Há 38 anos, entre os dias 16 e 18 de setembro, ocorria o massacre dos campos de refugiados palestinos nas aldeias de Sabra e Chatila, no Líbano ocupado pelas tropas do Estado de Israel. Estas protegeram e participaram do massacre, em ação conjunta com o chamado Exército do Sul do Líbano, organização paramilitar chefiada pelo Cel. Sa’ad Haddad. Publicamos abaixo o artigo de Maurício Targtemberg, publicado inicialmente na Folha de São Paulo em 21 de setembro de 1982. Para uma descrição jornalística desse ato genocida, veja aqui.

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Menachem Begin visto por Einstein, H. Arendt e N. Goldman
Maurício Tragtemberg
Deu-se o massacre dos palestinos dos campos de Sabra e Chatila por obra dos assassinos chefiados por Cel. Haddad, com conivência e participação [do Exército de Israel], isso após a morte do traficante de haxixe [Bashir] Gemayel, novo “Quisling” [*] [**] imposto pelas tropas de ocupação.
Por tudo isso, ser fiel à tradição judaica é condenar mais este genocídio praticado contra o povo palestino. [1] É necessário acabar de vez com o etnocentrismo que toma a forma de judeu-centrismo, onde o massacre de judeus brancos por brancos europeus tem um status diferente do massacre dos armênios pelos turcos, dos negros africanos pelos traficantes de escravos, dos chineses na Indonésia. Assim, Auschwitz é elevado a potência metafísica. Sou um dos últimos a minimizar as atrocidades cometidas em Auschwitz, porém, as lágrimas de outros povos não contam?
[1] O correspondente do Newsweek em Beirute revelou que os israelenses participaram do massacre nos campos de refugiados, encurralando os civis palestinos para que os milicianos libaneses pudessem liquidá-los. (FSP, 20/9/82 fl.6). Sem comentários.
Esse massacre de palestinos, a escalada militar no Líbano, a expropriação das terras de camponeses palestinos à custa dos quais fundou-se o Estado de Israel, são consequências da hegemonia em Israel do bloco religioso ao fascismo, que tem em [Menahen] Begin sua maior expressão. Compreender o “fenômeno Begin” é condição indispensável para compreensão de um fenômeno que transformou o Estado de Israel na Prússia do Oriente Médio.
Já em 1948 Begin era criticado numa carta publicada pelo New York Times a 4/12, assinada por Albert Einstein e Hannah Arendt, entre outras personalidades judaicas e não judaicas. Já era chamado de terrorista, acusação que ele no poder faz contra os palestinos indiscriminadamente. Muito mais, denunciava a carta que entre os fenômenos mais perturbadores de nossa época está o aparecimento do Tnuat Haherut, partido político semelhante por sua organização e métodos totalitários aos partidos Nazistas e Fascistas. Acrescentava a carta que a visita de Begin aos EUA era para dar impressão de que ele dispunha do apoio norte-americano. Argumentavam os autores da citada carta ser inconcebível que aqueles que se opunham ao fascismo através do mundo, se corretamente informados sobre os antecedentes do sr. Begin, apoiassem suas iniciativas. Segundo Hannah Arendt e seus companheiros, hoje em dia ele (Begin) fala em democracia e liberdade, mas até há pouco pregava abertamente a doutrina fascista. Einstein e os demais subscritores da carta criticam como prática fascista o massacre de camponeses árabes da aldeia de Der Yassin.
A 9/4/48 o bando terrorista da [organização militar sionista] Irgun massacrou 240 habitantes, levando os poucos sobreviventes para uma parada, exibindo-os como cativos nas ruas de Jerusalém. Enquanto a “Agência Judaica” desculpava-se por esse massacre fora dos planos, os adeptos de Begin convidavam os correspondentes estrangeiros no país para ver os corpos empilhados em Der Yassin.

Segundo Einstein, Hannah Arendt e mais 24 intelectuais que assinaram a carta, o partido do sr. Begin prega um ultranacionalismo, misticismo religioso e superioridade racial. A carta critica Irgun, por espalhar o medo entre a comunidade judia na Palestina, espancando intelectuais judeus que o criticam, tentando intimidar a população judia com assaltos e depredações. Conclui a carta que Beguin tenta substituir a liberdade sindical por um modelo corporativo “nos moldes do fascismo” e que seu partido traz a marca do Partido Fascista, para quem o terrorismo contra ingleses, árabes e judeus é um meio e a construção do Estado Fascista Autoritário, a finalidade.
Na mesma linha de pensamento está baseada a entrevista que Nahum Goldman, ex-presidente do Congresso Mundial Judaico, concedeu à revista alemã Der Spiegel, pouco antes de falecer. Segundo N. Goldman, a política agressiva de Beguin reforçará no mundo o antissemitismo. Condena como ação criminosa o bombardeio de Beirute. Esse homem não quis se tornar cidadão israelense, nem participar do governo de Israel. Nutria a firme convicção de que não haverá futuro para o Estado judeu sem acordo com os árabes.
É necessário compreender que Beguin é fruto de uma formação ideológico-política inerente ao Movimento Revisionista criado por Jabotinsky. Esse Movimento adotava a saudação fascista, estilo militar e camisas negras. Um de seus líderes, Aba Haimeir, colaborava no jornal israelense Doar Hayom numa seção intitulada “Diário de um Fascista”.
Em 1922 Jabotinsky escreve carta entusiasmada a Mussolini. Este em 1924 envia seu representante, Dr. Mancini, à Palestina para conhecer o Partido Fascista Judeu.
O Primeiro Congresso do Movimento Revisionista de Jabotinsky-Beguin se realiza em Milão em 1932, tendo como slogan “Ordem Italiana para o Oriente”. Devido o apoio do Movimento Revisionista à guerra de Mussolini contra a Etiópia, a agência noticiosa fascista “Oriente Moderno” saudava o Congresso Revisionista realizado em 1935.
A partir de 1935, quando se tornou público o universo concentracionário criado por Hitler e seu antissemitismo militante, o Movimento Revisionista prudentemente afasta-se de Mussolini. Isso não o impede de organizar na
Palestina bando de “fura-greves”, criar uma central sindical paralela com o nome de “Histadruth Aleumit” e praticar terrorismo contra organizações operárias na Palestina. São os culpados pelo assassinato do dirigente sindical operário Alrosoroff. Recrutavam seus membros entre a classe média de origem polonesa, em crise e sensível à demagogia fascista.
Jabotinsky e Beguin eram comandantes do Irgun e o mentor político do fascismo era o rabino Bar-Ilan, conforme o historiador Yehuda Baer (“The Arab Revolt” vol.9, n.7, Set 1966).
Quem sabe isso poderia permitir a compreensão do massacre de palestinos no campo de Chatila, “onde ninguém foi deixado vivo para contar o que aconteceu”. (FSP 19/9, fl. 15).
Já no início do século, Judah L. Magnes, presidente da Universidade Hebraica de Jerusalém, desiludido com o jovem Estado de Israel, morria nos EUA, não sem antes advertir profeticamente: “Um Estado judeu só pode ser obtido pela guerra. Falai a um árabe do que quiseres, menos de um Estado judeu. Porque isso significa por definição que os judeus governam outros povos que vivem no Estado judeu”. Exorcizado, excomungado, viu o movimento sionista adotar suas ideias. Escrevia ele: “Já se viu um povo doar seu território por vontade própria? Os árabes da Palestina não renunciarão sem violência”, conclui J. L. Magnes. Essas coisas são adotadas por aqueles que o excomungaram. (In Essais on Zionism and Jewish-Arab Cooperation, ed. Martin Buber, Jerusalém 1947, págs. 14/21.)
Não há povos inocentes ou culpados. O povo de Israel que saiu às ruas para protestar contra o massacre de palestinos não pode ser responsabilizado por um governo genocida, fruto da aliança clerical-fascista.
Seria o mesmo que dizer que todos os alemães são nazistas, quando é sabido que o “Holocausto” começou na Alemanha, quando Hitler assassinou 60.000 líderes sindicais alemães.
O que favorece o antissemitismo latente no mundo é a escalada militar e o genocídio que a acompanha. A crítica pública a essa política é o primeiro dever de quem não renunciou à tradição humanista judaica, presente em Einstein, Hannah Arendt e nos críticos atuais.
Tem como um de seus fundamentos um preceito do Rabi Hilel, que, antes do surgimento de Jesus de Nazaré, ensinava: “O que condenas não o faças a outro. Eis toda a Lei, o resto é só comentário” (Thalmud da Babilônia, cap. Sabath, 31).
Maurício Tragtemberg, judeu, foi um importante intelectual e marxista antiburocrático e autogestionário brasileiro, professor da FGV, da PUC-SP e da Unicamp.