No dia 1º de janeiro de 2025, quando os primeiros raios do sol ainda despontavam, um som ensurdecedor reverberou pelo céu. Uma frota de naves colossais, de proporções inimagináveis, surgiu nas alturas como sombras ciclópicas, cobrindo cidades inteiras em penumbras. Elas pairavam silenciosas, imponentes e indiferentes, enquanto a humanidade, em êxtase e terror, se aglomerava nas ruas, olhando para o céu.
A chegada dos alienígenas, chamados pelos próprios de Veranitas, abalou o mundo em sua essência mais profunda. Não vieram com armas nem promessas de destruição, mas com mensagens calmas e organizadas, transmitidas em todas as línguas conhecidas. Disseram ser exploradores de culturas e ofereceram conhecimento e uma chance de integração intergaláctica. Não mencionaram deuses, crenças ou valores; sua vinda era fria e científica.
O impacto nas religiões, no entanto, foi como uma tempestade cataclísmica.
Entre os devotos das grandes religiões, os sinais de colapso começaram no primeiro dia. Nos templos, igrejas e mesquitas, orações em massa pediam explicações divinas para o acontecimento. A ausência de respostas imediatas levou muitos à descrença. Como poderiam continuar acreditando em uma visão antropocêntrica de Deus, quando seres tão vastos e superiores vinham de mundos tão distantes?
Milhares tiraram suas próprias vidas nos primeiros dias, incapazes de reconciliar sua fé com a presença dos Veranitas. Muitos religiosos interpretaram a chegada como o “fim dos tempos”, mas o Apocalipse bíblico não veio. O silêncio das escrituras, agora irrelevantes para muitos, foi um peso insuportável.
Em contrapartida, outros redobraram sua fé. Pregadores radicais emergiram, proclamando que os alienígenas eram demônios enviados para testar os justos. Nos Estados Unidos, em grupos extremistas cristãos, cidades inteiras foram tomadas por líderes que ordenavam ataques diretos às naves alienígenas, que, no entanto, continuavam inabaláveis, ignorando a violência.
No Oriente Médio, parte da população reinterpretou as escrituras islâmicas, alegando que os Veranitas eram anjos enviados por Alá. Isso levou a guerras internas entre seitas, enquanto os mais ortodoxos clamavam que aqueles que se submetessem a novas interpretações eram apóstatas.
Grupos religiosos menores, mais místicos, foram os primeiros a acolher os Veranitas como deuses. Os templos hinduístas em Varanasi viram a criação de cultos dedicados às naves, interpretadas como vimanas divinas. No Brasil, cultos sincréticos emergiram em favelas, misturando orixás com figuras alienígenas.
Os alienígenas, contudo, jamais incentivaram tais interpretações. Em mensagens que repetiam como mantras, declaravam-se “meros seres de carne e razão” e se recusavam a serem tratados como divindades. Mas isso não deteve multidões de religiosos e até ateus que se curvavam diante das naves, oferecendo suas vidas, esperanças e orações em um gesto de submissão desesperada.
Por outro lado, muitos líderes religiosos moderados buscaram adaptar suas crenças ao novo paradigma. O Papa, em um discurso histórico na Praça de São Pedro, chamou os Veranitas de “irmãos distantes, frutos do mesmo Criador Universal”, um gesto que uniu algumas das religiões abraâmicas. Mas para cada líder que buscava conciliação, dezenas clamavam por guerra santa.
Grupos terroristas aproveitaram a chegada para justificar atentados em nome de sua fé. Igrejas foram atacadas por radicais que as acusavam de “traição ao verdadeiro Deus”. Centros culturais alienígenas, criados para oferecer conhecimento à humanidade, foram bombardeados. Em Paris, um ataque suicida em um desses centros deixou centenas de mortos.
Por sua vez, os Veranitas não retaliaram. Sua indiferença à violência gerou ainda mais ódio entre os fanáticos, que viam isso como desprezo ou como um sinal de sua própria superioridade espiritual.
Enquanto as velhas religiões desmoronavam, novas emergiam. Movimentos filosófico-espirituais, como o “Humanismo Cósmico”, pregavam que os Veranitas eram apenas um passo na evolução da humanidade e que os humanos deveriam transcender suas crenças arcaicas. Na internet, influenciadores começaram a oferecer “cursos” para compreender a ética alienígena, vendendo ideias que mesclavam ciência, espiritualidade e uma pitada de charlatanismo.
Em contrapartida, pequenos grupos de ateus passaram a desenvolver uma visão cínica. “Se os Veranitas não têm deuses e ainda assim prosperaram a ponto de nos superar, por que deveríamos manter qualquer crença religiosa?” A desilusão se espalhou como uma praga silenciosa.
No fim do primeiro mês, o planeta estava profundamente dividido. Enquanto alguns se radicalizavam ou buscavam novas formas de espiritualidade, outros abandonavam a religião por completo. A convivência humana com os Veranitas estava longe de ser pacífica, mas trouxe um impacto irrevogável: a queda do véu que separava a fé cega da racionalidade fria.
Os Veranitas, ao perceberem a instabilidade social que haviam causado, ofereceram um último comunicado. Não eram responsáveis por crenças, guerras ou suicídios. Estavam ali apenas para compartilhar conhecimento, mas não à custa da destruição cultural de um mundo. Em um gesto de aparente arrependimento, partiram, deixando a humanidade sozinha para encarar suas ruínas.
E assim, 2025 tornou-se o ano em que a Terra, pela primeira vez, encarou a imensidão do universo e viu sua espiritualidade ser despedaçada e reconfigurada. No lugar das certezas de outrora, restou um vazio que, como sempre, seria preenchido pelas inquietações eternas do coração humano.
