Palmares: a Comuna Negra do Brasil escravista.

Mário Maestri

No início do século 17, os colonos da capitania de Pernambuco viviam no litoral, em engenhos, fazenda e povoações. No interior, no sul da capitania, encontrava-se uma região agreste, fértil, de clima ameno, de difícil acesso – os Palmares. Com elevadas serras e densas matas, por décadas, ela acoutou pequenos quilombos, como tantas outras paragens agrestes do Brasil escravista.  Pelos anos 1610, os Palmares já eram conhecidos entre a escravaria da região como seguro refúgio.

          No início, os quilombos palmarinos não se diferenciaram das concentrações de cativos fugidos existentes em outros pontos da Colônia.  Como veremos, apenas  a partir dos anos 1630, essas regiões começam a regurgitar de cativos fugidos.

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Sabemos pouco sobre a organização interna das comunidades quilombolas. É crível que, em Palmares, como em outros grandes mocambos agrícolas do Brasil, dominassem formas de produção doméstica. As proximidades entre a organização palmarina e comunidades aldeãs africanas deviam-se sobretudo ao semelhante desenvolvimento das forças produtivas materiais. 

As técnicas produtivas eram rudimentares. Imperaria a divisão sexual do trabalho, ainda que as mulheres fossem raras nos quilombos. Os mocambeiros viviam da agricultura, da caça, da pesca, da coleta. Técnicas artesanais africanas eram adaptadas às matérias-primas da região  – metalurgia do ferro; cerâmica; cestaria; etc. 

Os quilombos das colônias luso-brasileiras não conheciam uma economia de abundância. Não procede as visões românticas e a-históricas de um éden palmarino. Porém, em liberdade, os palmarinos viviam, como produtores independentes, condições gerais de existência superiores às possíveis nas plantações e engenhos escravistas. Nos anos 1670-1690, quando a pressão militar escravista aumentou fortemente, palmarinos desciam para o litoral e se entregavam aos seus senhores.

          A documentação escrita sugere que os maiores quilombos palmarinos possuiriam, quando muito, uns seiscentos habitantes.  Eles tinham cabanas africanas, até três ruas e eram cercados por duas paliçadas e fossos – esse estilo de fortificação talvez tenha sido tomado, ao menos em parte, das comunidades tupi-guaranis.  No centro das aldeias, ficavam as instalações comunitárias – o concelho, o mercado, as tendas dos ferreiros, a cisterna; nas proximidades, as plantações.  

Temos igualmente referências a aldeias em que as “habitações” “estavam dispersas pelo meio de espaços de terrenos cultivados e cortados por diversos regatos”.   Esta última forma de aldeia seria dificilmente protegida de ataques, devido à sua extensão, em relação ao número de seus moradores.  Não temos informações que sugiram que houve uma evolução, no relativo aos mocambos palmarinos, à medida que crescia a pressão militar sobre eles.

Levantamentos arqueológicos fornecerão uma informação mais segura sobre a organização e a evolução da economia material palmarina. Entretanto, as campanhas arqueológicas realizadas na região, em 1988, em 1992 e 1993, contaram com poucos recurso e foram, portanto, relativamente superficiais. Segundo parece, os sítios arqueológicos identificados referem-se sobretudo a comunidades indígenas.

Era grande a heterogeneidade étnica e cultural. Os angolanos eram abundantes; os iorubas, muito raros, já que eles começaram a chegar, ao Brasil, em grande número, apenas em fins do século 18.  Os palmarinos falariam uma mescla de português e de idiomas africanos e praticariam credos sincréticos afro-católicos. Devido à composição étnica palmarina, dificilmente seus habitantes praticariam cultos iorubas. Como na África, os feiticeiros eram perseguidos.

           As economias dos quilombos não eram complementares. As aldeias produziriam, todas, os mesmos produtos. Segundo parece, nos primeiros tempos, as aldeias viviam independentemente. Nesse sentido, a documentação histórica sugere que, inicialmente, não houve centralização política entre as comunidades quilombolas. Segundo parece, os quilombos formariam-se com a associação de produtores independentes. 

A elevada autonomia de seus membros e dos quilombos seria uma explicação para a dificuldade dos quilombos imporem uma resistência sistemática e organizada,  na defesa de cada quilombo, e do território quilombola, quando os quilombos se federaram.  Seriam muito precárias a comunicação – caso existisse – entre os quilombos mais distantes.

Ao contrário, eram comuns os contatos entre os quilombos e as vilas luso-pernambucanas do litoral. Os mocambeiros fundavam as aldeias a uma distância das aglomerações que não comprometesse a liberdade conquistada nem as trocas com os lusobrasileiros. Como no resto do Brasil colonial, os quilombolas forneciam gêneros alimentícios, caça, produtos da floresta, etc.  aos colonos e obtinham, em troca, armas, pólvora, ferro, tecidos, etc. 

O comércio entre os colonos e os mocambeiros era ilegal, o que aumentava o caráter desigual das trocas entre a sociedade escravista e as comunidades quilombolas. Colonos chegaram a pagar os palmarinos para estabelecerem currais de gado nas terras por eles dominadas. Eles foram apontados, na documentação da época, como “colonos dos negros”.

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Desde fins do século 16, os cativos aquilombados nos Palmares causavam problemas aos escravistas. A primeira grande expedição contra eles foi organizada  pelo governador-geral do Brasil, em 1602. Após meses na região, ela  voltou afirmando ter destruído os quilombos. Nos anos seguintes, outras bandeiras teriam penetrado os sertões.  Os palmarinos internavam-se nas matas, esperando que os escravistas abandonassem a região. Tratavam-se de simples operações de captura e repressão a trabalhadores escravizados escapados.

           Com a invasão holandesa (1630) e a longa guerra pelo controle do rico centro açucareiro luso-americano, os quilombos acolheram milhares de fujões.  Segundo parece, por quatorze anos, no mínimo, os palmarinos viveram sem serem incomodados. 

Em janeiro de 1644, quando os batavos dominavam incontestes o Brasil Holandês,  organizou-se uma forte expedição contra os mocambos palmarinos. Ela constituía uma resposta aos ataques aos engenhos da região. Após diversos meses,  a coluna regressou com alguns prisioneiros, dizendo ter destruído uma grande aldeia.  No ano seguinte, uma outra expedição foi organizada, com os mesmos parcos resultados.

           Em 1640, a guerra de Portugal contra a Espanha levou a um armistício com a Holanda que reconhecia, nos fatos, o Brasil holandês. Em 1645, a ruptura dos escravizadores pernambucanos com os batavos ensejou uma violenta e longa guerra de “libertação nacional” no nordeste colonial.

Nesses anos, a fuga de cativos para Palmares só não foi maior porque os senhores de engenho libertaram, em grande número, os cativos que se arrolaram nas milícias pernambucanas. É difícil saber até que ponto o arrolamento de cativos nas tropas pernambucanas não foi igualmente uma medida consciente para neutralizar as fugas dos trabalhadores escravizados para Palmares. Por mais dez anos, os quilombolas viveriam semi-esquecidos pelos holandeses e luso-pernambucanos.

O certo é que, em  1654, quando, finalmente, os holandeses abandonaram Recife, as plantações estavam semidespovoadas e os Palmares regurgitavam de quilombolas. Fora às duas expedições holandesas, os palmarinos viveram, desde a chegada dos holandeses, em 1630, um quarto de século praticamente sem serem incomodados, pelas forças escravistas.

  A expulsão dos holandeses assinalava o fim da `idade de ouro` da produção açucareira pernambucana e da paz para os palmarinos. A guerra destruíra engenhos e facilitara a fuga das escravarias. Com os holandeses, partiram os cristãos novos de judeus luso-brasileiros com seus cativos e capitais. Eles estabeleceram-se nas Antilhas, contribuindo para o fim do quase-monopólio açucareiro brasileiro. A nova concorrência e os baixos preços internacionais do açúcar dificultavam a importação de cativos africanos. 

Empobrecidos, os colonos voltaram os olhos para os Palmares. A sua destruição pacificaria a capitania e repovoaria os engenhos. A guerra palmarina ocuparia os negros, brasis e brancos pobres que tinham lutado contra os holandeses e não recebiam as recompensas prometidas. 

           Em fins de 1654, partiu contra os Palmares uma expedição organizada pelo governador de Pernambuco, de poucos frutos. Nos anos seguintes, outras colunas continuaram atacando Palmares. Eram poucos – para as necessidades da produção – os palmarinos presos durante essas expedições. 

Sem alternativas, os plantadores reiniciaram a custosa importação de africanos. Entre os colonos e os palmarinos, teria se estabelecido  uma espécie de paz armada. O empobrecimento da região dificultava igualmente a organização de grandes expedições militares. Em  1667, os palmarinos teriam começado a desferir ataques seguidos contra o litoral.

Em 1672, a administração de Pernambuco organizou uma forte expedição militar. Dividida em três colunas, ela convergiria, de pontos distintos, sobre os Palmares, onde fundaria uma fortificação permanente.  Duas colunas foram desbaratadas pelos quilombolas que também tripartiram suas forças. Foi a primeira vitória inquestionável dos palmarinos. Um palmarino portando o título de Zumbi capitaneava os exércitos negros. 

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O  militar defensivo teria ensejado a união dos quilombos em uma confederação. Nascia um rudimentar Estado negro – formado pela reunião voluntária de produtores livres  no coração da colônia escravista. O chefe máximo da confederação portava o título de ganga zumba. Laços familiares simbólicos faziam dos outros chefes quilombolas parentes de Ganga-Zumba. Assim, Aqualtune, senhora de um quilombo, seria “mãe do rei”, “Gana-Zona”, “irmão do rei”, “Zumbi”, seu “sobrinho”.

Dados da época estimavam em forma exagerada que de 10 e 30 mil palmarinos viveriam na região. Mesmo que os palmarinos não superassem, entretanto, os seis mil habitantes,  tratava-se de uma população considerável, para os tempos coloniais. Não sabemos se a Confederação dos quilombos de Palmares abarcou toda a população palmarina. Ignoramos a real autoridade de Ganga-Zumba sobre os outros mocambos. Possivelmente, ela seria escassa. 

A confederação dos quilombos dos Palmares seria uma formação tributária, nascida da necessidade de resistir à sanha escravista. As comunidades dos diversos quilombos aceitariam a autoridade superior de um chefe – talvez o senhor do maior quilombo. Esta rudimentar organização estatal não modificaria o caráter aldeão e doméstico dos quilombos. Segundo parece, muitos  quilombos tomariam os nomes de seus chefes.

Os territórios controlados pelos palmarinos corresponderiam a uma faixa territorial de uns 150 quilômetros de comprimento, por 50 de largura, entre os rios Ipojuca e Paraíba, no interior dos atuais territórios pernambucanos e alagoanos. Ivan Alves Filhos, em Memorial dos Palmares, estima a área controlada pelos palmarinos em 27 mil quilômetros.  

Os territórios dominados pelos palmarinos foram se restringindo, à medida que os ataques dos escravistas tornavam-se mais freqüentes e mais contundentes.

Havia uma contradição essencial entre Palmares e a sociedade escravista. Qualquer expansão vegetativa dos quilombos, exigia uma correspondente expansão territorial das fronteiras territoriais da confederação. A agricultura e a pecuária coloniais necessitavam, igualmente, de quantidades crescentes de terras.  

Segundo Edison Carneiro, até 1677, os holandeses e luso-pernambucanos atacavam Palmares sobretudo para responder às razias dos quilombolas e para capturar cativos fugidos. A partir desse ano, passou-se a almejar igualmente a posse dos territórios palmarinos, tidos como os mais férteis da região.

A contradição entre Palmares e a sociedade escravista era sobretudo política. Palmares acoutava os cativos fugidos da escravidão. Nos seus mocambos, viviam igualmente índios, negros forros e até mesmo alguns brancos pobres – criminosos, desertores, etc.  Segundo parece, em determinados momentos,  Palmares exerceu uma forte atração sobre os libertos e negros livres da capitania de Pernambuco.  A existência de Palmares determinava igualmente as relações entre os senhores e seus trabalhadores mantidos no jugo da escravidão.

Os quilombolas assaltavam currais e engenhos para capturar mulheres e arregimentar – pelo convencimento ou pela força – cativos para os quilombos. Ainda que jamais se tenha articulado um projeto geral de extensão dos territórios quilombolas ou se concretizado um esboço de pacto social efetivo entre os trabalhadores escravizados e os palmarinos, o perigo de subversão social que os quilombos de Palmares constituíam determinou sempre o comportamento das classes senhoriais

Preocupava sobretudo os colonos que a massa de trabalhadores escravizados e os deserdados coloniais possuíssem um refúgio seguro e uma liderança capaz de capitanear uma sublevação geral, ainda que localizadas.  Palmares constituía uma alternativa libertária regional à organização social escravista daquela região do Nordeste, ainda que conhecesse níveis de produtividade significativamente inferiores a ela.  Benjamin Péret lembrou, com razão, a impossibilidade material da confederação palmarina de se sobrepor a ordem escravista colonial luso-brasileira.

Edison Carneiro, em O quilombo dos Palmares, registra um mínimo de 35 expedições contra o Estado Negro, até o derradeiro combate, em 1694. Décio Freitas, em Palmares : a guerra dos escravos, assinala mais de quarenta expedições.  Ivan Alves Filho, em Memorial dos Palmares, refere-se a sessenta e seis expedições. A documentação histórica certamente nos revelará outras campanhas, pequenas ou grandes. A sanha contra Palmares registrava a incapacidade dos escravistas de coexistirem com uma organização de produtores livres e a coesão interna das comunidades palmarinas.

A  destruição da confederação palmarina angustiava os escravistas. Eles abandonaram pruridos senhoriais e, diversas vezes, negociaram, com os chefes quilombolas, soluções políticas. Administração e colonos dividiam-se em torno da alternativa: combater à morte os rebelados ou oferecer a liberdade àqueles que abandonassem os territórios palmarinos.  A anistia prometida aos palmarinos nascidos na região procurava pôr fim à própria raiz da fortaleza de Palmares – o acolhimento dos trabalhadores escravizados.

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Um melhor conhecimento das regiões, a mobilização de maiores forças e talvez divergências internas à confederação palmarina, desequilibraram a guerra em favor dos colonos. Já em 1671, o governador de Pernambuco escrevia a Portugal relatando que a principal dificuldade em reprimir os mocambos palmarinos devia-se à  “falta de caminhos” até aquelas regiões e que, por isso, mandara “abrir caminhos para os ditos Palmares”. Logo, esses “caminhos”  puderam ser trilhados por homens e animais, de corte e de transporte.

Em setembro de 1675, partiu para as regiões de Palmares uma forte expedição, comandada por Manoel Lopes. Em dezembro, ela destruiria uma grande aldeia fortificada, após mais de duas horas e meia de luta. Um arraial foi mantido, por cinco meses, na região. Devido à pressão sobre os palmarinos, mais de cem cativos teriam voltados para seus senhores.  Em ataque a outro quilombo, Zumbi teria sido baleado em uma perna, ficando manco, em consequência do ferimento.

Dois anos depois, em setembro de 1677, nova expedição foi organizada, sob o comando de Fernão Carrilho, com longa experiência na repressão a “mocambos” e “índios” rebeldes: dessa campanha nasceu o arraial de Bom Jesus e a Cruz, erguido no coração dos territórios palmarinos.  A tropa contava com 185 homens, entre “brancos” e “índios”. 

Durante alguns meses, os homens de Carrilho destruíram quilombos e perseguiram palmarinos.  Entre as dezenas de palmarinos aprisionados encontravam-se mulheres, filhos e netos de Ganga-Zumba.  Em janeiro de 1678, Carrilho retornava para Porto Calvo.  Apenas um dos seus homens morrera nos combates.

A facilidade com que as escassas tropas de Carrilho raziaram a região sugere a escassa coordenação da resistência entre os diversos quilombos  e, possivelmente, a distância em que eles se encontravam, uns dos outros. Ou que os mocambeiros já estivessem divididos – no relativo ao comportamento a manterem diante dos portugueses.

Como vimos, desde inícios dos anos 1670, as autoridades luso-pernambucanas determinavam a abertura de caminhos em direção aos territórios palmarinos. No final da década, as tropas repressivas conseguiam chegar, sem maiores dificuldades, com homens e apetrechos, às fronteiras  dos territórios dominados pelos quilombolas.  

Nesta época, certamente se restringira, e muito, os territórios palmarinos. Para Edison Carneiro, em 1675, ele se reduziria a “sessenta léguas em redondo”. Ou seja, uma circunferência de vinte quilômetros de diâmetro.

Consciente dos fortes golpes assentados aos palmarinos e que a vitória total encontrava-se ainda longe, a administração colonial ofereceu a anistia e a liberdade aos que abandonassem as armas. Propostas de anistia haviam sido feitas em ocasiões anteriores.  Em 18 de junho, chegaram a Recife, acompanhado de um alferes, três filhos de Ganga-Zumba e outros palmarinos para acertarem a rendição.

Em novembro de 1678, GangaZumba – nomeado “mestre de campo” – aceitou, pessoalmente, em Recife, a anistia oferecida aos nascidos em Palmares e se ofereceu para entregar os cativos refugiados nos Palmares. Os escravistas rompiam, finalmente, a unidade dos quilombolas. Ganga-Zumba e apenas algumas centenas de seguidores – de 300 a 400 – desceram das alturas dos Palmares e se estabeleceram nos baixios de Cucaú, a 32 quilômetros de Serinhaém. A defecção ameaçava fortemente Palmares, já que a localização exata dos quilombos ficava revelada.

Segundo Edison Carneiro, a partir de 1677, os colonos almejavam a destruição de Palmares, a recuperação de seus cativos e apoderarem-se das férteis terras palmarinas. Com a rendição de Ganga Zumba, 192 léguas teriam sido requeridas em sesmarias.

Apenas uma pequena parte dos palmarinos aceitara a rendição. Na vila negra de Cucaú, onde cresciam as divergências, logo explodiu a guerra civil. A rápida dissolução da comunidade liderada por Ganga-Zumba comprovou a certeza da alternativa da resistência. Não havia possibilidade de convivência entre a produção escravista e uma sociedade de produtores livres.

Dois anos após a rendição, Ganga Zumba faleceu, segundo parece envenenado, e seu comunidade dissolveu-se ingloriamente, após ser atacada por uma expedição militar luso-pernambucana.  A vila transformara-se em um quilombo.

           Em 1680, uma expedição foi lançada contra os palmarinos: ela constituiu uma espécie de “caçada ao negro”.  Segundo parece, foi forte o golpe sofrido pelos palmarinos com a defecção de Ganga-Zumba e seus homens. Entretanto, sob o comando de Zumbi, a maioria dos palmarinos que se negara a aceitar uma anistia que excluía os cativos fugidos, organizaram a resistência. 

Sob uma férrea direção militar, os palmarinos  tentavam organizar suas forças. Em 1681, teriam lançado um ataque às regiões próximas de Alagoas. Em verdade, restabelecia-se o impasse.  As dificuldades da guerra e a pobreza em que vivia mergulhada a economia escravista da região  levam as autoridades lusitanas a oferecerem, inutilmente, a anistia a Zumbi, desde que concordasse com a reescravização dos cativos refugiados em Palmares. 

Segundo parece, por falta de meios para combater os palmarinos – ou por outras razões ainda não elucidadas – discutia-se a possibilidade de aceitar a paz pedida pelos palmarinos. Entretanto, o Conselho Ultramarino, em Portugal,  decidira-se pela guerra sem quartel. Em janeiro de 1686, Carrilho – que se encontrava preso por ter “condescendido pazes com os negros” –  fazia sua última entrada contra Palmares.

  Em meados dos anos 1680, o temido preador de índios, Domingos Jorge Velho, que se encontrava estabelecido, com sua gente, havia muitos anos, nos sertões do Piauí,  foi chamado para combater os palmarinos, sob a promessa de grandes recompensas, acordadas em março de 1687, em Olinda, e ratificadas em 1691.  

Em 1688, após longa marcha pelos sertões,  quando a coluna capitaneada pelo paulista encontrava-se próxima a Palmares, o governador-geral do Brasil ordenou que se dirigisse para o distante Rio Grande do Norte, para auxiliarem as tropas coloniais que combatiam a importante sublevação dos nativos janduins e aliados, confederados  contra os colonos.  

A principal razão da grande revolta de 1686-94, das 22 aldeias janduins e de seus aliados – os 14 mil brasis que fala a documentação é possivelmente um exagero -, de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte era a defesa da liberdade  e das terras  dos nativos cobiçadas e atacadas pelos luso-brasileiros.  

Segundo parece, essa guerra dos janduins e uma terrível epidemia que se abateu, a partir de 1686, sobre Pernambuco, teriam determinado que os colonos diminuíssem a pressão sobre os palmarinos.  Foi da epidemia do “mal do bicho” que teria morrido o padre Antônio Vieira.

Finalmente, de volta à capitania de Pernambuco,  o paulista e seus homens chegaram aos Palmares, em  dezembro de 1692, onde receberam reforços enviados do litoral.  Uma cerca, fortemente defendida por Zumbi e seus palmarinos  mostrou-se inexpugnável, naquele momento. 

Sebastião da Rocha Pita, coevo aos acontecimentos, afirma que, desprevenidos, os paulistas foram surpreendidos por um forte “esquadrão” palmarino que, saído das fortificações, atacou a tropa sitiante, impondo-lhe grande número de baixas. Sem outras alternativa, derrotados, os escravizadores foram obrigados a retomar o caminho para o litoral, onde estacionaram por dez meses.

Finalmente, em 1694, as tropas dos paulistas partiram novamente para os Palmares, onde teriam arribado,  em dezembro. Mais tarde, chegaram reforços enviados pelas autoridades da capitania.  As fontes são divergentes sobre a magnitude do esforço militar, já que assinalam de três a nove mil combatentes.  O último número é definitivamente  exagerado.  

O governador de Pernambuco, Caetano de Melo de Castro, após os combates, registrou que o exército constava “de perto de 3 mil homens”, no total.  Isto é, combatentes, auxiliares, carregadores,  cativos, etc. que teriam participado de algum modo da expedição.   Dificilmente as tropas palmarinas ultrapassariam os mil homens. 

Apesar de haverem abandonado o antigo reduto, os palmarinos optavam novamente por uma desesperada resistência estática. O quilombo de Macaco – na serra do Barriga -,  encontrava-se cercado pela imponente paliçada tríplice de madeira, reforçadas com pedra, de seis mil metros, em “circuito”.  As defesas teriam torres e baluartes, inexistentes quando do ataque do ano anterior. Os três portões do reduto possuíam “plataformas em cima”.

A expedição escravizadora partira do litoral carregada de munições e alimentos. O cerco da cidadela deflagrou os combates. Após semanas de assédio, eram enviados do litoral seis potentes canhões. A artilharia luso-pernambucana assinalava o desproporcional  nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais da formação escravista, no contexto de relações sociais de produção desumanizadoras, em relação aos palmarinos. Eram armas contra as quais as paliçadas palmarinas teriam que se vergar, inevitavelmente. Para  tornar efetivo o cerco do grande quilombo, uma contra-cerça começou a ser construída.

As tropas luso-pernambucanas constituíam uma avançada do império colonial português, peça significativa da divisão internacional do trabalho da época, nas matas palmarinas.  A confederação dos quilombos dos Palmares era uma rudimentar formação de homens e mulheres livres que conseguia se inserir, tenuemente, na divisão internacional do trabalho da época, apenas devido às suas relações informais com o Estado escravista. Em verdade, apenas a destruição da formação escravista – como no Haiti – podia abrir caminho para a estabilização de comunidades de produtores livres na região. O que, naquela época e situação histórica, era materialmente impossível.

Após 22 dias de cerco, quando faltava pólvora e alimentos no reduto, Zumbi comandou uma tentativa de abandono parcial das fortificações, na noite de 5 para 6 de fevereiro de 1694. Descobertos, os palmarinos foram obrigados a combater de costas para um precipício, por onde rolaram talvez duzentos guerreiros. O quilombo foi devassado pela manhã e o combate transformou-se em um massacre. Duzentos palmarinos teriam sido mortos e a expedição teria voltado dos Palmares com quinhentos prisioneiros. 

A destruição do quilombo do Macaco não assinalou o fim da guerra palmarina. Outros quilombos – Pedro Capacaça, Kiloange, Catingas, Una, Engana-Colomim, etc. – foram localizados e atacados, nas semanas e nos meses seguintes, sem maiores dificuldades. Ferido em combate, Zumbi conseguira escapar e, muito logo, assumiu o comando de um coluna palmarina que se defrontou, várias vezes, com os escravistas.  

Em setembro de 1695, caiu preso o quilombola Antônio Soares, mulato, lugar-tenente de Zumbi. Possivelmente torturado,  aceita entregar o comandante negro, em troca da vida e liberdade. No dia 20 de novembro de 1695, Zumbi dos Palmares, defendido na ocasião por apenas seis homens, dos vinte homens que o acompanhavam,  foi morto, à traição, no seu refúgio, na serra Dois Irmãos, após renhido combate.  Dos sete combatentes, apenas um foi capturado vivo.

Zumbi teve seu sexo arrancado e enfiado à boca, sua cabeça foi decepada e enviada a Recife, onde foi exposta, até apodrecer, espetada em um chuço, para público exemplo e para “atemorizar os negros que supersticiosamente” o  julgavam” “imortal”. Nessas regiões, entre os cativos, corria a voz que Zumbi escapara e voltaria ao combate. Em verdade, ele jamais desertou a memória dos oprimidos do Brasil colonial, imperial e republicano, como exemplo de luta sem contemplação pela liberdade.

Introdução do texto PUBLICADO em “Zumbi 300 anos: Palmares – a comuna negra no Brasil escravista”. PRAXIS, Belo Horizonte, Minas Gerais,  Out.-dez. 1995, n.° 5, p. 33-44; “Palmares: a comuna negra do Brasil escravista”. Centro de Estudos Marxistas-RS. Luz e sombras : ensaios de interpretação marxista. Porto Alegre: EdUFRGS, 1997. pp. 219-236. Foi realizada apenas uma revisão textual.

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