Por Romero Venâncio (UFS)
O teólogo belga/brasileiro/nordestino José Comblin faz 100 anos. Ou louvando a quem bem merece. Conheci de perto o pe. José Comblin em duas situações diferentes. Primeiro, no ITER (Instituto de Teologia do Recife) onde ensinava História da Igreja (primeira Igreja e a Patrística). Impressionante o conhecimento e erudição no tema. Mas sem aquele ranço conservador de acreditar que o passado é a única coisa que define a Igreja. Era crítico das equivocadas leituras dos “antigos padres” sem colocar a fé em situação constrangedora. Sabia da sabedoria do passado para a Igreja mas sem ofuscar os tempos presentes. Os valores que enfatizava nos estudos da “Igreja primitiva” eram sempre os comunitários, proféticos e a coerência com a escolha da fé no Cristo ressuscitado que a primeira comunidade fez. Sempre imaginei que ele tinha um método de ensino totalmente antenado com o espírito do Concílio Vaticano II e com a sabedoria patrística. Segundo momento, foi na cidade de João Pessoa nos anos 90 quando ele veio morar nas aproximações da capital paraibana e através do professor Alder Julio Calado (um dos mais sinceros discípulos de José Comblin. Alder sempre soube articular Comblin com Paulo Freire sem menos ou mais).
Imagino sempre três variantes do Teólogo Comblin: o escritor, o homem de projetos missionários, o homem com um sentimento de latinidade.
O escritor. Comblin era um escritor compulsivo. Escrevia todo o tempo que lhe fosse possível. Uma espécie de “Sartre da Teologia”. Nunca sei exatamente quantos livros, artigos, capítulos de livros ou texto de ocasião este homem publicou. E sei que não escrevia para contar suas publicações. Comblin em nada, nada se parece com esse produtivismo acadêmico brasileiro (sempre doentio e inócuo). A preocupação dele era a reflexão e renovação. Um Teólogo para Comblin era um ser de pensamento e pesquisa. Não faz sentido um Teólogo que não pesquisa, não se atualiza. Mas isto não é tudo na vida de um Teólogo.
A teologia requer uma práxis. A atividade pastoral de um teólogo na vida concreta das pessoas tem seu valor incontornável. Não se escrever para se alienar. Se escreve para se libertar. Comblin via na escrita teológica uma forma de pensar a libertação. Libertação do Êxodo, profética, cristã, popular… Latino americana. A escrita de Comblin é sempre representativa em seus temas de livros: Jesus, Atos dos Apóstolos, Igreja, Trindade, antropologia, Cidade, Missão, Formação, CEB`s… Impressionante a quantidade de livros e temas em teologia.
O homem de projetos missionários. Comblin toda sua vida foi um homem de fé. Viveu momentos turbulentos da Igreja no Século XX. Viu os “invernos” e “primaveras” da Igreja na Europa e América Latina. A experiência do Teólogo pesou em sua formação e suas escolhas pastorais. Comblin num filme documental sobre Dom Helder Câmara afirmou que, quando o Arcebispo de Olainda e recife via alguém, sempre via ali um projeto. Eu afirmo que Comblin era assim. Via pessoas vinculadas a projetos de vida, pastoral, libertador. Comblin já nos anos 60 pensava projetos pastorais vinculados a vida das pessoas em seu lugar de existência e de trabalho. Pensar a teologia vinculada ao trabalho em sentido paulino foi uma marca da teologia de Comblin. Sempre reclamou dos padres/seminaristas não “trabalharem” (em termos de oficio como qualquer ser humano).
Separar um jovem pobre de sua família e seu lugar de vida, lhe dar uma vida de “classe média” nos seminários e formá-lo numa bolha, corre-se um sério risco de formar um “padreco pequeno burguês”, distante das reais condições do povo. E isto é sério. Não é apenas chavão. Comblin via nos projetos missionários populares (campo e cidade) uma alternativa à clericalização da Igreja no Brasil. A “Teologia da enxada” foi o início… Depois vieram as experiências de centros de formação missionária no campo. E depois vieram as primeiras experiências de formação missionárias nas periferias das cidades no Nordeste (jamais exclusivo apenas ao Nordeste). Formar teologicamente os leigos para ação no mundo dos pobres. Comblin e o monge João Batista foram fundamentais para a Comunidade Bom Pastar de Aracaju, por exemplo. Os exemplos poderiam se multiplicar por aqui. Mas fiquemos apenas com isto: Comblin foi um teólogo da práxis. Até o fim de sua vida.
O sentimento de latinidade. Comblin sempre chamou a atenção para nossa condição de brasileiros/brasileiras na América latina. Somos latinos. O Brasil tem um problema sério em ser latino americano. O nosso eurocentrismo e herança colonial é muito impactante. Uma das características centrais da Teologia da Libertação foi nos colocar enquanto igrejas no coração da América Latina. A Pátria Grande como dizia Pedro Casaldáliga. Comblin viajou muito aos países latino americanos e sempre tinha algo a nos dizer. As experiências políticas, pastorais e das organizações populares. Sabia bem do marxismo latino americano, das experiência de inculturação de uma teologia indígena, das lutas populares por terra, água, comida, moradia, direitos… Uma teologia latino americana sempre aparecia em suas reflexões teológicas.
Por tudo e por mais, Comblin é um Teólogo do século XXI.