Pixinguinha e o Jazz

Por Roberto Rutigliano

Poucos sabem que Alfredo da Rocha Viana Filho, conhecido como Pixinguinha, um artista identificado com o Choro, incorporou na sua musicalidade elementos do Jazz. Ele acrescentou na formação do seu grupo instrumentos típicos da formação do Jazz, como o saxofone e a bateria, também incorporou o fraseado (a articulação) do Jazz em algumas das suas interpretações, assim como compôs músicas dentro de estilos como o Foxtrote.

Pixinguinha era mesmo um artista que representava exatamente o ideal “modernista” da época, isto é, ele era um artista popular – não acadêmico – que, ao mesmo tempo, andava na busca de rupturas e na incorporação de novos elementos que pudessem expandir sua criatividade. O encontro de Pixinguinha com o Jazz seria a síntese dessa fusão entre o regional e o universal.

RIO DE JANEIRO COMEÇO DO SÉCULO XX.

Pixinguinha com os Oito Batutas se apresentaram na Sala de espera do “Cinema Palais” de maio a setembro de 1919, espaço chique da cidade. Viajaram para São Paulo e Minas Gerais, depois para Bahia e Pernambuco (nos conta Izomar Lacerda no seu estudo do grupo).

No Rio de Janeiro, nos anos 20, já existiam as agrupações de Jazz como a “Jazz Band Sul Americano” de Romeu Silva, já era popularizado instrumentos como o saxofone e a bateria. Porém, os estilos mais tocados pelos Oito Batutas eram: a Valsa, o Maxixe, o Samba, o Schottisch, a Polca, o Tango Brasileiro, o Lundu, o Batuque, o Cateretê, a Embolada, o Côco, a Toada Sertaneja e o Choro. Os instrumentos mais usados eram: o cavaquinho, o violão, o pandeiro, a flauta e o reco-reco.

Podemos mencionar como algo positivo que o repertório dos “Oito Batutas” era eclético, refletia uma integração entre estilos como a Valsa e o Choro, que eram considerados da “cultura aristocrática”, junto do Batuque e do Cateretê que faziam parte da chamada “cultura baixa”.

Existia uma crítica negativa de caráter racista contra o grupo e uma positiva que afirmava a estética nacionalista dos Oito Batutas.

A VIAGEM A PARIS.

Em 1922, no meio da semana de Arte Moderna, Pixinguinha e seu grupo “Os oito batutas“ viajam a Paris com patrocínio do mecenas Arnaldo Guinle. Lá encontram um Paris pós-primeira guerra, vivendo uma efervescência cultural interessada pelo jazz e pelos ritmos ancestrais. Os intelectuais estavam interessados no Jazz, na antropologia e nos estudos sobre a África, o que propiciava um ambiente receptivo para movimentos artísticos relacionados com a cultura negra, caso dos Batutas, recebidos com simpatia por simbolizar certo exotismo, em voga na ocasião.

O crítico e historiador Ary Vasconcellos comenta: – Pixinguinha tocou durante os seis meses que ficaram em Paris num “dancing” chamado “Scheherezade”. Na época Paris era a capital cultural do mundo. Muitas bandas de jazz apresentavam-se no mesmo “dancing”, Pixinguinha entrou em contato com o Charleston, o Foxtrote, o Shimmie e o Ragtime. Foi durante a temporada em Paris que Pixinguinha passou a tocar saxofone. Gostou tanto do instrumento que acabou sendo presenteado com um por Arnaldo Guinle, que também enviou para o Brasil uma bateria para J. Tomás, o batuta que na última hora ficou doente e não pôde seguir para Paris com grupo.

O grupo no “Scheherezade” executava músicas como: “Dádiva de Amor”, composta por Donga, em Paris; “Fala Baixo”, de Sinhô; “Gargalhada” e “Les Batutas” ambas de Pixinguinha (esta com letra de Duque) e “Vem vovó”, de Álvaro Sandim.

“Os integrantes dos Oito Batutas falaram da convivência com os músicos de quatro jazz-bands, com os quais chegaram a tocar juntos em Paris” nos conta Sérgio Cabral na sua biografia sobre Pixinguinha.

A INFLUÊNCIA DO JAZZ NAS COMPOSIÇÕES DE PIXINGUINHA.

Alguns jornalistas como Cruz Cordeiro, da “Phono-Arte” (em tom de crítica) acharam que as composições “Lamento” e “Carinhoso” tinham algo de Foxtrote.

Alheio às cobranças de cunho nacionalista, em 1923, Pixinguinha compôs o Foxtrote “Knock-out” que teria sido incorporado no repertório da “Jazz Band” de Gordon Stretton. Da série de composições afins com o Jazz temos ainda a canção “Palhaço” e “One Step”. Escutamos esta última música na qual vemos claramente como Pixinguinha combina perfeitamente o Ragtime e o Choro.

A INFLUÊNCIA DO JAZZ NA INSTRUMENTAÇÃO E NO REPERTÓRIO.

No Rio de Janeiro de 1919, Pixinguinha liderou a criação de os Oito Batutas, cuja formação inicial tinha ele próprio na flauta e Donga (violão), China (violão e canto), Nélson Alves (cavaquinho), Raul Palmieri (violão), Jacob Palmieri (bandola, pandeiro e reco-reco), José (“Zezé”) Alves de Lima (bandolim e ganzá) e Luís de Oliveira (bandola e reco-reco). Esta formação recebia o nome de “regional”.

No artigo de Nilton Antônio Moreira Júnior e Fausto BoréI eles afirmam que: o repertório antes da viagem era basicamente de Samba, Choro e Emboladas. Já na volta de Paris o grupo mudou o repertório e incorporou uma nova instrumentação mudando substancialmente sua sonoridade. Em muitas músicas houve a substituição de instrumentos tipicamente brasileiros como o cavaquinho e o pandeiro – por outros, populares nos Estados Unidos – como o banjo e a bateria. Um programa de concerto de 1923 com a relação das músicas de um show realizado na cidade de Santos. Já após o retorno dos Oito Batutas da França, explicita o caminho híbrido escolhido: no repertório muita Marcha, Foxtrote, Blues e Tango. O grupo, inclusive, começou a levar o nome de “Jazz Band”.

“Além de Pixinguinha na flauta e no sax, Palmieri no bandolim e China no vocal e no violão, os novos Oito Batutas passaram a contar com um pianista (J. Ribas), um trompetista (Bonfiglio de Oliveira), um trombonista (Euclides Galdino), um baterista (Eugênio de Almeida Gomes, o Submarino) e mais um saxofonista (Luís Americano)”.

REFLEXÃO FINAL.

A história da música brasileira é cheia de miscigenação, de fusão, de superposição de culturas, de ritmos e de cores.

O componente africano, o ameríndio, o europeu e o americano se sucederam nessa mistura. Foram-se criando estágios e épocas nas quais se cristalizaram visões estéticas.

Pixinguinha percorreu um caminho entre o nacionalismo e o estrangeirismo. Nas suas escolhas artísticas se sobrepõe e convive de modo inspirador o lado brasileiro e jazzístico de forma de um alimentar a outro.

Assim vemos que se o purismo nacionalista, entendido como uma repetição fixa das formas e das instrumentações mais antigas, é uma forma de preservar a tradição, também existe o caso de artistas como Pixinguinha, que podem incorporar novos elementos sem perder a relação com a memória. Deste modo o artista acaba dando movimento ao percurso, sempre necessariamente dinâmico, que tem que existir para que a arte siga presente.

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