Garimpo tupiniquim x Internacional ambientalista: um falso problema.

Autor: Augusto Souza; Editoração e coautoria: Leonardo Lima Ribeiro (AKA) Yojimbo Teteriev

O atual conflito entre o governo e os garimpeiros nas terras yanomamis tem ocupado a “toplist” dos assuntos mais debatidos na imprensa nacional e internacional. O mote da questão trata da retirada dos garimpos ilegais das terras indígenas. O ponto de partida é a argumentação salvacionista em torno dos yanomamis, sob alegação de os proteger das mãos dos garimpeiros.

Por conseguinte, trata-se também de retomar tema e colocar sobre a mesa de negociação a demarcação das terras dos indígenas, já asseguradas pela lei. Nunca é pouco reafirmar que a causa é justa, uma operação humanista. Ademais, a questão não é nova, já há muito tempo se fala do brutal avanço do garimpo e da indústria da madeira na floresta amazônica.

O intenso debate na mídia, as ações de Lula e suas repercussões a nível mundial produzem interrogações ou retomam problemas antes já abordados. Por qual razão? Apesar das mudanças climáticas no planeta, e independentemente das suas consequências, a questão ambiental está cooptada. Tal tópico, muitas vezes monotemático e especificamente circunscrito ao solo brasileiro, está sob a tutela de muitas potências estrangeiras, bem como encarnado no discurso de seus líderes, ao operarem bravatas pseudoéticas a respeito daquilo que comumente nos acostumamos a chamar de pulmão do mundo, ou seja, a floresta amazônica.

Sabemos que o capitalismo em sua expansão, vinculado à atual fase da criação destruidora autofágica, necessita com cada vez mais ímpeto de matérias-primas, envolvidas pela necessidade complementar de a burguesia adquirir com mais impacto planetário os inúmeros recursos naturais do globo. Por outro lado, sob tal contexto estrutural da atual fase produtiva da criação destruidora do capital, não cabe aqui afirmar que é desejo do imperialismo o simples sequestro ou a tomada da floresta amazônica através de sutil ardil ou golpe de força militar ensandecido.

Provavelmente, é na floresta amazônica que estão algumas das últimas reservas de recursos naturais e minerais, as quais estão cada vez mais subsumidas à indústria sob o comando de países desenvolvidos. Precisemos, referimo-nos aqui às seguintes matérias-primas: ferro, titânio, lítio, nióbio, magnésio, chumbo, jazidas de minérios para componentes da indústria de carros elétricos e celulares. São componentes preciosíssimos para indústria 4.0.

A floresta amazônica possui não apenas jazidas de minérios. Contém, por exemplo, bioma da Flora, o qual é passível de utilização por parte da indústria mundial da medicina em curto e médio prazo. Cabe lembrar também que a Amazônia é detentora do maior manancial de água potável do planeta. Não por acaso sua cartografia já está sob a batuta da Nestlé e da Coca-Cola. Sem dúvida, não querem usufruir de água misturada ao iodo de garimpo para engarrafamento de seus produtos.

São inúmeros os interesses dos países desenvolvidos nos marcos históricos do capital, relativamente às diversas regiões nacionais. Ao darem cabo às demandas mencionadas, e numa espécie de impulso de contrapeso, criam de modo complementar os fundos bilionários para salvarem a galinha dos ovos de ouro do capital. Ao verem o governo federal utilizar-se da FAB para retirada dos invasores de terras indígenas, ironicamente lançam mão dos fundos em questão em articulação com a federação.

Por intermédio de atos de desbloqueio de fundos de proteção ambiental transmutam a natureza em objeto de cuidado sob a sombra da especulação e da extração mineral. A vida natural é, no limite, ao fim mortificada, mas sob a mediação do compasso contraditório dos discursos de proteção ambiental e indígena. É preciso propagandear a lógica do cuidado para assim garantir mais a frente a pilhagem daquilo que se diz cuidar (cf. excelente artigo Bioeconomia e financeirização dos riscos ambientais, de Julio Cesar Pereira Monerat).

Ao fim e ao cabo, os indígenas são instrumentalizados, infelizmente fazendo parte da invasão legalizada do capital internacional. É assim, tanto apesar do garimpo ilegal e marginalizado quanto apesar da desnutrição e morte em massa de povos nativos. Os projetos empacotados pela indústria do marketing com o selo de sustentáveis contêm em sua essência a persistência da ideia de que a manutenção da floresta amazônica é um recurso prático necessário para salvaguarda do capitalismo, uma vez que já pulverizou mais de um terço das florestas vertidas pelo mundo, produzindo dificuldades reais para si próprio (a partilha da África no século XlX pela Europa e EUA foi parte desse processo, não custa lembrar).

O Brasil e suas florestas fazem parte de plano estratégico para abastecer a indústria do capital correlativa aos países nomeados comumente enquanto mais avançados. No limite, cabe também enfatizar que a luta ambiental está sendo largamente cooptada pelo capitalismo. O país seguirá como sendo a grande locomotiva exportadora de recursos minerais e floras naturais da Amazônia. Tal é uma das posições que ocupa na topologia da divisão internacional do trabalho e, mais precisamente, na dinâmica mundial que impulsiona a transferência da energia vital do planeta para os grandes centros do poder econômico político.

Para tanto, o pano de fundo é o de não deixar que a indústria ilegal paralela explore e desmate, antes da extração da cereja do bolo que está assentada na floresta amazônica. A questão indígena e a demarcação de terras são, infelizmente, o subterfúgio criado sob alegação de preservar a vida e de coibir parcialmente a extração do ouro e de outros minerais, consequente e inversamente criando condições objetivas para aquartelar e blindar, por exemplo, os mananciais freáticos ainda intactos, antes mesmo que gangrenem pelas mãos irregulares do mercado do garimpo ilegal.

post scriptum imprescindível

A totalidade da análise ainda não está finalizada. Nos próximos textos desenvolveremos temática complementar. Ela aponta para dois tópicos. O primeiro levando em consideração a relação entre garimpo, manufatura do ouro, Banco central e contrabando por parte de empresas internacionais. De modo segundo, desenvolveremos a ideia de que precisamos construir uma maneira de nos solidarizarmos com os povos oprimidos sem nos colocarmos ao lado do identitarismo. Numa perspectiva humanista, cabe dizer que a morte dos oprimidos é sentida e sempre passível de inteira solidariedade, seja no passado ou no presente. Não é, portanto, a nosso ver, algo desimportante.

Para o marxismo, é histórico o fomento de proposições com descrição e denúncia da situação dos párias sociais em contextos diversos, sob o prisma de uma alteridade que antevê e auxilia nas pautas da organização do sofrimento coletivo como um dos meios a partir dos quais as lutas históricas merecem ser objeto de investimento político. Nossa tradição está marcada por isso. O espírito de identificação com os oprimidos deverá vir sempre a tona, e não devemos nos furtar de tratar do assunto. Jamais será uma questão menor, mesmo cabendo dizer que nossa posição diverge radicalmente em natureza dos discursos do quarto poder (a grande mídia), que serve de correia de transmissão das hegemonias ideológicas exportadas através de hollywodianismo repaginado e continuamente ressignificado.

Há uma brecha para pautarmos o tema de uma maneira diferente, porque a escrita que é forjada a partir do sangue dos que ficaram pelo caminho é produzida com as tintas provenientes da razão, da história, do ódio que se expandiu e das lágrimas que não desertaram dos abatidos, as quais regam o solo de sua morada: a “verdade” da escrita acerca luta de classes jamais prescindirá de trazer à tona a emergência dessas tintas.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.