Por Algusto Souza
A transitoriedade histórica das sociedades atesta que nenhuma sociedade é eterna. Por conseguinte, no curso de mudanças e rupturas objetivas surgem novas formas de sociedade. Cada uma dessas formas envolve ou compreende em sua totalidade a unidade provisória de contradições internas. O todo que demarca um momento histórico é internamente contraditório, ou seja, está em tensão contínua, sendo, portanto, instável. Consequentemente, cabe enfatizar que toda sociedade contém em seu bojo fatores que são geradores de crises, rupturas e revoluções, as quais, por sua vez, produzem embriões de uma nova sociedade. Anatomia de um ancestral comum ao gênero homo e ao macaco deu origem a réplica do homem sapiens.
Só podemos conhecer as sociedades após seu pleno desenvolvimento histórico. Por exemplo, o desenvolvimento histórico da sociedade feudal gera elementos da “futura” sociedade capitalista. O feudalismo não é autossuficiente, uma vez que está restrito às terras do castelo do senhor feudal, por exemplo. Ali, a vassalagem é forma de servidão senhorial baseada nas obrigações dos servos. São cobrados vários tributos, de acordo com as especificidades do trabalho realizado, tais como o uso laboral do moinho, das terras, dos fornos etc. Ressalte-se que alguns dos tributos cobrados são pagos na forma precisa do repasse de algum percentual no estoque de mercadorias produzidas.
O aumento das terras aráveis, tanto quanto o desenvolvimento das práticas agrícolas fomenta um excedente de mercadorias que “salta” os muros dos castelos, dando origem às feiras livres próprias do mediterrâneo feudal. Ademais, com as trocas comerciais, surgem as complexificações das transações financeiras, à reboque do surgimento do dinheiro como equivalente das trocas entre mercadorias.
Os lampejos do novo mundo estavam por surgir, com as fagulhas de rupturas radicais pressionando a estrutura social para que ocorressem redimensionamentos internos. Cabe ainda lembrar que, além dos claros sinais que miravam a possibilidade de mudança de forma histórico-social seguem acontecimentos contingenciais que aceleram o desabamento do modo de organização feudal enquanto modelo de sociabilidade. Eventos como a peste negra dizimam milhões de pessoas no campo. A guerra dos cem anos e as fugas de escravos para as cidades determinam simultaneamente a decadência da sociedade feudal.
Os dois aspectos apresentados correm em paralelo e, posteriormente, entrecruzam-se com elementos que, dos resíduos do feudalismo e rastros de futuro, dão origem a sociedade capitalista. Os excedentes de trocas de mercadorias, que detonam a sociedade feudal, juntamente a outros fatores políticos e sociais, os quais dão origem ao capitalismo, estão hoje presentes e postos sob á égide de uma acumulação empedernida de valor-trabalho, pautado em outras composições do labor, algo que não se segue nem se concretiza de modo pacífico.
Trata-se de uma frágil cimentação, não por acaso, quando está sob forma hegemônica mais ampliada, o capitalismo passa a incorporar em seus processos de desenvolvimento crises endêmicas e crônicas. O percurso do desenvolvimento histórico das forças produtivas torna imprescindível a incorporação contraditória de colapsos internos, fissuras entrópicas, na garantia da consecução do próprio desenvolvimento do capital.
De modo exemplar, cabe exprimir que a crise de excedente de produção anuncia o aumento das contradições econômicas do capital em plena gestação de uma outra forma de produção e de sociedade. Estão presentes nesta crise o desenvolvimento tecnológico e suas revoluções consecutivas, tornando visível o aspecto insano da louca necessidade de produção de bens, de modo cada vez mais acelerado, ao passo que encurta o tempo de realização da lucratividade do capital.
Quanto mais sofisticada a tecnologia, mais encurtado o tempo de realização do capital nos seus giros em torno da produção, distribuição e circulação de mercadorias. Algo que se dá para além das necessidades humanas. Seja ou não para uso mercantil, a queda tendencial da taxa do lucro gera o motor da necessidade de transmutações internas ao capital, e as tecnologias são um elemento impulsionador disso. De todo modo, o preço a ser pago está implicado nos rastros da destruição dos recursos naturais, nas guerras regionais, a caminho para uma guerra global, tanto quanto na saturação do sistema político parlamentar.