Educação e Meio Ambiente (Por Ivo Tonet)

Introdução 

É lugar-comum afirmar que a humanidade está vivenciando, atualmente, uma crise de  gravíssimas proporções. Crise que não afeta apenas algumas, mas todas as dimensões da vida social  e que põe em perigo a existência da própria espécie humana. Entre estas dimensões, uma das mais  importantes é certamente a relação do ser humano com a natureza. 

Salta à vista que as agressões cometidas contra a natureza são cada vez mais devastadoras e  qualquer um sabe que a existência humana é impossível sem uma base natural. Pode-se afirmar,  também, que existe, hoje, uma consciência, embora muitas vezes apenas difusa e superficial, acerca  dos problemas ecológicos. Causa espanto, preocupação e indignação verificar que a base material da  vida humana está sendo destruída e que tenhamos que assistir, aparentemente impotentes, este  processo. 

Será isto uma fatalidade? Será possível sustar e reverter este processo?  

Expressando essa preocupação, campanhas publicitárias são promovidas enfatizando a  importância e a necessidade de respeitar e preservar a natureza. Eventos – locais, nacionais e  internacionais – são organizados por entidades acadêmicas e por órgãos públicos para debater esses  graves problemas ecológicos. De inúmeras maneiras, enfatiza-se a necessidade de tomar consciência 

dos problemas ecológicos e de buscar soluções para eles. De modo especial, também, acentua-se a  preocupação que as empresas devem ter com um tratamento respeitoso para com a natureza. 

No entanto, não obstante todas as campanhas, todos os apelos, todos os debates, todos os  congressos acadêmicos e eventos políticos, o rolo compressor da devastação da natureza segue  imperturbável. É preciso perguntar por que. Que forças são essas, tão poderosas e aparentemente  incontroláveis que estão destruindo as próprias bases da existência humana? Todo este processo seria  devido à falta de conhecimentos científicos, de tecnologia ou de recursos financeiros? Não parece  que este seja o caso, pois existe um cabedal enorme de conhecimento acerca da natureza, há  tecnologia suficiente e, sem dúvida, também existem muitos recursos financeiros. Descartados, então,

esses aspectos, onde estariam as causas mais importantes dos problemas ecológicos e por onde  passaria a sua solução?  

Duas são, de modo geral, as causas consideradas mais relevantes. A falta de uma consciência  ecológica e, especialmente, a falta de vontade política. A falta de consciência faz com que tanto os  indivíduos como as empresas e outros grupos sociais busquem apenas os seus interesses particulares  resultando no mau uso dos recursos naturais, no desperdício e no consumismo desenfreado. A falta  de vontade política impede que os que detém o poder tomem medidas eficazes para a preservação da  natureza. Deste modo, o enfrentamento dos problemas ecológicos passaria pela conscientização a seu  respeito e, especialmente, pela tomada de decisões sérias e positivas por parte do poder político. 

Por sua vez, a conscientização teria na educação uma ferramenta poderosa para despertar as  pessoas para os problemas ecológicos e para estimular a cooperação para o seu enfrentamento. Mas,  certamente, o instrumento fundamental para fazer frente a esses problemas deveria ser a ação dos  Estados e também das empresas, pois são eles que detêm e os recursos mais efetivos. Não é preciso  dizer que conscientização e ações políticas e econômicas não são consideradas dois campos isolados  e autônomos, mas dois aspectos que deveriam agir articuladamente.  

O presente artigo pretende mostrar que nem essas são as causas fundamentais dos problemas  ecológicos nem este é o caminho para o seu enfrentamento. Para isso, exporei os pressupostos que  embasam o modo predominante de pensar e a sua falsidade e, sem seguida os pressupostos e o  caminho que me parece mais adequado para o enfrentamento dessa problemática.  

1. Os pressupostos do modo dominante de pensar 

Como vimos, segundo o pensamento dominante, o enfrentamento dos problemas  ecológicos passa pela conscientização e por ações de indivíduos, grupos sociais e empresas, mas,  especialmente, do poder político. 

Quatro pressupostos principais fundamentam esse modo de pensar.  

Primeiro: a sociedade é o resultado das relações que os indivíduos singulares estabelecem  entre si. Isto poderia, à primeira vista, parecer óbvio e correto. No entanto, estes indivíduos são  entendidos como precedendo ontologicamente a sociedade, isto é, como detentores, por sua própria  natureza, daquelas qualidades que os caracterizam como humanos – a liberdade, a igualdade, a  racionalidade e o egoísmo natural. Estas qualidades não são resultado das relações sociais, mas  componentes essenciais, não históricos, da natureza humana. Por sua natureza, os indivíduos já são

portadores dessas qualidades. Esses indivíduos são como os átomos sociais, a parcela última,  portadora de uma natureza natural, de cujas relações dependerá a forma específica da sociedade. Esta  é a concepção liberal, elaborada a partir da modernidade e que continua largamente dominante até  hoje. 

Segundo: é a consciência que determina o ser social e não o ser social que determina a  consciência. Isso se chama idealismo. Supõe-se que as ideias e os valores, bons ou maus, são criações autônomas do espírito humano. Estas ideias e estes valores, então, moldarão a realidade. Deste modo,  se cada um tomar consciência de boas ideias e bons valores, isto é, no caso em tela, se se conscientizar  de que é importante respeitar a natureza e preservá-la, o resultado serão relações mais harmoniosas  entre os homens e a natureza. Traduzindo em miúdos: se cada um – indivíduos, grupos sociais,  empresas, governos – tomar consciência da importância dessa questão e se esforçar por agir de  acordo, certamente haverá uma melhoria na relação do homem com a natureza.  

Terceiro: o Estado é o agente mais importante para o enfrentamento dos problemas  ecológicos. Isso se chama politicismo. O politicismo consiste em pensar que o Estado é a categoria  que funda a sociedade. O que significa que sem Estado seria impossível haver vida social organizada,  retornando à barbárie que, supostamente, seria um caos cuja única lei seria a lei do mais forte. Supõe 

se, então, que o Estado, por ser uma instituição muito poderosa, tenha a capacidade de controlar a  lógica de reprodução do capital e, portanto, possa obrigar os capitalistas a tratar de maneira respeitosa  a natureza. Parte – grande – dessa tarefa do Estado consistiria em elaborar e aperfeiçoar leis cada vez  melhores e criar organismos para um controle e uma fiscalização eficiente. Julga-se que na medida  em que exista essa “vontade política” será possível fazer frente aos problemas gerados na relação dos  homens com a natureza. 

Quarto: os problemas ecológicos são, essencialmente, uma questão técnica. Sendo a  técnica um elemento neutro, bastaria utilizá-la corretamente. Como já existem conhecimentos  científicos e máquinas suficientes, bastaria utilizar esse instrumental para que esses problemas fossem  convenientemente revolvidos.  

Esses quatro pressupostos se articulam. Indivíduos, conscientes, armados de  conhecimentos e tecnologia, por si mesmos ou ocupando postos em empresas e em governos  poderiam realizar inúmeras ações que contribuiriam para resolver os graves problemas ecológicos  enfrentados pela humanidade. Como a humanidade é considerada uma espécie de “grande família”,  a resolução desses problemas interessa, por igual, a toda a humanidade. Todos são considerados  igualmente responsáveis e, por isso, cada um deve fazer a sua parte. 

2. A falsidade desses pressupostos

Se examinarmos, de maneira despreconceituosa, o processo históricos-social a partir dos  seus fundamentos veremos que aqueles pressupostos são inteiramente falsos. Para esse exame, partimos, com Marx, de um pressuposto empiricamente verificável e não  de ideias especulativas e arbitrárias como a existência de uma pretensa natureza humana não histórica.  A verificação da realidade empírica nos indica que o ponto de partida são os indivíduos reais, de carne  e osso. E que, para continuarem a viver, esses indivíduos precisam transformar a natureza uma vez  que eles, ao contrário dos animais, não estão biologicamente preparados para obter dela os bens  adequados à satisfação das suas necessidades. Precisam, pois trabalhar.  

O trabalho é, assim, a categoria fundante do ser social. O trabalho, isto é, as relações que os homens estabelecem entre si no processo de transformação da natureza para produzir os bens  materiais necessários à sua existência, é a atividade humana que funda o mundo social.  

A análise da categoria do trabalho nos permite constatar, com Marx, que ele é constituído  por dois elementos essenciais: de um lado, a prévia-ideação, ou o estabelecimento antecipado, na  mente, do fim a ser atingido e a busca dos meios necessários e, de outro lado, a realidade natural. A  conexão entre esses dois elementos é feita através da atividade prática. 

Ao realizar este ato, portanto, o homem transforma a natureza, adequando-a ao  atendimento das suas necessidades. Ao mesmo tempo, no entanto, ele transforma a si mesmo. Vale  dizer, na medida em que os indivíduos criam, através deste ato, todo um conjunto de bens necessários  à satisfação das suas necessidades – um patrimônio que, pela generalização, está à disposição de todos – eles também vão se apropriando destes bens e assim se constituindo como membros do gênero  humano. 

Isso permite afirmar que não há uma precedência ontológica do indivíduo sobre a  sociedade; que ambos se constituem em determinação recíproca. O ser singular, que nasce com a  potencialidade de se tornar humano, só se torna efetivamente humano ao apropriar-se daquele  conjunto de elementos que perfazem o patrimônio comum. Por outro lado, como já vimos, este  patrimônio comum é resultado das ações dos próprios indivíduos. Pode-se, então, afirmar que tudo o  que integra o ser social é, sempre, resultado da atividade humana. Deste modo, cai por terra a  afirmação de que os indivíduos são egoístas por natureza. Os seres humanos não são nem bons nem  maus por natureza, pois sua própria natureza é resultado da sua atividade social.  

Deste modo, a sociedade não é o conjunto das relações que indivíduos ontologicamente já  constituídos como humanos estabelecem entre si. É, sim, o conjunto das relações que os indivíduos  estabelecem entre si no mesmo processo de se constituírem, eles mesmos, como humanos. Imaginar  a existência de um indivíduo que seja humano inteiramente isolado dos outros não passa de uma 

ficção. Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx enfatiza que é totalmente incorreto contrapor,  de modo isolado, indivíduo e sociedade, pois, mesmo quando o indivíduo se encontra sozinho, isolado  de todos, ele sempre já é um ser social, não só por tudo o que ele utiliza, mas por tudo o que ele é. 

Vale, porém, observar que, nesta relação entre o ser singular e o gênero, a totalidade social é  o momento predominante. Exemplificando: somos nós, indivíduos singulares que, com nossas ações  cotidianas, construímos a sociedade capitalista. Mas, é a sociedade capitalista que, resultando dos  nossos atos, estabelece o campo dentro do qual nos configuraremos como indivíduos humanos.  

A análise do ato do trabalho também nos permite apreender o modo como se articulam  subjetividade e objetividade, consciência e realidade objetiva. E, a partir daí, constatar que não é a  consciência que determina o ser social, mas, ao contrário, o ser social que determina a consciência. Embora o primeiro momento do ato do trabalho seja uma atividade da consciência – a prévia-ideação  – esta não brota puramente da interioridade dela. Esta consciência está sempre inserida em uma  determinada situação concreta e responde a determinadas necessidades concretas. Além, disso, para  orientar a atividade do sujeito em direção ao objetivo pretendido, ela precisa buscar na realidade  objetiva, externa, os materiais, os conhecimentos, as relações que permitem atingir aquele objetivo.  Temos, pois, aqui, de um lado, uma interação dialética entre subjetividade e objetividade e, por outro  lado, uma prioridade da realidade objetiva sobre a consciência. Não basta querer para atingir um  determinado objetivo; não basta ter boa intenção; não basta envidar esforços. É preciso agir orientado  pelas possibilidades reais determinadas pela realidade objetiva. Assim, não se trata de aceitar  simplesmente as coisas como são e nem de querer impor às coisas os nossos desejos, por mais  louváveis que sejam. Para atingir os fins desejados é preciso conhecer a realidade concreta e atuar de  acordo com as possibilidades inscritas nela. 

Exemplificando esta prioridade da realidade objetiva sobre a consciência: a invenção da  roda não foi, certamente, resultado de uma brilhante ideia, concebida pela mente de algum ser  humano, mas a tradução teórica de uma realidade externa. Sem dúvida, existe aí uma interação entre  a objetividade e a subjetividade, mas a prioridade é da primeira. Deste modo, a consciência, ou seja,  as ideias, os valores, os desejos, não são produto que brota autonomamente do interior da  subjetividade, mas o resultado da prática social. Assim, não nos comportamos de modo egoísta porque  temos ideias e valores egoístas, mas, ao contrário, temos ideias e valores egoístas porque  determinadas relações sociais objetivas nos impõem ideias e valores egoístas. Do mesmo modo, não  nos comportamos de maneira desrespeitosa para com a natureza porque temos ideias desrespeitosas  em relação a ela, mas, ao contrário, temos ideias e comportamentos desrespeitosos porque  determinadas relações objetivas nos levam a ter essas ideias e comportamentos. Isso mostra  claramente que a prioridade não está na mudança das ideias, na conscientização, mas na 

transformação das relações sociais objetivas que produzem determinadas ideias. Se essas relações  não forem modificadas, elas continuarão a produzir as mesmas ideias anteriores e, deste modo não  haverá uma mudança significativa da realidade social. 

Isso mostra, claramente, a falsidade daquele pressuposto de que é a consciência que  determina o ser social. 

Afirmamos, acima, que o trabalho é a categoria que funda o ser social. É, portanto, a partir  dele que se ergue todo o edifício social. É ele a matriz a partir da qual se configura a totalidade social.  Todavia, o trabalho não esgota do ser social. Outras categorias, como linguagem, socialidade,  educação, conhecimento, são necessárias à realização do próprio trabalho. E, além disso, na medida  em que a realidade social for se tornando mais complexa, a partir de um maior desenvolvimento das  forças produtivas, surgirão outros problemas que não podem ser resolvidos no âmbito exclusivo do  trabalho. Surgirão, então, outras atividades sociais cuja função será o enfrentamento desses novos  problemas. Deste modo, teremos a magia, a mitologia, a religião, o Direito, a política, a arte etc. Vale,  porém, enfatizar: todas estas novas formas da atividade humana tem sua origem a partir do trabalho.  Deste modo, o trabalho nunca deixa de ser a categoria fundante do ser social. Vale, também, enfatizar  que entre o trabalho e as diversas atividades humanas não há uma relação de mão única. Há uma  relação de dependência ontológica de todas as atividades em relação ao trabalho, mas há, também,  uma relação de autonomia relativa destas atividades e, considerando também o trabalho, uma relação  de determinação recíproca.  

Essa constatação nos permite afirmar que é falso o pressuposto de que é o Estado que  funda a sociedade como sociedade, isto é, como algo organizado. A categoria fundante é o trabalho.  É a partir dele que se constroem as diversas formas de sociabilidade. Basta olhar o processo histórico  para confirmar essa ideia. Esta afirmação é corroborada, ainda mais, por dois fatos históricos.  Primeiro: durante a maior parte da existência da humanidade, cuja idade varia entre 100 e 200 mil  anos, não havia Estado e, no entanto, a sociedade não era um caos, mas estava muito bem organizada.  Segundo: o Estado surgiu a partir da existência da propriedade privada e das classes sociais e sua  função essencial sempre foi a de gerenciar a luta de classes e os conflitos sociais, defendendo, todavia,  os interesses das classes dominantes. O Estado nunca foi, não é e nunca será uma instância neutra1.  

Pode-se constatar, tranquilamente, examinando, de maneira despreconceituosa, o processo  histórico real, que cada modo de produção sempre tem como seu fundamento uma determinada forma  

1Imprescindível, aqui, a leitura do livro de F. Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado.  Também de F. Engels, Humanização do macaco pelo trabalho. De Marx, importantíssimo ler Glosas críticas ao artigo O  Rei da Prússia e a Reforma Social. De um prussiano. E, ainda, de S. Lessa e I. Tonet, Introdução à filosofia de Marx. E, dos  mesmos autores, Proletariado e Sujeito Revolucionário. 

de trabalho. Portanto, a matriz fundante do ser social é sempre o conjunto das relações que os homens  estabelecem entre si no processo de transformação da natureza2.  

De modo especial, se examinarmos o Estado moderno, veremos que ele surge e se  configura como um instrumento de reprodução do capital. É a lógica de reprodução do capital que  exige a forma específica do Estado moderno. Por mais que esta forma mude, ao longo da história do  capitalismo, o Estado sempre está, essencialmente, a serviço da reprodução do capital. Deste modo,  fica claro que o Estado não pode controlar o capital, pelo contrário, é o capital que controla o Estado3

Assim, a produção e a reprodução do capital são o solo matrizador da sociedade capitalista.  Todas as outras dimensões sociais, ainda que tenham contradições, que podem ser até antagônicas  com essa lógica, estão, de algum modo, subsumidas a este processo. Não há, pois, como atribuir ao  Estado a tarefa de harmonizar as relações dos homens com a natureza, uma vez que quem comanda  estas relações é o capital e sua lógica reprodutiva não pode ser controlada por força nenhuma4.  

Finalmente, a análise do processo social a partir do trabalho nos permite afirmar que é  falsa a afirmação de que o enfrentamento dos problemas ecológicos é uma questão técnica. Se  observarmos o processo histórico, veremos que o desenvolvimento tecnológico é inseparável das  relações sociais de produção. Determinadas relações sociais de produção podem ou não favorecer o  desenvolvimento tecnológico. Sabe-se que, durante os modos de produção escravista e feudal, o  desenvolvimento tecnológico enfrentou muitos obstáculos exatamente por causa das relações  escravistas e feudais de produção. Nem escravos e nem servos tinham interesse em desenvolver  amplamente as forças produtivas uma vez que muito pouco se beneficiavam com possíveis melhorias. 

Por outro lado, as relações de produção capitalistas foram, pelo menos durante um grande  período, um poderoso incentivo ao desenvolvimento tecnológico. Do mesmo modo como, agora, são  um enorme entrave a esse desenvolvimento5

Isso mostra, claramente, que a técnica não é, de modo nenhum, neutra. Ela sempre é uma  expressão de determinadas relações sociais. As próprias máquinas não são desenvolvidas tendo em  vista as necessidades humanas, mas a produção e reprodução do capital. Há, sem dúvida, uma relação  dialética entre relações sociais e tecnologia, porém o momento predominante é constituído pelas  primeiras. 

 2 Para fazer frente às críticas de determinismo e economicismo, sempre a Marx, sugiro a leitura de O trabalho,  de G. Lukács. Trata-se de um capítulo da Ontologia do Ser Social deste autor. 

3 A esse respeito, sugere-se a leitura do livro Marx, Mészáros e o Estado, de Maria Cristina S. Paniago e outras. 4 Ver, a esse respeito, o livro de Maria Cristina S. Paniago, Mészáros e a incontrolabilidade do capital. 5 Há farta documentação a esse respeito. Sugerimos, apenas, a leitura do livro d I. Mészáros, Produção  destrutiva e Estado capitalista.

3. A relação do homem com a natureza 

Partindo dos pressupostos acima mencionados, penso que o enfrentamento dos problemas  ecológicos atuais passa por quatro questões fundamentais. 

Primeira: as relações que os homens estabelecem com a natureza dependem das relações que  os homens estabelecem entre si no processo de transformação da natureza. Com isso quero dizer que  o foco do problema não está nas próprias relações dos homens coma natureza, mas nas relações dos  homens entre si neste processo. Dependendo do tipo de relações que os homens estabelecerem entre 

si suas relações com a natureza terão formas diferentes. Como vimos acima, as relações que os  homens estabelecem entre si ao transformar a natureza são, entre as inúmeras relações sociais, as mais  fundamentais. Deste modo, a resolução dos problemas ecológicos passa, hoje, necessariamente, pela  mudança da forma do trabalho.  

Segunda: considerando as relações que os homens estabelecem entre si na atual forma de  sociabilidade (capitalista) é impossível estabelecer uma relação harmoniosa entre o ser humano e a  natureza. A forma do trabalho, que constitui o fundamento da sociedade burguesa, é a compra e venda  de força de trabalho. É a partir dela que se geram a mais-valia, o capital e todo o conjunto de categorias  que perfazem a base material da sociedade burguesa. Esta forma de produzir a riqueza transforma  todas as coisas, e de modo especial as pessoas, em mercadorias e põe a obtenção do lucro como  objetivo fundamental. Posto em ação este ato fundante da sociedade capitalista, segue-se uma lógica  férrea de autorreprodução do capital. Neste sentido, as leis do mercado, mesmo sendo históricas, são  tão férreas como as leis da natureza. Elas podem ser eliminadas, porque são resultado da atividade  humana, ou seja, de determinados atos humanos. Outros atos, humanos, de trabalho, poderão fundar  outra forma de sociabilidade que não seja regida pelas leis do capitalismo. Contudo, enquanto estas  estiverem vigentes, nenhuma força poderá obrigá-las a operar de modo a produzir tendo como  objetivo principal o atendimento das necessidades humanas. 

Ora, a transformação da natureza é a principal fonte de produção de mercadorias e, portanto,  de acumulação de capital. Nada pode impedir que o capital transforme a natureza em mercadorias  uma vez que a busca do lucro é a sua lei suprema. Além disso, é da essência do capitalismo a  concorrência dos capitalistas entre si na busca do lucro.  

Esta lógica perversa resulta, necessariamente, no esgotamento dos recursos naturais, na  devastação indiscriminada da natureza e nas mil formas de agressão e destruição da própria vida  humana. Independente de boas intenções de indivíduos, de grupos sociais, de empresas e/ou de  

governos, as leis do capitalismo continuam a reger a vida humana enquanto existir esta forma de  sociabilidade. É uma enorme ilusão pensar que se pode humanizar o capital, pois humanizá-lo  significaria obrigar os capitalistas a produzir tendo em vista a satisfação das necessidades humanas e  não o lucro.  

Terceira: como consequência do que foi dito acima, o estabelecimento de uma relação  harmoniosa entre o homem e a natureza passa pela superação radical do modo de produção capitalista  e, portanto, tem como mediação necessária uma revolução. 

Infelizmente, a derrota de todas as tentativas de superação do capitalismo e de construção de  uma sociedade comunista pareceram confirmar o caráter utópico da eliminação do capitalismo.  Adicionalmente, durante o tempo que durou o mal chamado “socialismo real” – que de socialismo  não tinha nada – suas relações com a natureza também não foram de molde a poder demonstrar a  viabilidade de uma relação harmoniosa do homem com a natureza.  

Desaparecendo o horizonte revolucionário e a possibilidade de superação do capitalismo, a  humanização deste, através da conscientização, de ações positivas de grupos sociais, de empresas e  de governos pareceu e continua a parecer o único caminho para alcançar um equilíbrio nas relações  entre o homem e a natureza. Por incrível que pareça – embora seja compreensível – o que é  absolutamente impossível – a humanização do capitalismo – é tido como a única possibilidade real  ao passo que aquilo que é possível – embora não inevitável e nem fácil – a superação do capitalismo  – é julgado impossível. 

Quarta: somente em um modo de produção comunista será possível estabelecer uma relação  harmoniosa entre o homem e a natureza. 

Se é verdade, como procurei demonstrar acima, que o trabalho, isto é, as relações que os  homens estabelecem entre si na transformação da natureza, é o fundamento ontológico do mundo  social, então o exame dessas relações é a questão mais importante. Vale dizer, as relações dos homens  com a natureza dependerão das relações dos homens entre si. Se estas forem respeitosas, harmoniosas,  aquelas também serão, do contrário serão de oposição e exploração. 

Consequentemente, teremos que perguntar: que tipo de trabalho poderá fundar uma relação  harmoniosa entre os homens e, em decorrência, uma relação também harmoniosa com a natureza? A  resposta a esta pergunta já foi dada há mais de cento e cinquenta anos por um genial pensador  chamado K. Marx. Segundo ele essa forma de trabalho é o trabalho associado. Em resumo, trabalho  associado é uma forma de trabalho em que os homens põem em conjunto as suas forças individuais,  sem nenhuma forma de exploração de uns pelos outros e, com isso, controlam de maneira livre e 

consciente todo o processo de produção da riqueza material. Esta forma de trabalho implica, por sua  vez, uma mudança radical no objetivo da produção. Ela permite que tudo seja produzido tendo em  vista o atendimento das necessidades humanas. Saem, portanto, de cena, o valor de troca e a  mercadoria, e entra em cena o valor de uso. Contudo, esta forma de trabalho deve ter, por sua própria  natureza, um caráter também universal. E, além disso, pressupõe um alto desenvolvimento das forças  produtivas, isto é, da capacidade de produzir riqueza que possa satisfazer as necessidades materiais  de todos.  

O controle, livre, consciente, coletivo e universal das relações de trabalho, fundamento de  uma sociedade comunista, tornando-as harmoniosas e adequadas à autoconstrução efetivamente  humana, permitirá e implicará também o estabelecimento de relações harmoniosas entre o homem e  a natureza. 

Percebe-se, deste modo, que comunismo nada tem a ver com consumismo, com produtivismo,  com uso indiscriminado dos bens da natureza. Pelo contrário, comunismo significa a possibilidade de  os homens controlarem, de forma consciente, a sua relação com a natureza. No capitalismo, quem  controla as relações dos homens com a natureza é a autorreprodução do capital. No comunismo, este  controle retorna aos próprios sujeitos humanos. 

4. Educação ambiental 

O agravamento dos problemas ambientais trouxe à tona muitas preocupações. Em pouco  tempo organizaram-se campanhas publicitárias, estudos, congressos, eventos promovidos por  governos e propostas de enfrentamento desses problemas. Entre estas ações também está a proposta  de educação ambiental. Tanto fora como dentro da escola.  

Infelizmente, todas estas preocupações são marcadas pelo idealismo e/ou pelo politicismo. Ou  fazem apelos moralistas à consciência dos indivíduos, dos empresários e dos detentores do poder  político ou propõem que os governos tomem medidas, de caráter econômico, jurídico e político, para  enfrentar esses problemas. Nem o idealismo, nem o politicismo apontam para a causa fundamental  dos problemas ecológicos, ou seja, para a lógica de acumulação do capital que, ao transformar tudo  em mercadoria, submete tanto as relações entre os homens quanto as relações entre os homens e a  natureza aos imperativos da sua autorreprodução. 

Ora, uma educação que pretenda fazer não apenas um discurso moralista e bem intencionado,  mas contribuir efetivamente para um enfrentamento sério dos problemas ecológicos deve levar a uma  compreensão das causas mais profundas desses problemas e da real solução deles. Isto implica a  compreensão de como se autoconstrói, desde as suas origens, o ser humano, em íntima conexão com 

a natureza; de como a entrada em cena da propriedade privada implica uma profunda transformação  nas relações entre o homem e a natureza e, de modo especial, como a lógica de reprodução do capital,  ao mesmo tempo que desenvolve em escala jamais vista as forças produtivas, também agrava  exponencialmente esses problemas. 

Trata-se, então, de desenvolver Atividades Educativas de caráter emancipador, vale dizer,  atividades educativas que realmente possibilitem às pessoas compreenderem as verdadeiras causas  dos problemas ecológicos, os caminhos mais adequados da sua solução e lhes permitam engajar-se  na luta pela superação integral do modo de produção capitalista e pela construção de um modo de  produção comunista. 

Conclusão 

Considerando a intensidade com que se inculcam as ideias de que a solução dos problemas  ecológicos depende da conscientização e/ou da vontade política, gostaria de insistir: a relação do  homem com a natureza depende das relações dos homens entre si. Ora, as relações que fundam a  sociedade em geral e qualquer forma de sociedade em particular são as relações de trabalho. Deste  modo, a relação do homem com a natureza dependerá, fundamentalmente, das relações que os homens  estabelecerem entre si no processo de transformação da natureza.  

Daí porque a superação integral das relações capitalistas de trabalho, com todas as suas  consequências, e a sua substituição por relações comunistas é condição sine qua non para estabelecer  uma convivência harmoniosa entre o homem e a natureza. Sem dúvida, a conscientização e a ação  são parte importante deste processo. Todavia, conscientização e ação devem se dirigir às causas mais  profundas dos problemas ecológicos, do contrário nada mais farão, independente das melhores  intenções, do que contribuir para a deterioração cada vez maior das relações entre o homem e a  natureza. 

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