Por Leonardo Lima Ribeiro
Das 17 zonas eleitorais em que Fortaleza está dividida, o candidato do PL de Bolsonaro foi o mais votado em 14. O petista levou vantagem em apenas 3 zonas. Evandro foi o mais votado nas zonas eleitorais da região central e a oeste de Fortaleza, enquanto André ganhou em praticamente toda a periferia, nas porções sul, leste de Fortaleza, e também na extremidade oeste, além das zonas que concentram os bairros mais ricos, como Aldeota e Meireles.
No primeiro turno, Fortaleza parece estar caminhando para um cenário ainda mais preocupante. A ideia de que o Nordeste é progressista e de esquerda tem se mostrado uma ilusão. A periferia, em grande parte, apoia André Fernandes (o raspa cú). A noção de que o fascismo é um fenômeno exclusivo da classe média não reflete a realidade; é um pensamento ingênuo ou desonesto. O financiamento da campanha de muitos dos candidatos deste tipo está profundamente ligado ao crime organizado e às milícias.
O mais preocupante é que muitos dos eleitores, inclusive os da periferia, estão cientes dessa conexão. Fortaleza se tornou uma cidade em que o crime se converteu em meio de vida para muitos, e essa realidade impulsionou candidatos com essas características. A periferia, de certa forma, adotou uma mentalidade de reconstrução da cidade sob a lógica do crime, e, diante das dificuldades da vida, muitos parecem ter decidido apostar na catástrofe.
O cenário se agrava com a crescente influência das igrejas neopentecostais, onde a lavagem de dinheiro se tornou uma prática recorrente. Estas igrejas, que têm uma presença significativa na periferia, não apenas oferecem uma fachada de moralidade e redenção, mas também servem como canais para o financiamento ilícito. Os pastores, em muitos casos, têm uma relação próxima com líderes de facções criminosas, o que torna o ambiente ainda mais perturbador. A influência religiosa, atrelada ao crime, cria uma rede de poder e financiamento que fortalece essas candidaturas e a lógica de violência.
Esse quadro é, em parte, resultado de anos de populismo vazio por parte da esquerda, que, ao tentar criar um pacto de decadência capitalista, acabou conduzindo a uma regressão nas relações humanas e à erosão econômica. O preço dessa decadência está sendo pago agora, com a cidade se afundando em um ciclo de autofagia e destruição.
A situação é semelhante ao que acontece nos morros do Rio de Janeiro, onde facções criminosas e pastores controlam vastas áreas, muitas vezes com crianças armadas circulando pelos bairros. É o pior cenário possível, e muito preocupante para o futuro da cidade. A desorientação de classes é enorme, e a lumpenização da periferia fascistizou a cidade, em conjunto com as classes médias reacionárias, presas a uma mentalidade de Guerra Fria.
Por trás dessa ascensão, é importante observar a intervenção imperialista que, ao financiar grupos criminosos e facções locais, atua no sentido de dividir para conquistar. Esse financiamento externo de atividades ilícitas cria fissuras sociais que facilitam o controle sobre os recursos e a estabilidade política da região. A cultura de massas, fortemente influenciada por mecanismos globais, fomenta uma lógica de sadismo, onde o prazer é potencializado pela violência, pela exploração e pela degradação das relações humanas
A espetacularização do sofrimento, promovida pela mídia e pela indústria cultural, serve para anestesiar e manipular a população, facilitando o avanço de agendas autoritárias.
Esse cenário geopolítico é parte de uma estratégia mais ampla de neocolonialismo, que não só impacta as eleições, mas também insere rachaduras profundas no campo das relações sociais, corroendo os alicerces humanistas.
A capilaridade fascista se espalha com mais facilidade quando a lógica do “dividir para conquistar” é aplicada, fragmentando a sociedade em núcleos vulneráveis e manipuláveis. A insalubridade social que emerge dessas dinâmicas se reflete diretamente no comportamento eleitoral e nas relações cotidianas, onde o crime, a religião e a política se entrelaçam de maneira perversa.
Essa fragmentação também reflete a falência de um liberalismo que, na prática, nunca se concretizou no Brasil. A ilusão civilizatória do livre mercado sempre foi uma fachada que escondeu, na verdade, o fomento ao fascismo e à escravidão em lugares onde ele nunca existiu concretamente. A promessa de uma sociedade governada por livre concorrência e desenvolvimento foi substituída pela monopolização capitalista, que estrangulou o povo, deixando-o sem alternativas. Nesse vácuo, as bizarrices religiosas, associadas ao crime como meio de sobrevivência, tornaram-se o único alicerce para muitos.
Cabe lembrar que esse fenômeno expõe a verdadeira extensão da força armada brasileira, cuja dinâmica autoritária sempre precisou de um polo complementar para garantir controle e gerar instabilidade social. As facções criminosas, com o apoio de setores religiosos, servem como ferramentas de desestabilização e manutenção da ordem, agindo como um prolongamento informal da repressão estatal. A capilaridade dessas forças – alimentadas por um neocolonialismo que tem o imperialismo no controle dos recursos – possibilita um ciclo vicioso de violência e degradação, consolidando o fascismo como uma força enraizada em nossa realidade social.
No limite, é essa a verdadeira dinâmica que sustenta o Brasil contemporâneo: um país onde o crime organizado, as milícias, as igrejas neopentecostais, o Estado, a polícia e o exército se entrelaçam para garantir a continuidade de um projeto autoritário, asfixiante e desumanizante. Enquanto isso, a regressão econômica e a erosão das relações humanas prosseguem sob a batuta neocolonial, com a cidade de Fortaleza servindo como um microcosmo das forças globais que moldam o destino do país.
Essa discussão reflete um ponto essencial: a honestidade da análise da crítica da economia política e a importância de evitar oportunismos que distorçam a realidade para atender a interesses imediatos. A defesa de um procedimento analítico mais totalizante deve partir de uma leitura correta da realidade, sem distorções que visem apenas fortalecer agendas momentâneas. Uma interpretação equivocada ou ardilosa do cenário político pode resultar em ações que, em vez de combater eficazmente o fascismo, acabam fortalecendo-o indiretamente, mesmo que o objetivo inicial seja o oposto.
A crítica ao oportunismo político exposta revela que há um risco em simplificar ou omitir aspectos fundamentais da análise para sustentar uma narrativa conveniente. Isso cria ressentimento entre aqueles que percebem essas manipulações, afastando ainda mais os setores populares das causas revolucionárias e das mediações relativas à organização da classe proletária.
Assim, o argumento de que o combate ao fascismo é necessário não é contraposto à necessidade de uma análise honesta — pelo contrário, uma luta eficaz contra o fascismo exige uma leitura fiel e concreta das condições sociais, econômicas e políticas. O risco de manipular a realidade para justificar ações ou discursos ultraparcializados pode gerar desconfiança e afastar as classes oprimidas, contribuindo enormemente para a ascensão de forças reacionárias.
No debate, há uma queixa legítima de que a esquerda, ao se envolver em oportunismos discursivos, se desconecta das massas populares, reforçando o ódio ou a indiferença em relação às suas propostas. Ao tentar censurar uma análise mais profunda e crítica dos fatos, muitos acabam por reproduzir um comportamento dogmático que assemelha-se ao autoritarismo que buscam combater. Ao não promover uma visão plural e crítica dentro de suas próprias fileiras, algumas correntes acabam perpetuando o próprio mal que denunciam.
Ao não reconhecer os próprios erros, não se está apenas isentando de responsabilidade, mas também contribuindo para a perpetuação desses equívocos. Reconhecer falhas é parte fundamental de uma prática política comprometida com a realidade e com a transformação social genuína. Assim, em vez de rejeitar críticas, a esquerda deve adotá-las como uma ferramenta de fortalecimento e refinamento de suas ações.
A colombianização do Brasil segue a todo vapor, e o oportunismo político que ignora essas questões promove a desconfiança e o distanciamento das bases populares, e, no fim, fortalece as forças reacionárias. A verdadeira ação transformadora deve ser construída sobre a análise corajosa que visa enfrentar as falhas internas, sem sacrificar a integridade da luta antifascista e as táticas parciais que a elas estão vinculadas.
A discussão sobre a ausência de uma verdadeira esquerda na política partidária brasileira aponta para uma profunda crise de identidade dentro dos movimentos e partidos que se autodenominam de esquerda. O populismo, como prática pragmática, tem sido a principal característica dos partidos populares, como o PT, que não miram o horizonte de uma revolução humano-social. Em vez disso, focam em reformas que se ajustam às demandas imediatas do sistema capitalista, resultando em uma crítica contundente à sua atuação. Nesse contexto, a política se torna uma mera ferramenta de manutenção do status quo, e aqueles que ousam criticar são atacados de todos os lados.
Há uma percepção de que as ações dos ditos partidos de esquerda no poder, em muitos casos, se assemelham às mesmas práticas fascistas que dizem combater. O desencanto popular com essa “esquerda” pragmática, que sacrifica suas origens revolucionárias em nome de alianças de conveniência e a perpetuação no poder, é evidente. Isso tem contribuído para a desorganização da classe trabalhadora, que, apesar de perceber que está sendo enganada, não consegue identificar com clareza a raiz do problema.
A crítica aponta para um esvaziamento ideológico, em que as figuras e os partidos que deveriam representar os interesses dos trabalhadores acabam por adotar uma postura de conciliação com o capital. Essa postura resulta em uma romantização do sistema capitalista e na recusa de radicalizar, o que leva à alienação das massas e à ascensão de uma direita mais radical, como foi o caso do bolsonarismo.
O fenômeno da lumpenização da classe trabalhadora, termo que se refere à marginalização e desorganização política dos trabalhadores, reflete o fracasso da esquerda em promover uma agenda revolucionária. Em vez disso, busca-se uma simulação de democracia burguesa, enquanto os partidos fazem alianças contraditórias.
O neoliberalismo, muitas vezes alinhado ao fascismo, encontra apoio não apenas na direita, mas também em setores da própria esquerda, que, ao falhar em oferecer uma alternativa real, acaba por apoiar políticas que servem ao grande capital. Esse processo ja foi denominado por mim de “neoliberofascismo”, conceito que descreve a aliança entre o neoliberalismo e práticas fascistas na condução do poder político.
A discussão também destaca a superficialidade intelectual que domina muitos dos debates contemporâneos. Intelectuais e políticos que deveriam aprofundar as questões acabam por se engajar em discursos vazios, precificados e de difícil acesso, o que contribui para a alienação da sociedade. O pensamento crítico profundo é substituído por uma lógica de mercado, em que ideias se tornam mercadorias e as causas dos problemas sociais são ignoradas em favor de soluções paliativas que apenas tratam dos efeitos.
Esse quadro reflete uma sociedade sem profundidade filosófica, que valoriza o que há de mais medíocre e superficial. A parcialização do pensamento e a fragmentação das políticas públicas, que tratam problemas como saúde, educação e arte de forma isolada e mercantilizada, ilustram a crise do capital em lidar com a complexidade da vida humana. Dessa forma, a sociedade se afunda em uma distopia onde o reacionarismo religioso e o fascismo encontram terreno fértil para crescer, enquanto a esquerda, sem força revolucionária, continua a ser parte do problema.
Assim, a crítica à atual conjuntura política brasileira aponta para a necessidade urgente de uma reavaliação das estratégias da esquerda, que deve abandonar o populismo reformista e retomar uma postura verdadeiramente revolucionária, caso contrário, estará condenada a ser absorvida pelo sistema que diz combater.
A precificação das ideias no contexto capitalista revela um dos mecanismos mais autoritários do sistema: a individualização dos problemas. Este procedimento, amplamente utilizado, fragmenta questões sociais e políticas, tornando-as problemas pessoais e isolados, em vez de abordá-las como resultados de um processo histórico e econômico coletivo. A força do capital, nesse contexto, atua precificando grupos e suas ideias, inserindo-os processo de circulação de mercadorias.
Aqueles que não se submetem a essa lógica de precificação, seja de ideias, pessoas ou movimentos, são, metaforicamente, “executados” pelo sistema. Ou seja, são excluídos, marginalizados ou silenciados. É neste ponto que o fascismo se revela profundamente entrelaçado ao âmago da economia política. O controle, a exclusão e a mercantilização são instrumentos que não apenas mantêm a estrutura do capitalismo, mas também perpetuam a opressão e o autoritarismo. O fascismo, assim, é alimentado pela própria dinâmica econômica, que condiciona a sobrevivência de indivíduos e ideias à sua capacidade de se converterem em produtos comercializáveis.
Dessa forma, o processo de alienação e superficialização da sociedade, no qual problemas estruturais são tratados como questões individuais, reforça o poder do capital e bloqueia qualquer tentativa de transformação radical.
Um Caminho para Romper com o Status Quo
Em suma, um procedimento adequado de análise e organização de classe deve fundamentalmente tomar como pressuposto as seguintes considerações:
- Compreensão fiel da realidade: Um procedimento de análise deve promover uma leitura concreta, baseada nos fatos, evitando distorções que sirvam para reforçar agendas convenientes de qualquer espectro político.
- Superficialidade e pragmatismo: O populismo político tem afastado a esquerda de sua essência transformadora, tornando-a um mecanismo de manutenção do status quo, em vez de uma força de mudança estrutural.
- Assumir falhas do passado: É fundamental reconhecer os erros históricos, como a falta de autocrítica e a acomodação em práticas reformistas, que têm levado à desilusão das classes populares e à fragmentação da classe trabalhadora.
- Ação e inação prejudiciais: Tanto a inércia quanto a ação baseada em diagnósticos errôneos são prejudiciais. Alianças oportunistas com forças burguesas e políticas ineficazes apenas facilitam o avanço de tendências neofascistas.
- Combater causas, não sintomas: Uma análise crítica e radical deve focar nas causas estruturais das desigualdades, ao invés de tratar apenas os sintomas, evitando assim a perpetuação da opressão e da alienação.
- Reconexão com as bases populares: É crucial que intelectuais e militantes se reconectem com as bases populares, criando novos espaços de organização e luta que transcendam o jogo político-eleitoral tradicional.
- Ação coletiva fora da lógica do capital: A verdadeira transformação social só ocorrerá através da criação de novas possibilidades de ação coletiva, que não estejam subordinadas à lógica do capital e que busquem uma ruptura com as estruturas opressivas existentes.
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