A UTOPIA-JOÃO GILBERTO. NOTA DE SÁBADO

Por Romero Venâncio (UFS)
Acabei de ler aqui um grande livro: “Amoroso: uma biografia de João Gilberto” de Zuza Homem de Mello. Um sentimento do cancioneiro de João Gilberto me invadiu de súbito. As palavras certeiras do Zuza H. de Mello foram na medida para compreendermos o que temos perdido todos esses dias de Brasil em transe e enfiado num labirinto infernal que parece não ter saída desde 2013… ou 2016… Ou 2018… Ou… O buraco para ser mais fundo.


A canção brasileira em letra e melodia sempre esteve perto de uma perspectiva utópica. Do samba a Bossa Nova, chegando ao Rap contemporâneo. Utopia em sentido lhe dado por Ernst Bloch: “Sonhos diurnos” e “Consciência antecipadora” (Ver: “Ernst Bloch: Filosofia da práxis e utopia concreta” de Arno Münster). E João Gilberto é um caso exemplar em tudo que fez com a música brasileira: violão, melodia, escolha de repertório… Nesse baiano extraordinário temos um ponto alto de um país da “delicadeza perdida”. O sublime na música. E por fim, temos: um “Brasil amoroso” (o que lembra o projeto do educador Paulo Freire). Nada mais utópico: João Gilberto & Paulo Freire. Houve um País e seu lugar.
A música que ele interpretava dizia muito de um Brasil com esperança de desenvolvimento. Um país cantado com alegria, dramático em seus amores, popular em sua vivacidade. A sua voz, o seu violão e sua batida particular nos levava sempre a um Brasil imenso. Dava a entender que ele sempre cantava sentimentos de um país imenso, maior do que parecia ser. Nada na voz quase falada de João Gilberto parecia pequeno. Era simples, singelo, mas nunca pequeno.


A predominância do samba tornado Bossa Nova foi a marca moderna de João Gilberto e sua influência em toda uma geração. Esse baiano era um exímio interprete ao lado de um violão único na história do Brasil… Mas que nunca esqueceu seu povo, sua terra… Era cosmopolita sem perder sua raiz… Por tudo isto, a morte de João Gilberto nos toca profundamente (a mim, em particular). Pelo que ele foi na MPB e pelo que disse resumidamente aqui. Mas tem uma coisa que incomoda desde sua morte no ano de 2019 (ou até bem antes): o sentimento que temos de um pais que agoniza sem ter rumo. João Gilberto é esquecido e invisibilizado no momento em que se tornam ícones (podres): Gustavo Lima, Pablo Marçal, as Deolanes… etc… Gente que odeia tudo que cantou João Gilberto. O que essa gente “canta” ou faz propaganda com seus “tigrinhos” é um país marcado pelo ódio, pelo veneno, pela baixaria pequena e sem dimensão de grandeza alguma. Traumatizados com esses dias de fúria sem delicadeza, precisamos voltar a geração de João Gilberto e darmos um rumo nesse presente a um Brasil…


O esquecimento por parte de toda uma geração da voz e do violão de João Gilberto tem que ser um lugar de pensamento. Tem que ser um lugar de memória. Tem que ser um lugar de utopia. A música que cantou João Gilberto deve ser um lugar para investigarmos como chegamos a essa tragédia dos dias de hoje. Do jeito que a coisa vai, nenhuma eleição nos redimirá. Em tempo.

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