponha-se que esta mãe de-família negra trabalha como empregada doméstica. Vê-se, de pronto, que a hipótese da  mesma ganhar 300 ou 400 reais mensais se restringe a uma minoria das grandes cidades. Daí  pode-se compreender diretamente como mesmo a fronteira de miséria do Banco Mundial pode  ser difícil de ser mantida para a população negra brasileira. Ainda que nas condições do mundo  urbano, onde o padrão de rendimento deveria depender da produtividade industrial crescente38.

A restrição étnica da propriedade – por um período histórico prolongado – gera hábitos  difíceis de erradicar na população beneficiada. De fato, não há nada na sociedade brasileira,  décimo parque industrial do mundo, que explique níveis salariais tão baixos para a mão-de-obra  menos qualificada. Tais níveis são tão baixos que, atualmente refletem depressivamente sobre a  economia agrícola, sua margem de lucro e o valor da terra. Seria este o caso clássico em que o  “feitiço” voltar-se-ia “contra o feiticeiro”.  

O Brasil, campeão mundial de concentração de renda é, obviamente, o país que exclui 16%  de sua população das condições mínimas de saúde, educação e higiene, exigidas pela ONU. 80%  destes 16% são constituídos por população negra.  

Trinta milhões de brasileiros vivem em miséria absoluta. Quarenta e três milhões não  possuem água potável. Vinte e um milhões morrerão até os 40 anos de idade. Cinqüenta e quatro  milhões não possuem esgotos. Este é o preço que o país tem pagado para manter uma mão-de obra abaixo da fronteira de subsistência, compreendida quase exclusivamente de negros de todos  os tipos. Com essa mão-de-obra excessivamente barata, o país consegue corresponder às  necessidades de oferta a preços cadentes do comércio externo e satisfazer o seu estranho e  persistente ego escravista39.  

É fato que, as pessoas não-negras estão acostumadas a pagar uma fração de até 50% do  vencimento ou salário de um trabalhador não-negro, para um trabalhador negro. O negro deve  valer menos, ele deve constituir um “terceiro mundo” da força de trabalho. Isto, por si, só explica  o subdesenvolvimento brasileiro. Um trabalhador desprovido de rendimento não pode participar da poupança ou expandir o mercado doméstico. Observe-se que na maioria das regiões, o negro  constitui a espinha dorsal do proletariado, ainda que atendendo aos epítetos de “baiano”,  “mineiro”, “paraíba” ou “carioca”.  

Similarmente ao cômputo da África do Sul, quando se calcula apenas o IDH para a  “população branca” do Brasil, considerada para nosso cálculo como 47%, o seu posicionamento coincide com os 10 primeiros países do mundo, coincidentemente, “países brancos”. Ou seja, na  África do Sul, desaparece o subdesenvolvimento, sendo obviamente o subdesenvolvimento em  função da presença da “população negra”. Nesse caso, o desenvolvimento trata-se de uma função  da “população branca”, o que leva a interrogar, como Max Weber, para que existem as  “sociedades não-homogêneas”. Deve-se recorrer ao parâmetro de que sociedades como as da  América Latina são sociedades coloniais ou semicoloniais, cuja explicação existencial resida  fora delas. Evidentemente, há 100 ou 200 anos atrás, quando um grupo inglês ou francês  escravizava uma aldeia africana ou asiática, a vida da referida aldeia passava a ser regulada pelo  relógio dos interesses do grupo externo, que efetuava sua exploração. Nesse caso, a renda  monetária, eventualmente, acumulada em metais preciosos não poderia ser computada para toda  a população aldeã, o que eliminaria a acumulação, mas seria considerada propriedade exclusiva  do grupo minoritário externo. Tal concentração de renda implica uma compreensão própria da  distribuição dos frutos do enriquecimento. É disso que se trata o chamado “Terceiro Mundo”.  Quando se consideram as três variáveis componentes do IDH: renda per capita, índice de  alfabetização e expectativa de vida, torna-se difícil escamotear o efeito extremo dos diferenciais  socioeconômicos na estrutura étnica da sociedade.  

O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO 

A maioria dos países oriundos da expansão colonial europeia não foi capaz de dar origem a  elites multiculturalizadas, em que os interesses do conjunto da população fossem viabilizados. O ambiente de integração puramente financeira guiado pelo consenso neoliberal, sob o nome de  “globalização”, está muito distante de uma mundialização que compreendesse uma livre  circulação de capital e trabalho40.  

A chamada assimetria da globalização, em que os capitais dos territórios pobres são  drenados em proveito dos territórios já ricos, não tende a modificar que 20% da população  mundial concentre 86% do PIB do planeta; 82% das exportações; 68% do investimento direto;  74% das linhas telefônicas, etc. Ou seja, a assimetria é fruto da divisão internacional do trabalho entre as diferentes nações. Por isso, em longo prazo ela gera assimetrias similares ou até mais  díspares dentro das nações pobres: segundo o IBGE, o 1% mais rico da população brasileira, em  1998, possuía mais renda que os 50% mais pobres (13,8% contra 13,5%).  

Como diz o Banco Mundial, em relatório divulgado em Washington (1998): “É muito  difícil não notar que, em geral, os países mais desenvolvidos têm condições geográficas  diferentes daquelas de países pobres. A renda per capita em países localizados em zonas  temperadas é cinco vezes maior que aquelas de países tropicais. Praticamente, os 37 países  menos desenvolvidos no mundo, com renda per capita inferior a US$ 1.400,00, estão a 20 graus  abaixo da linha do Equador”.  

Esta aparente “fatalidade tropical” implica, no Brasil, uma taxa de mortalidade entre  crianças negras e “pardas” de dois terços maior que a da população branca, da mesma idade. Em  probabilidade, a criança negra tem 67% de chance maior de morrer do que uma criança branca  (1996). A fonte de tal problema só pode ser indicada na renda insuficiente das famílias negras e  “pardas”. A mortalidade das crianças negras no país chega a superar a da África, pelos dados do  mesmo relatório. (Brasil, para 1996: 76 por mil, nascidos vivos; África do Sul: 67 por mil;  Zimbábue: 74 por mil).∗∗ 

A extensão da segregação pode ser computada assim, para 1995:  

Tabela 1  

Regiões Taxa de desocupação a mais por sexo e por cor (em % – 1995) 
 Mulher negra Homem negro 
Brasil 22,3 14 
Norte urbano 7,0 6,6 
Nordeste 18,4 4,5 
Sudeste 17,4 20,9 
Sul 64,7 49,7 
Centro-oeste 17,8 – 1,13 

Fonte: IBGE, Pnad, 1995; in Celso Simões e Ricardo Cardoso (1997).

Lendo a tabela 1, tem-se que, para cada cem mulheres brancas sem atividade remunerada  ou ocupação, em 1995, havia no Brasil mais de 122 mulheres negras na mesma situação. Para  cada cem homens brancos então desocupados, havia 114 homens negros desocupados. Isso pode  ser percebido, olhando-se a tripulação dos caminhões de limpeza urbana: quando a crise  econômica aperta, os negros cedem ali seus lugares para brancos41.  

No norte urbano, havia 107 mulheres negras desocupadas para cada 100 mulheres brancas;  e quase a mesma proporção para os homens. No Nordeste, havia mais de 118 mulheres negras  desocupadas para cada cem mulheres brancas. Quanto aos homens, havia mais de 104 negros  sem ocupação remunerada para cada cem homens brancos.  

No Sudeste, havia mais de 117 mulheres negras sem ocupação para cada cem mulheres  brancas. Quanto aos homens, encontrava-se praticamente 121 negros sem trabalho para cada  grupo de cem homens brancos na mesma situação. Com relação ao Sul, a situação agravava-se:  havia quase 165 mulheres negras desempregadas para cada 100 mulheres brancas; e quase 150  homens negros para cada grupo de 100 homens brancos na mesma situação. No caso da região  Centro-Oeste, encontravam-se mais de 117 mulheres negras sem ocupação, para cada cem  mulheres brancas. Quanto aos homens, para cada cem homens brancos sem atividade  remunerada, encontravam-se cerca de 99 negros na mesma situação. Este parece ser o único caso  da atração do salário menor estar funcionando.  

Tabela 2  

Regiões Número a mais relativo, de pessoas com renda até 2 salários mínimos  (%) 1995 
 Mulheres Homens 
Brasil 32,8 64,2 
Norte urbano 23,4 28,6 
Nordeste 14,1 19,9 
Sudeste 33,9 58,3 
Sul 25,3 40,2 
Centro-Oeste 22,4 26,7 

Fonte: IBGE; Pnad, 1995; in Celso Simões e Ricardo Cardoso (1997)

Ao olhar a tabela 3, pode-se ler que, para cada grupo de cem mulheres brancas no Brasil,  em 1995, que tinham renda até dois salários mínimos, havia quase 133 mulheres negras. Ou seja,  no êxito, ao se possuir alguma renda, as mulheres negras terão rendas menores, com 33% a mais  de chances, que as mulheres brancas. Quanto aos homens negros, mais de 164 terão a renda de  até 2 salários mínimos para cada cem homens brancos na mesma situação.  

No Norte urbano, para cada cem mulheres brancas com este baixo nível de renda havia, em  1995, mais de 123 mulheres negras. Quanto aos homens na mesma situação, haveria mais de 128  negros para cada cem brancos. No caso do Nordeste 114 mulheres negras estariam neste patamar  de renda para cada 100 brancas. E 120 negros, praticamente, para cada cem brancos. No Sudeste  a má vontade salarial se agrava. Para cada 100 mulheres brancas, encontravam-se 134 mulheres  negras; para cada cem brancos, encontravam-se mais de 158 negros. Quanto ao Sul, havia mais  de 125 negras para cada grupo de cem brancas; e mais de 140 negros, para cada cem brancos.  Finalmente, no Centro-Oeste, havia mais de 122 mulheres negras para cada cem mulheres  brancas; e mais de 126 negros para cada cem brancos.

Tabela 3 1995 

Regiões Número de pessoas a mais – relativo – com até 3 anos de  instrução, por sexo e cor (analfabetismo funcional) % 
 Mulheres Homens 
Brasil 118,2 117,2 
Norte urbano 71,5 44,6 
Nordeste 40,1 33,3 
Sudeste 84,9 93,8 
Sul 123,6 103,7 
Centro-Oeste 70,4 65,3 

Fonte: IBGE, Pnad, 1995; in Celso Simões e Ricardo Cardoso; (1997)

A tabela 3 refere-se à baixa instrução, onde os negros são também generosamente  aquinhoados. Considerando-se todo o Brasil, havia mais de 118 mulheres negras na condição de  analfabetismo funcional, para cada cem mulheres brancas. Quanto aos homens na mesma  situação, encontravam-se mais de 117 negros para cada 100 brancos.

Examinando-se o Norte urbano, para cada cem mulheres brancas na condição de  analfabetismo funcional, teve-se, em 1995, quase 172 mulheres negras. Para o contingente de  cem homens brancos, encontrou-se quase 145 homens negros na referida situação. Os dados do  Nordeste indicam 140 mulheres negras na região em analfabetismo funcional, para cada 100  mulheres brancas. No contingente masculino do Nordeste, para cada cem brancos na situação,  encontrou-se mais de 133 negros.  

Quando se verificam as posições no Sudeste, houve mais de 184 mulheres negras semi analfabetas para cada grupo de cem mulheres brancas. O aumento na região se expressa como  praticamente 194 homens negros com analfabetismo funcional, para cada grupo de cem homens  brancos. A região Sul exibiu mais de 223 mulheres negras para cada cem mulheres brancas; com  mais de 203 negros para cada cem brancos. Por fim, a Centro-Oeste apresentou mais de 170  mulheres negras para cada grupo de cem mulheres brancas; e mais de 165 negros, para cada  grupo de cem brancos, na mesma situação.

É interessante observar o caráter discriminatório desses diferenciais étnicos, porque onde  há mais do propalado “desenvolvimento” ou “urbanização”, os indicadores mostram as maiores  discrepâncias. Por exemplo, na região Sudeste, a mortalidade de crianças “de cor” é 71% maior  do que aquela entre as crianças brancas (53 por mil e 31 por mil, respectivamente). Quando se  verifica o Nordeste, região supostamente mais pobre, a diferença cai para 23% a mais, em  mortalidade das crianças de “cor”. A concentração de renda, explicada também por fatores extra econômicos, agrava, portanto os problemas de saúde, educação, habitação, segurança pública,  etc.  

O crescimento do diferencial das taxas de mortalidade infantil entre brancos e negros no  Brasil, desde 1980, é apenas um exemplo entre tantos que podem ser computados do  agravamento dos diferenciais socioeconômicos com base na etnicidade do grupo.  

O leque das segregações, a que está submetida a população negra e “parda” do Brasil tem  sua amplitude sempre diversificada. Por exemplo, apesar do negro ser mais pobre e menos  instruído, ele tende a ser mais criminalizado inclusive em questões econômicas: sofre maior  número de consultas no SPC; é mais – relativamente – cadastrado no SERASA; é mais vítima do  I.R; é objeto de maior recusa de todos os tipos de crédito. Concedeu-se menos contas bancárias –  em expressão relativa – aos negros, mas ele é mais barrado pelas portas eletrônicas dos bancos.  O exame de todos os indicadores socioeconômicos do país, quando ponderados para expressar a  posição relativa do negro, aponta-o claramente em desvantagem. Isso, por certo, contribui para o  crescente aumento do diferencial entre as taxas de mortalidade das duas populações, com uma  ponderação maior do que fatores genéticos ou biológicos.  

O desemprego, a falta de instrução, a miséria, a fome, a má alimentação, a ausência de  assistência médica e dentária, entre outros fatores, contribuem poderosamente para doenças  cardiovasculares e mentais, reduzindo drasticamente a esperança de vida dos negros, para 75%  de indicador similar para a população branca. Ou seja, se uma pessoa branca viver 100 anos, ela  viveria apenas 75, caso fosse negra. 

Assista aqui o artigo completo por meio do youtube da Tv A Comuna

Notas:

1 Vide Clóvis Moura, O preconceito de cor na literatura de cordel: tentativa de análise sociológica. São Paulo, Editora Resenha Universitária, 1976; Joel Rufino dos Santos. Que é Racismo? São Paulo, Brasiliense, 1981; e Rita de Cássia Souza Pierini. Racismo e Sala de Aula no Município de São Paulo: O Caso da Comunidade Negra no AntigoCurso Primário – Zona Norte – 1970 – 1990. Depto. De História – Dissertação de Mestrado. São Paulo, FFLCH –
CAPH – USP, 1998.

2 Vide Clóvis Moura, O negro, de bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro, Conquista, 1977; Sociologia do negro brasileiro, São Paulo, Editora Ática, 1988 e Dialética radical do Brasil negro, São Paulo, Editora Anita, 1994.

3 Veja: Eric Hobsbawm. Era dos Extremos, São Paulo, Cia das Letras, 1995 e François Chesnais. A mundialização do capital. São Paulo, Xamã, 1996.

4 Ver: Nelson Werneck Sodré. Formação Histórica do Brasil. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1963.

5 Para o assunto, ver: Décio Freitas. Palmares, a guerra dos escravos. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1984; Clóvis Moura. Quilombos, resistência ao escravismo. São Paulo: Editora Ática, 1989. Sérgio Correa da Costa. As Quatro Coroas de Pedro I, Rio de Janeiro, Gráfica Record Editora, 3. ed. 1968.

6 A propósito, ver: Édison Carneiro. Antologia do Negro Brasileiro. Rio de Janeiro, Globo, 1950; Suely Robles Reis de Queiroz. Escravidão negra em São Paulo: um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX. Rio de Janeiro, J. Olympio Editora, 1977; e Manolo Garcia Florentino. Em costas negras: uma historia do trafico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.

7 José Alípio Goulart. Da palmatória ao patíbulo; castigos de escravos no Brasil. Rio de Janeiro, Conquista, 1971.

8 Ver J. A. Goulart. op. cit. e Alaôr Eduardo Scisínio, Dicionário da Escravidão. Rio de Janeiro, Léo Christiano Editorial Ltda., 1997.

9 Charles Ralph Boxer. A idade de ouro do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1969; João Pandiá Calógeras. Minas Do Brasil E Sua Legislação: Geologia Econômica Do Brasil São Paulo, Nacional, 1938; e Luciano Raposo de Almeida Figueiredo. Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América Portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1721). Tese de Doutorado Depto. História; FFLCH, USP São Paulo, 1996.

10 Ciro Flamarion Cardoso Agricultura, Escravidão e capitalismo Editora Vozes, Petrópolis, 1979; Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas, Guiana Francesa e Pará, 1750-1817.
Rio de Janeiro, Graal, 1984; A Afro-América: a escravidão no novo mundo. São Paulo, Brasiliense, 1982; Clovis Moura. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo, Editora Anita, 1994 e Jacques Edgard François D ́Adesky Pluralismo étnico e multiculturalismo – racismos e anti-racismos no Brasil. Tese de Doutorado. São Paulo, FFLCH-DA-USP, 1997.

11 Ver a propósito: João Quartim de Moraes e Marcos Del Roio, orgs., História do Marxismo no Brasil: Visões do Brasil. Campinas, Unicamp, 2000; e C. Morrison, J. Barrandon, Or du Brésil: monnaie et croissance en France au XVIIIe siècle. Paris, CNRS Éditions, 1999. Para a esperteza da mineração, ver Paulo Cavalcante de Oliveira Jr., Negócios de Trapaça: Caminhos e Descaminhos na América Portuguesa (1700 – 1750). Tese de Doutorado. São
Paulo, DH-FFLCH-USP, 2002.

12 Ver: Carlos Prieto. A Mineração e o Novo Mundo. São Paulo, Cultrix, 1976; Paul Mantoux. A revolucao industrial no seculo XVIIi: estudo sobre os primordios da grande industria moderna na inglaterra, Sao Paulo, Hucitec/unesp, 19-, Phyllis Deane. The state and the economic system :an introduction to the history of political economy, Oxford [England] New York : Oxford University Press, 1989; Revolucao industrial. Rio de Janeiro, Zahar, 1973; Roberto
Martins. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. In: História e Perspectivas, Uberlândia, julho/dezembro de 1994, no. 11; Jorge Siqueira. Contribuição ao estudo da transição do escravismo colonial para o capitalismo urbano-industrial no Rio de Janeiro: A Companhia Luz Stearica (1854-1898). Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, 1984.

13 Ver Karl Marx, El Capital. México, FCE, 1956. 3 volumes. Jacob Gorender. O escravismo Colonial, São Paulo, Editora Atica, 1988; e Robert Davis. Capital, State, and White Labour in South Africa, 1900-1960. Atlantic Highlands, N.J., 1979..

14 Ver Oskar Lange. La Reprodución Ampliada, Fundo de Cultura Economica, México; Teoria de la Reprodución y de Acumulación, Barcelona, Ariel, 1970. Arghiri Emmanuel. Le profit et les crises: une approche nouvelle des contradictions du capitalisme, Paris, F. Maspero, 1974.

15 Veja: Delso Renault. Indústria, escravidão, sociedade: uma pesquisa historiográfica do Rio de Janeiro no século XIX, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976; Mafalda P. Zemella. O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Séc. XVIII, São Paulo, 1951; Celso Furtado. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Fundo de Cultura, 1959.

16 Veja: Arghiri Emmanuel, A troca desigual, B.E.C., Ed. Estampa, 2 vols. Lisboa, 1976; Marina Bianchi, A Teoria do Valor, Lisboa, Edições 70, 1981.

17 Veja, a propósito: José Jobson de A. Arruda. O Brasil no comércio colonial, 1796-1808: contribuição ao estudo quantitativo da economia colonial, São Paulo: Hucitec, 1982; Brasil Gerson. A escravidão no Império, Rio de Janeiro, Pallas, 1975: e Leslie Bethell. A Abolição do Tráfico de Escravos no Brasil: A Grã Bretanha, o Brasil e a Questão do Tráfico de Escravos: 1807-1867. Trad. Vera Neves Pedroso.

18 Veja: Clóvis Moura. O Negro no Mercado de Trabalho, São Paulo, Conselho de Participação e desenvolvimento da Comunidade Negra, Estado de São Paulo, 1988; Décio Freitas. O Escravismo Brasileiro, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1982; e Ciro Flamarion Cardoso (org). Escravidão e Abolição no Brasil: novas perspectivas, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

19 Veja: Francisco Foot. História da Indústria e do Trabalho no Brasil, São Paulo, Global Ed., 1982; Trem Fantasma: a modernidade na selva, São Paulo, Cia. das Letras, 1991 e Edgar Carone. União e Estado na Vida Política da Primeira República, São Paulo, 1971.

20 Veja: Clóvis Moura. O Negro, de Bom Escravo a Mau Cidadão? Rio de Janeiro, Conquista, 1977 e Roberto C. Simonsen. Evolução Industrial do Brasil e outros Estudos, São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1973.

21 Ver: Francisco Foot. Nem Pátria, nem Patrão! São Paulo, Brasiliense, 1984, Lúcio Kowarick. Trabalho e Vadiagem: A origem do Trabalho Livre no Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1987; e Valentin Lazzarotto. Pobres construtores de riqueza: Absorção da Mão-de-Obra e expansão industrial na metalúrgica Abramo Eberle, 1905- 1970, Caxias do Sul, 1981.

22 Célia Maria Marinho de Azevedo. Onda Negra, Medo Branco: O Negro no Imaginário das Elites séc. XIX, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

23 Agostinho Marques Perdigão Malheiros. Apud A Escravidão no Brasil, Ensaio Histórico-Jurídico-Social, tomo II, Edições Cultura, 1944, pp. 200-201, (1a. edição de 1867).

24 Veja: Caio Prado Jr., História Econômica do Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1981, Humberto Bastos. Desenvolvimento ou Escravidão, São Paulo, Livraria Martins Fontes, 2a Ed., 1964; e V.I. Lenin. Sobre El Problema de Los Mercados, Espanha, Siglo Veintiuno Ed., 1974.

25. Veja Karl Marx, El Capital. op. cit.

26 Ver: Tom Kemp. Modelos Historicos de Industrialización. Barcelona, 1981 e Celso Furtado. Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina. Rio de Janeiro. Ed. Civ. Bras. 1967.

27 Veja: Flávio Versiani J. R. Mendonça de Barros (orgs.). Formação Econômica do Brasil. A Experiência da Industrialização. ANPEC. São Paulo, Ed. Saraiva, 1978.

28 Veja: Raymond Goldsmith. Brasil 1850-1984: desenvolvimento financeiro sob um século de inflação, São Paulo, Harper & Row do Brasil, 1986; e Christian Palloix. A economia Mundial de Iniciativa Privada, 2 vols., Portugal, Ed. Estampa, 1974.

29 Veja: Márcia N. Kuniochi. A Prática Financeira do Barão de Mauá. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FFLCH- USP, 1975; Crédito, Negócios e Acumulação. Rio de Janeiro: 1844-1857. Tese de Doutorado. São Paulo, DH- FFLCH-USP, 2001 e Mauro Brandão Lopes. Cambial em Moeda Estrangeira. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1978.

30 Ver: Wilson do Nascimento Barbosa. A Crisálida: 1850-1888. Tese de Livre Docência. São Paulo, DH-FFLCH-SP, 2 vols. 1994.

31 Ver: Décio Freitas. Escravos e senhores de escravos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983; e Brasil Gerson. A Escravidão…, Op. cit.

32 Ver: Florestan Fernandes. A integração do negro na sociedade de classes, São Paulo, 2 vols. 3a ed. Editora Ática, 1978; Maria Sylvia de Carvalho Franco. Homens Livres na Ordem Escravocrata, São Paulo, Ática, 1974; Alba Maria Figueiredo Morandini. O Trabalhador Migrante Nacional em São Paulo, 1920-1923, Dissertação de Mestrado, São Paulo, PUC-SP, 1978; e José de Souza Martins. O Cativeiro da Terra. São Paulo, Hucitec, 1986.

33 Ver: Bóris Fausto. Trabalho Urbano e Conflito Social, 1890-1920, Rio de Janeiro, Difel, 1977 e Relatórios do Banco do Brasil: 1910 a 1930.

34 Ver: Anuário Estatístico do Brasil – (IBGE) – (década 1940); Directoria Geral de Estatística (DGE) – Synopse do Recenseamento de 31 de dezembro de 1890. Rio de Janeiro, 1931 e Directoria Geral de Estatística (DGE) – Recenseamento do Brasil realizado em 1o de setembro de 1920, 5 vols., Rio de Janeiro, 1922 a 1926.

35 Ver: Henrique Duque-Estrada de Macedo Soares. A Guerra de Canudos, 3a Ed., Rio de Janeiro, I. N. do Livro, 1885 e Rui Facó Cangaceiros e fanáticos: gênese e lutas, Rio de Janeiro, Bertrand, 1988; e Brasil século XX, Rio de Janeiro, Vitória, 1960.

36 Veja: Petrônio José Domingues. Uma História não contada: negro, racismo e trabalho no pós-abolição em São Paulo (1889-1930). São Paulo, DH-FFLCH – USP, 2000.

37 Ver: Maria da Conceição Tavares. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 8a Ed., 1978 e Celso Furtado. A Nova Dependência: Dívida Externa e Monetarismo. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 2a Ed., 1982.

38 Ver: Edmar Bacha e Herbert Klein (orgs.). A Transição Incompleta: Brasil desde 1945, 2 vols., Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1986 e Marcos Cordeiro Pires. Dependência de Importações e Crise da Mundialização: Crescimento e Flutuações na Economia Brasileira (1980-2000). Tese de Doutorado. São Paulo, DH-FFLCH-USP, 2002.

39 Ver: Nilson José Dalledone. A gênese do Mercosul: antecedentes e desdobramentos. Tese de Doutorado. São Paulo, DH – FFLCH – USP, 2001 e Reinaldo Gonçalves. Estudo da competitividade da industria brasileira: estratégias dos oligopólios mundiais nos anos 90 e oportunidades do Brasil; nota técnica temática do bloco condicionantes internacionais da competitividade, Campinas: Mct/finep/padct, 1993.

40 Jacques Adda. Globalización de la Economia. Madrid, Seguitur, 1999; Samir Amin. El Capitalismo en la Globalización. Barcelona, Paidós, 1999 e O Eurocentrismo: Crítica de uma Ideologia. Lisboa, 1999.

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