Imperialismo e o consórcio militarista (W3C) que universalizou as ideologias antissoviéticas.

Por Leonardo Lima Ribeiro

O presente texto leva em consideração a relação entre DARPA, MIT e W3C, de modo a apontar para a assertiva da implosão das linguagens revolucionárias e emergência distópica do tribalismo digital. Inicialmente, é fundamental atentarmos para o W3C, de modo a compreendermos o tamanho do inimigo que pariu o mundo tribalista ideológico que vivemos no presente, através das vias digitais interwebs. Iniciemos com a seguinte citação:

O World Wide Web Consortium (W3C) foi fundado por Tim Berners-Lee depois que ele deixou a Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN) em outubro de 1994. Foi fundado no Massachusetts Institute of Technology Laboratory for Computer Science (MIT/LCS, CSAIL) com o apoio da Comissão Europeia e da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA), que foi pioneira na Internet e sua antecessora ARPANET.

Por que será que um indivíduo que criou um sistema de codificações e formatação de linguagem que é a medula da internet, junto com setores diversos, saiu de dentro de um órgão de pesquisas nucleares, partindo da Europa para assentar no MIT? A pergunta retórica permite apostar numa mescla simbiótica, posta de modo cristalino como resposta. A pergunta tem sua resposta na necessidade da fusão entre pesquisas nucleares, militarismo, imperialismo e estrutura de fundamentação da internet como forma predeterminada de comunicação humana no âmbito virtual, tomando como base códigos como HTML, CSS e JAVA. 

O “nosso mundo” de hoje (o das redes), ou melhor, “nossos modos de percepção” os quais projetam condutas e interesses é diretamente predeterminado pelo que está supramencionado enquanto véu ideológico inerente ao projetamento de formas de ser e de agir. Sem dúvida, não custa lembrar que tal pano de fundo é a visão de totalidade de processos endógenos ao capital enquanto máquina abstrata cuja metafísica se assentou teluricamente com sua história de avanços, recuos, crises e tensões entre armas e tecnologias geopoliticamente móveis, forças estatais em sua multiplicidade, modos de comunicação endógenos às indústrias culturais e, mais fundamentalmente, processos produtivos que inserem em maior ou menor escala os despossuídos sob as leis da mais-valia que lhes arranca ou consome a inteira energia para que a propriedade privada avance em sua expansão. 

O que é patente é que quem está por trás do W3C em meio aos fatos mencionados que estão amarrados à dinâmica do capital é a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA – Defense Advanced Research Projects Agency). Ou seja, uma agência voltada ao desenvolvimento de tecnologias cujo pano de fundo é o horizonte da defesa militar e geopolítica dos EUA, que tem como pontos genéticos o desenvolvimento de pesquisas nucleares europeias que visam desde seu início a produção de uma contrainteligência antissoviética num contexto de disputa própria das corridas espaciais. 

Seus pontos nevrálgicos são atualizados sob tal pano de fundo, mas se diferenciando em primeiro nível com a produção da medula de uma teia (web) de comunicação preestabelecida por protocolos que estruturam o esqueleto da comunicação virtual enquanto instrumento de defesa norte-americano. De acordo com o próprio site da DARPA, podemos atestar, sem maiores tergiversações, seu objetivo maior, sob o prisma de sua história:

Por sessenta anos, a DARPA manteve uma missão singular e duradoura: fazer investimentos cruciais em tecnologias inovadoras para a segurança nacional. A gênese dessa missão e da própria DARPA data do lançamento do Sputnik em 1957, e de um compromisso dos Estados Unidos de que, a partir de então, seria o iniciador e não a vítima de surpresas tecnológicas estratégicas. Trabalhando com inovadores dentro e fora do governo, a DARPA tem cumprido repetidamente essa missão, transformando conceitos revolucionários e até mesmo aparentes impossibilidades em capacidades práticas. Os resultados finais incluíram não apenas capacidades militares revolucionárias, como armas de precisão e tecnologia furtiva, mas também ícones da sociedade civil moderna, como a Internet, reconhecimento automatizado de voz e tradução de idiomas e receptores do Sistema de Posicionamento Global pequenos o suficiente para serem incorporados em inúmeros dispositivos de consumo. A DARPA busca explicitamente mudanças transformacionais em vez de avanços incrementais. Mas não realiza sua alquimia de engenharia isoladamente. Trabalha dentro de um ecossistema de inovação que inclui parceiros acadêmicos, corporativos e governamentais, com foco constante nos Serviços militares da Nação, que trabalham com a DARPA para criar novas oportunidades estratégicas e novas opções táticas. Por décadas, esse ecossistema vibrante e interligado de diversos colaboradores provou ser um ambiente estimulante para a intensa criatividade que a DARPA foi projetada para cultivar. A DARPA é composta por aproximadamente 220 funcionários do governo em seis escritórios técnicos, incluindo cerca de 100 gerentes de programa, que juntos supervisionam cerca de 250 programas de pesquisa e desenvolvimento. A DARPA faz um grande esforço para identificar, recrutar e apoiar excelentes gerentes de programa – indivíduos extraordinários que estão no topo de suas áreas e estão famintos pela oportunidade de ultrapassar os limites de suas disciplinas. Esses líderes, que estão no centro da história de sucesso da DARPA, vêm da academia, indústria e agências governamentais por períodos limitados, geralmente de três a cinco anos. Esse prazo alimenta a urgência de assinatura DARPA para alcançar o sucesso em menos tempo do que pode ser considerado razoável em um ambiente convencional. Os gerentes de programa abordam os desafios de maneira ampla, abrangendo desde a ciência profunda até os sistemas e as capacidades, mas, em última análise, eles são movidos pelo desejo de fazer a diferença. Eles definem seus programas, estabelecem marcos, reúnem-se com seus artistas e acompanham assiduamente o progresso. Mas eles também estão constantemente sondando a próxima grande novidade em seus campos, comunicando-se com líderes da comunidade científica e de engenharia para identificar novos desafios e soluções potenciais. Os gerentes de programa se reportam aos diretores de escritório da DARPA e seus suplentes, que são responsáveis ​​por traçar as direções técnicas de seus escritórios, contratar gerentes de programa e supervisionar a execução do programa. A equipe técnica também é apoiada por especialistas em segurança, questões jurídicas e de contratação, finanças, recursos humanos e comunicações. Essas são as pessoas que possibilitam aos gerentes de programa alcançar grandes feitos durante seus mandatos relativamente curtos. No nível da Agência, o Diretor da DARPA e o Diretor Adjunto aprovam cada novo programa e revisam os programas em andamento, ao mesmo tempo em que definem as prioridades de toda a Agência e asseguram um portfólio de investimentos equilibrado. A DARPA se beneficia muito de autoridades de contratação estatutárias especiais e veículos de contratação alternativos que permitem à Agência aproveitar rapidamente as oportunidades para avançar em sua missão. Esses recursos legislados ajudaram a DARPA a continuar a executar sua missão de forma eficaz.

Embora estando em espaços muito bem definidos (seja ou não nossos lares), o W3C tem lugar e endereço nucleares, a saber: o MIT. O W3C fundamenta não apenas como a vigilância militar da DARPA atravessa toda a história do WWW (World Wide Web), mas também as nossas histórias virtuais performáticas como complemento estrutural de produção de informações e interpelação de sujeitos/usuários ancorados aos processos das redes sociais, que desaguam no google e no recente metaverso zukerbergiano. São a toada que tem capilaridade transversal a todos os computadores virtualmente conectados. Nas palavras de Mark Zukerberg, “criador” do facebook, que é ressignificado na forma de um metaverso que subsume o instagram

Tenho o prazer de anunciar que iniciamos um novo grupo no Facebook chamado Building 8, focado na criação de novos produtos de hardware para avançar em nossa missão de conectar o mundo. Essa equipe será liderada por Regina Dugan, que mais recentemente liderou o grupo de Tecnologia Avançada e Projetos do Google, e antes disso foi Diretora da DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency – DARPA ). Estou animado por Regina aplicar o desenvolvimento inovador no estilo DARPA na interseção da ciência e dos produtos à nossa missão. Esse método é caracterizado por prazos fixos e agressivos, uso extensivo de parcerias com universidades, pequenas e grandes empresas e objetivos claros para o envio de produtos em escala. Estaremos investindo centenas de pessoas e centenas de milhões de dólares nesse esforço nos próximos anos. Estou animado para ver avanços em nosso roteiro de 10 anos em realidade aumentada e virtual, inteligência artificial, conectividade e outras áreas importantes. Welcome to Facebook, Regina! (ZUCKERBERG).

Em primeira chave de leitura do problema apontado parece que deveria ser obrigatoriedade de toda e qualquer esquerda que não tema dizer seu nome estabelecer formas de contrainteligência que estejam assentadas nesta esfera da realidade supramencionada. Mas como sabemos, a maior parte das alas ditas progressistas está pouco disposta a encarar de frente o que está acima relatado. 

Por questões que podem ser sinalizadas e por determinado prisma de reflexão, a famigerada festividade e lacração identitária nas redes sociais pode ser vista como um dos sintomas de colonização do pensamento crítico não apenas por parte das escolas como aparelhos ideológicos de estado burguês (cf. Althusser), mas pela dobra nos processos dinâmicos do capital a qual é designada como uma teia (web). 

É sintomático que a esquerda progressista neoliberal (cf. Nancy Fraser) tenha escamoteado o lugar de uma luta real no solo dos processos de comunicação previamente estruturados, trocando-os por protocolos de reconhecimento sociovirtuais os quais podem ter como causa parcial a fundação e amadurecimento das engrenagens do W3C a partir de 1945. 

Seja na forma de perceber a si ou aos inimigos cabe enfatizar que as abstrações que parcializam os combates que servem de pauta para as lutas sociais não são apenas sinal de capitulação e instrumentalização de certas enunciações da esquerda por parte do capital, uma vez que miram indícios que apontam para uma derrota do socialismo, da emancipação humana e de qualquer possibilidade de projetar tal emancipação no horizonte próximo. No limite, e não por acaso, podemos então remeter ao seguinte relato enfático:

Apesar dos avanços tecnológicos das últimas décadas, com a farta disponibilidade de fotografias por satélite ou até a aparição de ferramentas como o Google Maps ou Google Earth facilitando o acesso do público em geral aos mapas, a cartografia segue sendo uma arma no arsenal do poder relativamente restrita, por um lado porque a capacidade de ler um mapa sob uma visão estratégica é um saber pouco popular, como argumenta Lacoste, por outro porque a identificação de determinados pontos estratégicos, a escala e o nível de detalhamento contam – e por vezes são omitidos. A centenária prática da censura cartográfica se mantém não apesar da tecnologia, mas nela própria. As imagens de satélite de Israel e da Palestina ocupada no Google Maps, por exemplo, são disponibilizadas somente em baixa qualidade, tornando a infraestrutura das cidades quase inidentificável em grande escala (a partir da escala 50m o fenômeno fica claro). Uma abundante quantidade de instalações militares pelo mundo – incluindo o quartel-general da OTAN – são intencionalmente borradas na plataforma. E há também uma quantidade imensa de instalações militares por todo o globo não identificadas pelo serviço. Em 2017, uma série dessas instalações – algumas delas sigilosas – foram acidentalmente reveladas por um site desenvolvido pelo aplicativo de exercícios Strava. Espécie de rede social para corredores e ciclistas, o Strava se conecta a dispositivos para medir rotinas de exercício. O aplicativo, muito popular entre os soldados norte-americanos, lançou um “mapa de calor” com base nas rotas de corrida dos usuários, que acabou revelando o traçado de bases militares na Síria, Mali, Afeganistão, Djibouti, e até uma base de drones em construção no Níger. (Cf. MARIN, P.) 

Evidentemente, as crises do capital e as pressões para garantir a subsistência da economia política como estrutura material da lógica burguesa é o fator fundamental para identificação objetiva da derrota das esquerdas no ocidente. Em momentos de crise aguda é preciso garantir a margem de lucro como atualização do capital na direção da expansão da propriedade privada, mesmo que seja necessário apelar para o punitivismo de estado que extrai com a força de seu porrete militar os dividendos e persiste no saque armado da vida dos trabalhadores (infoproletários ou não, cf. Ricardo Antunes) e não trabalhadores. 

Decerto, o ponto em questão é algo a ser levado em consideração como subentendido do processo de dominação do capital sobre a população desassistida, determinando também um rebaixamento das orientações teóricas que permitiriam uma práxis mais substantiva. Estômago vazio não sustenta teoria ou práxis, alimenta o abate das vítimas do processo, ao passo em que acelera o niilismo e intensifica a disputa dos desassistidos no âmago do processo produtivo considerado em toda a sua complexidade. 

De todo modo, devemos ressaltar que a crise da esquerda em seus horizontes e expectativas revolucionárias também deve ser analisada à luz de um inventário de enunciações imanentes que são singularizadas e produzidas não apenas como produto da educação sequestrada pelos ideais burgueses, pois objetivamente há uma reprodutibilidade discursiva que está assentada numa estrutura virtual que atua como antessala de primeira ordem do imperialismo. 

Eis o papel de fundo a partir do qual pode atuar o W3C, especificando em sua particularidade como meio de estruturar códigos traduzíveis  em enunciações segmentadas que apresentam inúmeras colorações e tons, subsumindo a estrutura de pensamento do indivíduo numa lógica do discurso de uma interconectividade abstrata enquanto modus operandi de uma economia do pensamento algoritmizado, tal como uma economia de princípios que enfraquecem a complexidade das avaliações de conjuntura, mesmo num contexto de imensa complexidade social. 

A ironia do processo é que o complexo se expande enquanto descomplexifica enunciações de grupos segmentados virtualmente sob a lógica de uma linguagem estruturalmente fixada pela W3C e dobras perfumadas que a mascaram na forma do simulacro das redes sociais. Acreditamos que é este o pano de fundo que nos permite identificar uma crise ou um bloqueio na complexidade de manufatura de avaliações críticas de mundo, mesmo quando se fala em crítica ao modo daquilo que é compreendido como “sendo de esquerda”, inclusive quando se trata de uma esquerda com “inventários críticos”, uma vez que estão pautados em camadas monolíticas que estão cristalizadas como campos de pertencimento e reconhecimento extremamente parciais e egocentrados. 

As redes sociais estruturadas pelo MIT e pela Darpa criam espaços de pertencimento egocentrados cujo narcisismo fala mais alto, lá mesmo quando temas diversos são compartilhados. Trata-se de uma crise do pensamento crítico feito para castrar a práxis como forma histórica de ação significativa, embora dialeticamente existam setores que tenham a clara compreensão dos problemas e limites da internet quando se trata de produzir organizações que pautam lutas em sua multiplicidade.  

Ressaltemos que tal(ou tais) esquerda(is) progressista(s), integrada(s) apocalipticamente a um dos eixos do sistema capitalista, por meio de um neoliberalismo algoritmizado (cf. Shoshana Zuboff) do desterro humano o qual é fio condutor da barbárie, também não faz questão de acompanhar ou mesmo engendrar significativamente uma crítica ontológica do ser social do imperialismo no bojo da DARPA, que em nossos lares está presente através de financiamentos imperialistas os quais pautam protocolos estruturantes de nossos modos de perceber, avaliar e enunciar informações no registro de uma economia da atenção (cf. Biagio Quattrocchi e Pietro Bianchi).  

Na percepção do autor deste presente artigo, é absolutamente inadmissível o silêncio ensurdecedor da negligência daqueles que se dizem nossos aliados. Cabe aqui então não apenas especificar o tema da denúncia de órgãos de estruturação capitalistas voltados aos modos de os indivíduos se relacionarem pelas vias dos comumente chamados espaços virtuais (“virtualidade DARPA”), uma vez que é necessária a análise por meio da qual emerge a proposta de tentar compreender como e porque tal negligência existe a partir de interesses de classes, que constroem o estranhamento alienado dos quadros que se dizem progressistas no bojo das próprias redes sociais. 

Como agravante, vale acrescentar à análise da estrutura da DARPA – enquanto instância de defesa e segurança militar que empreende a dinâmica dos objetivos do W3C – a dinâmica que a expande por meio das redes sociais enquanto performatividade social. Nesta toda, citemos trecho de recente artigo de Zizek:

Um dos nomes para “tomar a pílula azul” é o projeto de Zuckerberg, o Metaverso: tomamos a pílula azul ao registrar-nos no metaverso, onde as limitações, tensões e frustrações da realidade comum são magicamente deixadas para trás – mas temos que pagar um preço por isso: “Mark Zuckerberg ‘tem controle unilateral sobre 3 bilhões de pessoas’ graças à sua posição intocável no topo do Facebook, disse a delatora Frances Haugen a parlamentares britânicos ao demandar uma regulação externa urgente para controlar a gestão das empresas de tecnologia e reduzir o dano por elas infligido à sociedade.” A grande conquista da modernidade, o espaço público, assim desaparece. Dias depois das revelações de Haugen, Zuckerberg anunciou que a sua empresa mudará seu nome de “Facebook” para “Meta”, e descreveu sua visão do “metaverso” em um discurso que é um verdadeiro manifesto neofeudal: “Zuckerberg quer que o metaverso, em última análise, englobe o resto de nossa realidade – conectando partes do espaço real aqui com partes do espaço real ali, enquanto subsume totalmente o que consideramos o mundo real. No futuro virtual e aumentado que o Facebook planeja para nós, não é que as simulações de Zuckerberg se alçarão ao nível da realidade, mas que nossos comportamentos e nossas interações se tornarão tão padronizadas e mecânicas que nem sequer fará diferença. Em vez de imitar expressões faciais humanas, nossos avatares podem fazer gestos icônicos de joinha. Em vez de compartilhar o ar e o espaço conjuntamente, podemos colaborar em um documento digital. Aprendemos a reduzir nossa experiência de estar juntos com outro ser humano a ver sua projeção sobre um quarto como uma personagem de Pokémon de realidade aumentada.” O Metaverso agirá como um espaço virtual para além (meta) de nossa realidade dolorosa e fraturada, um espaço virtual em que interagiremos agradavelmente através de nossos avatares, com elementos de realidade aumentada (realidade sobreposta por signos digitais). Ele não será nada mais do que a metafísica atualizada: um espaço metafísico que subsume completamente a realidade, que poderá entrar nele em fragmentos, desde que seja sobreposta por diretrizes digitais que manipulam nossa percepção e intervenção. E o truque é que receberemos um comum que é uma propriedade privada, com um senhor feudal privado supervisionando e regulando nossa interação […] Idealmente, podemos imaginar máquinas simplesmente alimentado a si mesmas, produzindo peças mecanizadas e energia. Por mais perversamente atraente que seja, esse prospecto é uma fantasia ideológica: o capital não é um fato objetivo, como uma montanha ou uma máquina, que continuará existindo mesmo se todas as pessoas ao seu redor desaparecessem. Ele existe apenas enquanto um Outro virtual de uma sociedade, uma forma reificada de relação social, da mesma maneira que os valores das ações financeiras são o resultado da interação de milhares de indivíduos, mas aparecem para cada um deles como algo dado objetivamente. (ZIZEK).

No limite será aqui então possível apontarmos não apenas para uma derrota do socialismo sob os auspícios de uma revolução humana, mas da própria falta de condições e forças da esquerda (tomada aqui em um sentido genérico que toma as interpelações da burguesia como meio de seu esgarçamento) em derrotar a ascensão crônica da extrema-direita mundial, tanto quanto é possível exprimir elementos processuais que permitem a assertiva de que a própria esquerda em questão anuncia evidentes sinais de autofascistização. Na falsa luta contra o inimigo é o tornar-se o inimigo que passa a ser um problema de imensa complexidade. 

Contra a extrema-direita é possível dizer que a esquerda se endireitou, em nível social, político, econômico, comunicacional e virtual. Compreendamos aqui virtual nos termos que o consórcio imperialista impõe como protocolo e sistema contínuo de regras do pós-guerra, e que avança vitoriosamente pelo século XXI nas interwebs e sistemas plurais de abstrações de experiências e discursos aparentemente humanos. 

Chegamos numa situação tão absurda que agora podemos identificar uma nova categoria para designar socialmente o atoleiro, ou melhor, a areia movediça em que mergulhamos. Estamos vivendo nos tempos do Progressismo Regressivo Imperialista pulverizador de países neocoloniais e de seres humanos que deverão ter seus traços apagados e afetos escamoteados em função do financeirismo tecnológico algoritmizado, cuja missão é fazer as máquinas avançarem, e a maior parte dos laços passíveis de vínculos entre os explorados serem completamente impossibilitados de se encontrarem nas diferenças. 

A burguesia e a extrema-direita iniciaram este processo; a esquerda pró-império dará o arremate com toda a sua hipocrisia estética, a confundir traços de gente com aspectos e semblantes de simulacros pautados por grandes bancos, que especulam com as visões de mundo para esgarçar todo e qualquer tipo de solidariedade. 

É a partir daqui que precisaremos atentar para os elementos mais concretos do fascismo no século XXI. Um capitalismo progressista regressivo está a avançar tecnologicamente, ao passo em que pulverizará os aspectos humanos que, em latência, poderiam unificar corpos e espíritos coletivos. Condomínios virtuais e linchamentos hodiernos são apenas os sintomas complementares do que está sendo forjado, por cima do cemitério de pessoas que sobrevivem na invisibilidade e sem ossos de animais em suas mãos e bocas. É o paroxismo do que alguns chamaram de americanismo como desdobramento de políticas nazistas após 1945.

O cloroquinês é muito mais amplo do que se imagina, abarcando inclusive a “ciência” instrumentalizada como política de Estado. Isso está pulverizando “verdade” no sentido mais sincero da palavra, na forma e no conteúdo. Crise que demarca o colapso de todos os horizontes humanos possíveis. Sem a verdade como horizonte material pelo qual uma boa luta histórica é feita não há visão que imponha a construção de um futuro como temporalidade humana que esteja assentada no ânimo do povo. A implosão da verdade em inúmeras fissuras pseudodiscursivas (tornando todo e qualquer tipo de valor moeda de troca na especulação financeira e no marketing de conteúdo) implodiu em paralelo as expectativas humanas mais universais, e está engendrando no lugar o enterro daquilo que conhecíamos por civilização (mesmo aquela no sentido burguês). 

No limite, quem ganha com isso são o capital e a burguesia, que apostam no fim do mundo humano em troca de lastros de mais-valor assentados na barbárie, uma entropia genocida feita para abrir espaço pelo mundo por meio da morte em massa. Imaginar que, enquanto isso, até “as esquerdas” brincam de fazer memes com suas pautas anticomunistas, antichinesas e pseudocientíficas apenas conduzirá os países para as mãos da extrema-direita, contrarrevolucionando em escalas mais ou menos diferenciais as culturas locais que atravessam o tecido social. Claro, levo aqui em consideração que alguns setores da própria esquerda pró-sistema capitalista transformar-se-ão em nova espécie de extrema-direita (tal como o identitarismo ou “políticas de identidade”, que já apresentam inúmeros sinais de intenso reacionarismo fascistoide). 

O cloroquinês é, portanto, a forma de demonstrar que não só a sabedoria é acumulável, pois a tolice como grandeza ideológica segue como toada de todo o espectro econômico político do Planeta. Por conseguinte, pensar que tal problema será resolvido com eleições é o mesmo que crer que, do inferno em que nos encontramos, advirá necessariamente o céu na Terra como um passe de mágica, na mais cínica e picareta das inércias. 

Por conseguinte, não por acaso é a religião que toma de conta do juízo das massas, que contra a crítica da economia política e organização popular impõe através dos meios de comunicação o Deus/Jeová punitivo do antigo testamento como figura e objeto de fé, a ser encarnado em seus bizarros líderes. O arremate é o de que a burguesia, ao fim e ao cabo, pensa que isso é uma espécie de bife suculento. Neste sentido, bastará uma simples mordida com dentes de ferro e boca de chumbo para mandar tudo pelos ares. Tal será o próximo passo no oceano de desgraças em que Ocidente novamente mergulhará.

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