Revolução e Contrarrevolução Mundial (1917-2023)

Por Mário Maestri

O século 20 abriu-se sob o signo da revolução socialista e encerrou-se sob o da restauração burguesa. A destruição quase completa dos Estados operários projeta eventual cenário mundial em que a produção nacionalizada e planejada pode desaparecer da face da terra. A contrarrevolução em curso, do capitalismo em sua fase senil. constitui o maior drama jamais vivido pela história e põe em perigo a própria sobrevivência da humanidade.

1.  De 1917 à Dissolução da URSS

  1.  A classe operária propôs-se como alternativa social, na França, em 1796, na Conspiração dos Iguais. Em meados do século 19, ela assumiu sua conformação contemporânea, produzindo formas de organização e visões de mundo que expressavam cientificamente a necessidade histórica da superação da ordem capitalista, que se materializaram sobretudo no marxismo, na organização operária revolucionária, na luta pelo poder: em 1847, publicou-se o Manifesto comunista; em 1864, fundou-se a I Internacional; em 1867, editou-se O capital. Em 1871, os trabalhadores conquistaram o poder, em Paris, transitoriamente e, em 1917, o poder na Rússia, por décadas, em materialização do programa  de organização racional da sociedade.
  2. De 1918 a 1924, a expansão da revolução operária foi derrotada na Alemanha, na Áustria, na Bulgária, na Hungria, na  Itália, na Espanha, ensejando o nascimento e consolidação  do fascismo, na Itália [1922], do nazismo, na Alemanha [1932]. da burocracia stalinista, na URSS [1930]. O refluxo do impulso revolucionário de 1917 abriu as portas à II Guerra e às teorias-práticas fascistas, racistas,  genocidas, stalinistas, etc.
  3. A guerra inter-imperialista, a partir de 1939,  ensejou retomada revolucionária, controlada, abafada e reprimida pela burocracia stalinista, que restringiu igualmente o dinamismo permitido pela nacionalização e planejamento da economia em vastas regiões do leste europeu, motivando, mais tarde, as revoltas operárias e populares na Alemanha Oriental [1953], na Hungria [1956], na Polônia [1970], etc. 
  4. Apesar da repressão imperialista, da traição social-democrata e do parasitismo burocrático-stalinista, as revoluções anticolonial,  anti-imperialista e socialista  avançaram na Ásia, na África e nas Américas – China [1949], Coreia do Norte, Egito [1952], Argélia [1956], Cuba [1959], Vietnã [1974], Angola [1975], Moçambique [1975], etc.  Em alguns casos, foram impostos em diversos graus a nacionalização da propriedade e o planejamento da economia – China, Cuba, Vietnã, etc.
  5. Nos anos 1960, o impulso revolucionário invadiu a Europa: jornadas anticapitalistas na França e na Itália, e anti-burocráticas na Tcheco-Eslováquia, já sob pressão anti-socialista, etc. Com a guerra no Vietnã, os USA foram abalados pelos movimentos pacifistas, hippie, negro, etc. A volta da revolução mundial à ordem do dia fortaleceu as concepções racionalistas, marxistas, humanistas, feministas, socialistas, etc. 
  6. Em 1974, a derrota militar no Vietnã, na Camboja e no Laos aprofundou a depressão do imperialismo ianque, por longos anos incapaz de intervir militarmente no exterior. Mantendo-se o núcleo central da classe operária estadunidense impermeável às mobilizações pacifistas e antirracistas, a fratura do consenso  nos USA [1960-70] expressou-se sobretudo como rejeição à cultura, ao comportamento e ao consumo capitalistas. Aquela fratura foi soldada com o fortalecimento do consenso capitalista, a partir dos governos Reagan [1981-89], já sob o avanço da contra-revolução.
  7. A maré revolucionária esmoreceu em fins dos anos setenta, retrocedeu nos anos oitenta, foi batida em inícios dos anos noventa, com a vitória mundial da contra-revolução liberal em 1989-91. Contribuíram para esse desastre: a coesão da ordem burocrático-stalinista, nos Estados operários, e da social-democracia, na Europa Ocidental; os golpes de Estado no Brasil [1964] e na Indonésia [1965];  as derrotas das revoluções chilena [1973], portuguesa [1976]; afegã [1988-9], etc. Após a dissolução da URSS, as  revoluções nicaraguense [1978] e salvadorenha pactuaram a entrega do poder.
  8. Nos Estados operários, a incapacidade da classe operária de sobrepor-se ao parasitismo e ao nacionalismo das direções burocráticas, que esgotavam o dinamismo permitido pela expropriação da propriedade privada e planejamento da economia, abriu fortemente o caminho para a restauração capitalista. 
  9. Nesse processo, contribuiu igualmente o conflito sino-soviético; a aliança Pequim-Washington [1972], em viés anti-URSS; a restauração capitalista chinesa [1978]; o armamentismo fomentado pelos USA-Otan; a política das burocracias dos Estados operários de defender-se com as forças armadas, mantendo a ilusão de uma possível coexistência pacífica e, portanto, sabotando sistematicamente a revolução mundial.
  10. Nos Estados operários consolidaram-se facções burocráticas apoiando a restauração capitalista, comumente financiadas-orientadas pelo imperialismo. Os empréstimos internacionais; a adoção de princípios, métodos, etc. de gestão capitalistas e associações econômicas com  grande capital, etc. corroeram e debilitaram a economia socialista,  construída em marcos nacionais, facilitando a marcha da contrarrevolução.
  11. O impasse da revolução mundial; a estagnação econômico-tecnológica dos países operários, que jamais planejaram suas economias em forma solidária e supranacional -“socialismo em um só país”; a reação capitalista, apoiada no avanço tecnológico, na super-exploração do trabalho, na rapinagem imperialista, etc., permitiram a vitória mundial da contrarrevolução e a dissolução da URSS, em 1989-91. 
  12. Partidos comunistas europeus, sob a pressão do imperialismo, das classes médias, da estagnação dos países socialistas, radicalizaram a colaboração de classe, orientação política decenal de Moscou, rompendo com esse último, através de valorização estrutural da democracia e da ordem burguesa – o “euro-comunismo” foi a antecâmara de suas adesões ao social-liberalismo.  
  13. A contrarrevolução mundial foi comandada pelo imperialismo anglo-estadunidense, sob a direção do governo Reagan [1981-89], com a importante derrota da greve dos controladores aéreos [1981]; do governo de Margaret Thatcher [1979-1990], com a  derrota da greve nacional dos  mineiros; pelo papa  Woytilla [1978-2005],  galvanizando a população polonesa e reprimindo a Igreja progressista através do mundo.

2. 1989-1991: Derrota Histórica dos Trabalhadores

  1. Em dezembro de 1989, com os trabalhadores sem direção classista e revolucionária,  o Muro de Berlim ruiu sob a pressão-atração do capitalismo triunfante. Essa derrota histórica do mundo do trabalho iniciou Era Contra-Revolucionária, que se mantém até hoje. Ela anulou enormes conquistas dos trabalhadores nos países capitalistas e recuperou imensas áreas que escaparam à produção capitalista desde 1917. 
  2. A restauração capitalista foi saudada por grupos maoistas sobreviventes à aliança Pequim-Washington [1972] e à restauração capitalista chinesa [1978]. O trotsquismo, massacrado pelo stalinismo, nazismo, fascismo, japoneses, titoísmo, etc. [1930-194], reorganizado-se confusamente no após-guerra, em crescimento relativo, viu comumente na restauração capitalista o início da “revolução política” – caso sobretudo de mandelistas, morenistas, lambertistas, etc. 
  3. No novo mundo unipolar ianque, o capitalismo em sua fase senil impulsionou até onde pode a  reorganização material e espiritual das múltiplas esferas da vida social. A independência e a unidade nacional de nações insubmissas foram atacadas militarmente ou não, em forma direta e indiretamente. Em 1991, a destruição e massacre da Iugoslávia pôs fim à retração militar USA desde a derrota no Vietnã, e consolidou a sua hegemonia militar e política sobre a União Europeia. 
  4. Organismos mundiais – FMI, Banco Mundial, OMC, OCDE, Fórum de Davos, ONU, etc. – impuseram a liberalização e precarização das relações trabalhistas;  confisco de conquistas sociais; privatizações das propriedades públicas; cortes nos serviços e investimentos; arrocho salarial; endividamento público, etc.  A precarização das condições de vida avançou no próprio coração dos países de capitalismo desenvolvido. A expropriação financeira e econômica motivou crises mundiais setoriais – Grécia e Turquia [1992]; México [1994-5]; sudeste asiático [1997-8]; Rússia [1998]; Brasil [1999]; Argentina [2001-2]. 
  5. Forma impostas, até onde foi possível, a flexibilização das relações trabalhistas; a terceirização de esferas produtivas; o princípio do just in time, da polivalência; a subsunção pessoal e ideológica do trabalhador à empresa; o deslocamento industrial; o desemprego estrutural e conjuntural; uma classe trabalhadora mais fragmentada, mais heterogênea, mais instável. A diminuição e destruição de ramos produtivos tradicionais acompanharam o avanço da universalização das relações capitalista e o surgimento de novos -e fortalecimento de antigos- segmentos da produção e serviços, submetidos à acumulação de capitais – cultura, escola,  informação,  lazer,  moradia,  saúde,  segurança,  sexualidade, etc.  
  6. A contrarrevolução vitoriosa fortaleceu a metamorfose social-liberal de partidos-organizações operários. Multidões de intelectuais de esquerda desmoralizaram-se, entregaram-se ao derrotismo, passaram de cuia e mala ao campo do capital. Deprimiu-se o prestígio do racionalismo e do marxismo, fortalecendo o  irracionalismo, individualismo, hedonismo, consumismo, exclusivismo, que ensejaram ciclos comportamentais, literários, cinematográficos, etc. – vampiros, walking deads, identitarismo, evangélicos, etc.
  7. Propôs-se a morte da revolução e do socialismo; o caráter ontologicamente reformista do proletariado; a substituição do “mundo social” pela “sociedade civil”; uma “era pós-industrial” e “pós-moderna”. Definiram-se a revolução social como mito ideológico macabro e a derrota da URSS como prova da obsolescência do socialismo e do marxismo. Propôs-se o início de nova fase de progresso e felicidade social  garantida pelo desenvolvimento incessante e pacífico de economia capitalista de mercado milenar.
  8. A euforia da contrarrevolução foi transitória, ruindo sob o prosseguimento da exploração capitalistas e imperialista desapiedada e da luta de classes contra o capital e o imperialismo, mesmo já não tendo como meta a revolução.  A destruição e expropriação dos Estados operários determinaram o desemprego, a guerra, o nacionalismo, novas doenças, a fome espiritual e material,  o massacre físico e moral de milhões de trabalhadores, com um relançamento indiscutível do dinamismo capitalista, mas muito abaixo do esperado.
  9. No novo contexto, a apologia capitalista abandonou a promessa da abundância geral pela defesa da miséria, egoísmo, individualismo, violência como atributos naturais e necessários ao desenvolvimento social. As concessões de direitos sociais universais foram propostas como inviáveis e substituídas por programas de alcance limitada, comumente dirigidos para segmentos do lupemproletariado, destinados a nascer e viver  na miséria – “fome zero”,  “bolsa família”, etc.
  1. Em meados dos anos 1990, esgotada a fase gloriosa da contrarrevolução, conheceu-se uma tímida contraofensiva democrática. Na Itália – 1996; na França e na Inglaterra – 1997; na Alemanha – 1998 etc., com as vitórias eleitorais de partidos  social-democratas, socialistas, etc. convertidos ao social-liberalismo, não raro opções do grande capital devido as suas audiências entre a população e os trabalhadores. 
  2. Eles naturalizaram a exploração e submeteram os trabalhadores às exigências gerais da ordem capitalista em crise, perdendo na continuação o apoio dos trabalhadores que migraram para partidos populistas e nacionalistas de direita – França, Holanda, Itália, Dinamarca, Polônia, etc. Passaram a expressar sobretudo as classes burguesas e médias. Esse colaboracionismo abriu caminho para a agressão da OTAN à Servia, em 1998-9, e novas vitórias eleitorais da direita.
  3. Os setores de esquerda colaboracionista reduziram a luta anticapitalista e anti-imperialista à denúncia do neoliberalismo, “face perversa” de um “capitalismo reformável”. Abandonaram as reivindicações dos trabalhadores pela utopia de disciplina e mitigação, promovendo, assim, a legitimação da exploração – Taxa Tobin; orçamento participativo; políticas compensatórias;  “economia solidária”; etc. 
  4. A esquerda “altermundista” rejeitou a luta socialista, propondo “mudar o mundo, sem tomar o poder”. Impugnou a centralidade do mundo do trabalho, a favor da luta contra multiplicidade de opressões civis, propondo-as desvinculadas da opressão social. Impulsionou as ONG, organizações privadas da sociedade civil, financiadas com recursos públicos, como substituição do Estado, servindo-se delas como meio de progressão pessoal, econômica e social.
  5. O “altermundismo” promoveu o “movimento no-global” de combate à guerra, negando aos oprimidos o direito de resistência armada; defendeu como programas estratégicos a ecologia, o perdão da dívida do Terceiro Mundo, as cooperativas de produção e consumo, etc. Desde 2001, o “altermundismo”  alcançou centralização orgânica nos Fóruns Sociais Mundiais, com destaque para os de Porto Alegre, de enorme sucesso, que entraram em decadência, em grande parte deve ido à desilusão motivadas pelas administrações municipais, estaduais e federais petistas, que aprofundaram a gestão neoliberal, sem sequer ensaiar domesticação da exploração do capital.
  6. Durante as administrações democratas de Bill Clinton [1993-2001], avançou a  política de reorganização imperialista do mundo, através dos organismos internacionais e de consórcios imperialistas comandado pelos USA. A opção democrata pela “globalização” econômica acelerou a desindustrialização dos USA e dos grandes centros industriais, por áreas de maior rendimento capitalista. Mostrando-se aquela política insuficiente ao imperialismo, o grande capital entregou o governo ianque, em 2002, com golpe judicial, ao republicano George Bush II. 
  7. O novo projeto unipolar  neo-conservador [neo-cons] propunha, através de “guerras preventivas”, a imposição eterna da hegemonia USA, para controlar as reservas de matérias-primas estratégicas e submeter a situações colonial e semi-colonial regiões do mundo de seu interesse. Optou por guerras financiadas por organismos internacionais e aliados, como no   Afeganistão, ou no Haiti, onde recebeu apoio decidido da administração petista, por longos anos. 
  8. A crise inicial de consenso da  administração Bush II, derrotada nos votos, vitoriosa no “tapetão”, encerrou-se com o ataque às Torres Gêmeas [11.09.2001]. Ele permitiu galvanizar o chauvinismo estadunidense; a auto-imposição de lei marcial nos USA; a submissão do Partido Democrata à estratégia conservadora; despertar a simpatia mundial com a nação agredida; enquadrar aliados próximos e distantes à “guerra ao terrorismo”. 
  9. Em fins de 2001, a operação contra o Afeganistão, justificada pela presença de Bin Laden naquele país, preparou a proposta de assalto às reservas petrolíferas do Iraque e, a seguir, da Síria e do Irã. O objetivo era fragilizar a OPEP; depreciar o preço do petróleo; pôr fim à substituição do dólar pelo euro; dominar região com fronteiras com Kuwait, Arábia Saudita, Jordânia, Síria, Turquia, Irã. O controle do petróleo oriental era estratégico para a contensão da China capitalista, carente de matérias-primas. O ataque ao Iraque era projeto de  Bush I, após a Primeira Guerra do Golfo, suspenso com a vitória de Clinton, em 1992-2000. 
  10. Em 2003, a invasão do Iraque, cinicamente de dispor de “armas de destruição em massa”, foi precedido por uma década de bloqueio econômico-militar promovido pela ONU e por zonas de exclusão aérea anglo-estadunidense, que desarmaram o país, sob o silêncio quase universal das nações, no contexto da hegemonia unipolar estadunidense. Naquele então, o Conselho de Segurança da ONU submetia-se sem resistência aos  USA.
  11. A oposição mundial à guerra limitou o apoio da intervenção ianque aos britânicos, além de adesões simbólicas, não apenas de países europeus.  A mega-manifestação contra a guerra [15 de fevereiro de 2003] foi a primeira resposta unificada mundial ao imperialismo desde a derrota de fins dos anos 1980. O movimento dissolveu-se com a negativa “altermundista” de apoio à resistência armada iraquiana, em mais um serviço ao imperialismo.
  12. No Iraque, a dura resistência militar impediu a estabilização imperialista.  Após as eleições de 2005, os anglo-estadunidenses entregaram parte do poder a partidos pró-iranianos, registrando incapacidade de vencer a guerra sozinhos, como pretendiam. A situação do imperialismo degradou-se também no Afeganistão. Os investimentos nas guerras imperialistas foram imensos, com enorme lucros para a indústria bélica estadunidense, sobretudo.
  13. Nos anos 1950, os anglo-estadunidenses haviam o fundamentalismo islâmico contra o pan-arabismo, o socialismo, o marxismo, o  comunismo, no Afeganistão, na Arábia Saudita, no Egito, no Paquistão, etc. Após 1989-91, com   o desprestígio do marxismo e do socialismo, o fundamentalismo islâmico monopolizou a oposição ao imperialismo e a governos conservadores muçulmanos. Esses movimento, de programas  irredentistas, obscurantistas, misóginos, etc. influenciaram muçulmanos imigrados e seus descendentes nascidos na Europa, vergastados pelo desemprego e pela xenofobia. 
  14. Nos anos 2000, ocorreram vitórias populares no mundo capitalista avançado:  mobilizações operárias na Itália contra a reforma da Previdência [2002]; da juventude estudantil e operária, na França, contra a flexibilização da legislação trabalhista [2006]; meio milhão de trabalhadores estrangeiros nos USA, contra as leis racistas, etc. Em pleno domínio da crise de subjetividade do mundo do trabalho, elas alavancaram a vitória de partidos social-liberais: socialismo espanhol [2004], governo Prodi, na Itália [2006], petismo, no Brasil, etc.

3. Revolução e Contra-Revolução na América Latina

  1.  na América Latina, nos anos que seguiram à contrarrevolução neoliberal, sob a proposta do Consenso de Washington, avançaram a miséria, as diferenças sociais, as privatizações, as lutas sociais. Mobilizações populares derrubaram os presidentes neoliberais no Equador [2000]; na Argentina [2001]; na Bolívia [2003]. No contexto da crise de subjetividade do mundo do trabalho, não se avançou assalto ao poder e o regime de dominação logo se recompôs.
  2. Nos anos 2000, o comércio mundial avançou fortalecido pela expansão econômica sobretudo da Índia e da China, valorizando-se as commodities – petróleo, gás, ferro, cobre, soja, etc. –, em geral privatizadas nas últimas décadas. Em países de governo social-liberal, como o Brasil e o Chile, viveram-se melhorias relativas e transitórias das populações e grandes lucros para o capital.  
  3. Em alguns países, direções populistas nacional-desenvolvimentistas elegeram-se com o programa de recuperação, através da nacionalização, em geral parcial, das ‘commodities’.  Na Argentina, sob a direção dos Kirchners e a pressão dos trabalhadores, houve recuperação da produção e do mercado interno, sem rompimento efetivo com a dependência externa.  
  4. A eleição de Hugo Chávez, em 1999, na Venezuela, grande produtora de petróleo, e a derrota do golpe pró-imperialista [abril de 2002], aceleraram a mobilização popular. Em janeiro de 2007, ao assumir seu terceiro governo, Chávez acenou para avançar a nacionalização do petróleo, eletricidade e comunicações, etc., programa realizado muito parcialmente. Em 2013, morreu, possivelmente pelas mãos da CIA, sem cumprir plenamente o proposto. 
  5. A consolidação de Chávez na Venezuela facilitou a vitória, na Bolívia [2005] de Evo Morales, populista e indigenista; o mesmo ocorrendo [2006] no Equador, com a vitória do economista Rafael Correa, nacionalista e humanista-cristão. Ambos defendiam nacionalização parcial da produção energética, reforma agrária, modificações constitucionais, etc. 
  6. Os governos nacionais-populistas na Venezuela, Bolívia e Equador jamais romperam com o capital, com o latifúndio, com o imperialismo: pagaram a dívida e as indenizações das expropriações; restringiram a reforma agrária às propriedades “não produtivas”; não impulsionaram órgãos populares de poder dual, etc.
  7. Em 2006, com a radicalização latino-americana, o imperialismo e a burguesia mexicana fraudaram as eleições no México. O imperialismo, ocupado no Iraque-Afeganistão, deixou aos governos de Chile, Uruguai, Guatemala e, sobretudo, Colômbia a defesa de seus interesses. O Brasil desempenhou papel central no arrefecimento dos ímpetos da Venezuela e da  Bolívia e Equador, onde a Petrobras, companhia estatal-privada, explorava os recursos energéticos daqueles dois países.

4.A Crise Capitalista Mundial de 2008

  1. Em 2008, encerrou-se abruptamente o ciclo de expansão da acumulação capitalista mundial, superaquecido desde 2002. Antes mesmo dos anos 1980, a produção capitalista de bens já avançava, enquanto decaía a capacidade de consumo mundial, devido à inflação, ao desemprego, à retirada de conquistas sociais, etc. O subconsumo estrutural era superado artificialmente através de rendas fictícias; gastos bélicos; dívida pública; endividamento familiar, etc. 
  2. Em 2007-2008, o acerto de contas iniciou-se com a quebra do banco Lehman Brothers, devido a empréstimos hipotecários concedidos a adquirentes sem renda para pagá-los. Os bancos centrais das grandes nações realizaram transferências astronômicas às indústrias e aos bancos, reduziram as taxas de juro, etc., tudo para facilitar  a retomada do crédito e a produção-acumulação de capitais. A primeira onda depressiva foi superada após um ano, ao contrário dos cinco de 1929.  
  3. Nada se fez quanto às razões estruturais da crise – o descompasso entre a produção em crescimento e o estreitamento, relativo e absoluto, da renda do trabalho e, consequentemente, do consumo. A racionalização, concentração e centralização da produção, aceleradas pelos financiamentos estatais, aprofundou a destruição de bens de produção e a exploração do trabalho vivo.
  4. Impulsionou-se sensação de superação da crise, apoiada na expansão normal após a depressão [reposição de estoques, valorização do capital, etc.], devido à necessidade de diminuir a pressão popular pela regulamentação financeira e contra as privatizações, que cresciam com a crise. A retomada da expansão apoiou-se em base material mais estreita, incapaz de repetir o ciclo de acumulação anterior. 
  5. Em 2010, sob a pressão das taxas de juro crescentes impostas pelo capital financeiro mundial, eclodiu crise do débito público, primeiro em países da periferia do mundo avançado – Grécia, Portugal, Espanha, etc. – e, a seguir, no seu núcleo duro – Itália, França, Inglaterra, etc.  Exigiu-se para o pagamento das dívidas soberanas cortes de gastos sociais e pensões; aumentos de impostos; privatizações; desemprego público, etc. O que aumentou o desemprego; diminuiu a arrecadação; deprimiu o consumo; fomentou a recessão, etc., avançando, em vez de recuar, o déficit público e a dívida soberana. 
  1. Essa reformulação das condições gerais de trabalho e de existência da população, na busca do aumento da retomada da taxa média de lucro, avançou como seu programa a universal a transformação crescente dos trabalhadores em uma nova classe de escravos modernos – salários ínfimos;  fim de  direitos sociais; sem  pensões efetivas, sem saúde e educação pública, etc.; impôs pressão sobre o ambiente; restrições dos serviços sociais.
  2. Mesmo no mundo avançado, o empobrecimento geral de trabalhadores, assalariados, etc. exige o abandono dos antigos meios e instituições de dominação, já que é impossível chamar uma população massacrada para consultas políticas periódicas, mesmo controladas. Impõe-se uma refundação autoritária da ordem política e social, com o abandono da autonomia das nações, em favor de governança supranacional do capital imperialista, como ocorre na União Europeia, sobretudo quanto às nações mais frágeis – Grécia, Itália, Portugal, Espanha, etc., – que já não possuem mais o direito de definirem seus orçamentos.

5. A Hegemonia Contestada dos USA e a Guerra da Ucrânia

Primeira economia e potência militar, nas últimas décadas, os USA conheceram uma regressão produtiva relativa, com destaque para o setor manufatureiro. Com o dinamismo do neoimperialismo chinês e a retomada da expansão capitalista autônoma na Rússia, chega ao fim a Era da Hegemonia Unipolar ianque, estabelecida em 1991, com a destruição da URSS. Para retomar a passada posição hegemônica, imprescindível à sua sobrevivência, o imperialismo USA organiza-se para ferir a Rússia, de modo a abater mais facilmente a China, seu principal oponente. Para tal, dispõe de uma janela de tempo que se estreita rapidamente.

  1. Correndo contra o tempo, o imperialismo ianque serve-se de sua superioridade diplomática, financeira e militar -também já decrescentes- para lançar ofensiva visando a desorganização e o domínio das sociedades e dos Estados da Rússia e da China, que estreitam aliança defensiva. Decidiu-se, primeiro atacar a Rússia, mais frágil, e, a seguir, a China, definida como inimigo estratégico dos USA. Encurralada crescentemente pelo cerco de suas fronteiras pela Otan, desde os anos 1990, Moscou encontra-se, hoje, em guerra – lutada na Ucrânia – com os USA e a União Europeia, lutando literalmente pela defesa de sua independência nacional.
  2. Em 1950, o PIB USA era 50% do PIB Global; atualmente, é 14%. O mundo transformou-se em mercado dos USA, que compra muito e vende pouco, apoiado na hegemonia mundial do dólar. Entre as razões dessa regressão estão o envelhecimento do parque industrial e das infraestruturas, vide os atuais desastres ferroviários, enquanto o país gastava bilhões de dólares em guerras em que foram derrotados, total ou parcialmente – Vietnã, Iraque, Afeganistão, Síria, etc. No processo de deslocalização industrial, sofreram hemorragia descontrolada de suas indústrias, em favor de China, do México, da Tailândia, do Vietnã, etc. 
  3. Os USA assentam sua hegemonia financeira no domínio do dólar como moeda de troca e de refúgio internacional, realidade apoiada na sua força militar e diplomática, e não mais manufatureira, pois compra muito mais do que vende, como vimos. O que lhe permitiu seguir na espoliação mundial, financeira e econômica, e importar grande parte do que antes produzia e exportava. A crise de 2008 esgaçou ainda mais suas finanças públicas. Seu crescente recurso à emissão e desvalorização do dólar, tem exportado sua inflação para o mundo.
  4. Em 1949, o Partido Comunista Chinês conquistou o poder sobre uma imensa nação camponesa. Querendo acelerar a economia em forma fantasiosa, a direção maoísta avançou o Grande Salto Adiante [1956], causando enorme desastre econômico ao país, que recuou diversos anos. Para recuperar o terreno político perdido devido àquele desastre econômico e social, a direção maoísta promoveu a Grande Revolução Cultural Proletária [1966], sobretudo com estudantes, que desorganizou e deprimiu igualmente a economia.
  5. Apoiado em nova direção partidária nascida do afastamento dos quadros da Grande Marcha, quando da chamada Grande Revolução Cultural Proletária, Mao Tsé-Tung organizou a aliança com os USA, em um viés anti-URSS [1972]. Em 1978, o PC Chinês definia a restauração capitalista como política oficial. A abertura aos capitais internacionais transformou a China na “fábrica do mundo”, através da imposição de  duríssima exploração aos trabalhadores.
  6. Com quatro vezes a população dos USA, a China localiza-se na região mais povoada e dinâmica do mundo. Nos últimos 25 anos, ela manteve médias anuais de crescimento de 10%. Conheceu, assim, o transbordamento do processo de produção, acumulação e reprodução ampliada de capitais, que exigia uma exteriorização da economia, transformando-se em nação imperialista, na acepção leninista do termo. Na conquista econômica de novos mercados, chocou-se inevitavelmente com os  USA e seus aliados-súditos, com quem procurou, sempre, contemporizar, devido ao seu dinamismo econômico. 
  7.  Em dezembro de 2001, a China ingressou na Organização Mundial do Comércio, com o apoio do governo estadunidense. Desde 2004, os investimentos chineses diretos externos cresceram aceleradamente. Em 2014-16, eles explodiram. A mega-iniciativa “Um Cinturão, uma Rota” objetiva criar conexões diretas da produção e dos capitais chineses com os mercados mundiais, na Europa, na África, na Ásia, nas Américas, na Oceania.
  8. Expressando o grande capital, as administrações de Bill Clinton [1993-2001] abraçaram a globalização e a vasta transferência de empresas manufatureiras estadunidenses para nações de menor custo da mão-de-obra, como proposto. Política que resultou em enormes lucros ao grande capital, com destaque estadunidense, envolvido nessa operação. O democrata Barak Obama manteve essa orientação, procurando travar o avanço avassalador da economia chinesa, que já assustava os USA — política do “Pivot to Asia”. 
  9. Os governos de Barak Obama organizaram golpes militares e eleitorais na Argentina, Equador, Paraguai, Honduras, Brasil, Síria, Líbia, Ucrânia, etc., para aprofundar o saque das riquezas nacionais, submeter seus governos e Estados a uma nova ordem, dificultar as suas inversões-aquisições chinesas. Era o espaço imperialista ianque se contrapondo, crescentemente, com o chinês.
  10. Contemporizando com a China, Barak Obama empreendeu terrível pressão sobre a Rússia, almejando acelerar o esfacelamento que vivera após a dissolução da URSS, em 1991, dominar sua economia e enfraquecer sua aliança com a China, na medida em que era rejeitada pela União Europeia, sob a hegemonia estadunidense. Hillary Clinton, quando foi derrotada por  Donald Trump, preparava-se a lançar ataque à Síria e confrontar-se ali com a Rússia, com a ajuda da Otan. Os quatro anos de Trump permitiram que a Rússia, em aliança com o Irã, estabilizassem relativamente a Síria, e se preparassem para o ataque inevitável ianque.
  11. Donald Trump [2016-2020], representante dos capitais ianques secundários voltados ao mercado interno, enfrentou o desafio chinês sobretudo de uma ótica comercial. Durante seus quatro anos, não lançou nenhuma guerra externa. Ele pretendia aproximar-se da Rússia e afastá-la da China, iniciativa vetada pelo Deep State. Sua enorme pressão comercial sobre a China alcançou  resultados insuficientes. Eleito, J. Biden retomou a proposta de ataque frontal indireto à China, através da aceleração do cerceamento  e ataque da Rússia.
  12. Sem resposta aos pedidos de negociação, a Rússia radicalizou a colaboração com a China e preparou-se para o ataque dos USA e da Otan, empreendido através da Ucrânia, que  objetivava o seu dessangramento econômico e militar. Projeto que, até agora, fracassou, devido ao enfraquecimento da hegemonia USA, com destaque sobretudo para a China e a Índia [três bilhões de habitantes] e a África, mas também a América Latina, que desobedeceram às sanções impostas e a propostas de isolamento diplomático da  Rússia. 
  13. Início de sublevação autonomista anti-USA que se espraiou sobretudo no Oriente Médio, onde a Arábia Saudita, tradicional e incondicional aliada ianque, retomou as relações diplomáticas com o Irã e, possivelmente, com a Síria, sob o patrocínio da China. Sua recente decisão de corte de 5% da produção petrolífera, para aumentar o preço do petróleo, foi uma facada nas costas do ex-aliado, já que impulsiona, além de suas rendas petrolífera, as rendas russas. 
  14. A recente reunião em Moscou, de dezenas de representantes de países africanos, e a corrida de nações para integrarem o Brics, entre eles a Arábia Saudita e, eventualmente, o Japão, apontam também nesse sentido. Por sua vez, o Japão comunicou aos USA sua necessidade de comprar petróleo russo, em rubro, ao preço determinado pela Rússia. Isso, enquanto a Turquia intermedia a compra europeia de petróleo russo, com grande lucro.
  15. De suma gravidade, para os USA, é a crescente decisão, impulsionada pela China e pela Rússia, de comércio bilateral em moeda nacional. Proposta a qual se somam crescente número de nações assustadas com a desvalorização do dólar e com o futuro de seu comércio, no caso de sanções estadunidenses sobre o comércio realizado em dólar. Se a Arábia Saudita aderir plenamente a essa proposta, os USA sofrerão  golpe terrível, com o fim de um dos pilares do pacto em torno do petrodólar. No Brics, se discute moeda comum apoiada no ouro, ou seja, retorno ao padrão-ouro. 
  16.  O conflito dos USA-OTAN na Ucrânia contra a Rússia diz respeito profundamente à sorte dos trabalhadores mundiais. Mesmo sendo o substrato do avanço da história o confronto entre o mundo do trabalho e do capital, é gravíssimo erro reduzir todos os sucessos em curso a essa equação fundamental, que se expressa comumente através de múltiplas mediações.  
  17. Uma eventual derrota da Rússia será certamente seguida do espraiar de ditadura imperialista ianque e europeia sobre esse país e a  Eurásia,  transformados em colônias e semicolônias, com a redução dos trabalhadores russos e das demais regiões à situações terríveis, possivelmente ainda piores das que seguiram a  1991. Ela consolidará fortemente o imperialismo europeu e o tacão estadunidense sobre a Europa.
  18.  Uma derrota da Rússia desequilibraria a correlação de forças em favor do imperialismo estadunidense e e em desfavor do imperialismo chinês. É bom lembrar que o imperialismo ianque conta, para se perpetuar e restabelecer, sobretudo com a imposição da força. E que o chinês, ao menos no período atual, se expande através de suas exportações de mercadorias e capitais. E não dispões de forças militares estabelecidas através do mundo para impor sua vontade. 
  19.  A derrota dos USA, seria uma derrota história do imperialismo e seus aliados. E ensejaria um período, certamente transitório, de  maior libertação da imposição imperialista direta sobre o mundo, com um maior espaço de tempo para a reorganização dos trabalhadores, contra todas as formas s de imperialismo e exploração, seja USA, chinês, russo, alemão, francês, etc. 

II. REVOLUÇÃO E CONTRARREVOLUÇÃO NO BRASIL 

  1. O Brasil surgiu, em 1822, da unificação estatal das ex-colônias luso-americanas, de economia/sociedade fortemente autônoma, para manter a ordem e a produção escravistas coloniais, dominante e comum a todas, mas principalmente às províncias mais ricas, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Geais, São Paulo, Rio Grande do Sul. Surge como um Estado sem nação, de caráter semicolonial, com a economia dependente sobretudo à Inglaterra. 
  2. Até a Revolução Abolicionista, em 1888, dominou no Brasil o modo de produção escravista colonial, explorando a mão de obra indígena, primeiro, africana e afrodescendente, a seguir, ao lado de outras formas subordinadas de produção.  Abolida a escravidão, em 1888, ruiu sua superestrutura monárquica. A República, em 1889, assumiu caráter antipopular e oligárquico-exportador, não imediatamente capitalista, devido, naquele então, à ausência de capitais e de  um amplo exército de mão de obra a ser assalariada. A República foi sobretudo federalista, ampliando fortemente a autonomia das antigas províncias elevadas à situação de estados.
  3.  Durante toda a chamada, a seguir, República Velha, dominou a economia agro-exportadora. A classe trabalhadora constituiu-se em forma atomizado e regionalizada, sobretudo no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Não havia nação nem classe operária brasileiras. Com a revolução de 1930 e, sobretudo, com o golpe de 1937, a “burguesia nacional” (Rio de Janeiro e São Paulo), apoderou-se do poder em detrimento das classes agro-exportadoras (revolução de 1932), mantendo o latifúndio, com o qual não tinha contradições essenciais. Nesse período, recuou relativamente ao caráter semicolonial do país. A construção da hegemonia capitalista do Centro-Sul deu-se em detrimento de outras regiões, com destaque para o Norte e o Nordeste.
  4. Já nos anos 1950, com o fortalecimento dos trabalhadores devido à industrialização, a “burguesia nacional”, sobretudo paulista, começou a abandonar o nacional-industrialismo de viés populista, do qual se servira, participando, a seguir, do golpe de 1964, associada ao  imperialismo, ao latifúndio e ao então frágil capital bancário-financeiro nacional. Então, o imperialismo USA submetera o grande capital britânico e europeu, mantendo a ocupação militar da Itália e da Alemanha e utilizando a Otan como instrumento de sua hegemonia sobre a Europa.
  5. Em abril de 1964, vitorioso o golpe, o bloco liberal-imperialista embolsou, com Castelo Branco, o primeiro governo da ditadura, para  pôr um fim ao nacional-industrialismo, privatizar os bens públicos, internacionalizar a economia. O castelismo, golpeando as classes médias e populares com sua política liberal-recessiva, favoreceu o renascimento da oposição anti-ditadura, primeiro a estudantil, a seguir a operária. Tudo apontava para um ciclo militar curto.
  6. A política liberal-castelista, à serviço do imperialismo, feria igualmente os interesses do capital industrial (sobretudo paulista). Essa contradição criou as bases para o “golpe no golpe”, em 1967, com o afastamento da direção liberal e diretamente pró-imperialista, e a retomada vitaminada do nacional-industrialismo burguês, em um viés autoritário, expressão dos interesses do capital nacional, com destaque para o do Centro-Sul, hegemônico – o “Milagre Brasileiro”.
  7. Como diferencial do período getulista, o “desenvolvimentismo de coturno” pós-1967 apoiou a industrialização nacional via capitais externos e priorizou as exportações. Recuando o mercado interno, em relação ao externo, como espaço de realização da produção nacional, foi possível aumentar a exploração dos trabalhadores, já pouco importantes para o consumo. Previa-se uma associação com o capital internacional, no contexto de uma autonomia substancial do capital nacional. 
  8. O “desenvolvimentismo de coturno” criou novas estatais e fortaleceu as antigas; realizou modernização conservadora das universidades; determinou reserva de mercado ao capital nacional; implementou diplomacia ditada pelos interesses exportadores nacionais, mesmo contra o imperialismo estadunidense – relações com a China, Angola, Moçambique, Guiné Bissau. Iniciou a construção da bomba atômica nacional,  projeto vislumbrado por Getúlio Vargas. Foi nesse período que reconsolidaram as grandes empreiteiras e surgiram novas. Esse movimento deu-se no contexto de super-exploração dos trabalhadores. O governo militar burguês fez recuar a dependência semi-colonial do Brasil.
  9. O novo padrão de acumulação impulsionou a formação de capital monopólico público e privado nacional –  grandes empreiteiras; Petrobras; BB, Engesa, Telebras, Embraer, etc. Em meados dos anos 1970, o padrão de acumulação do “Milagre” colapsou, com a explosão das taxas de juros internacionais, que oneraram os empréstimos brasileiros contraídos a juros flutuantes, e determinaram uma retração do mercado mundial, restringindo as exportações, necessárias para pagar os empréstimos. A saída nacional-industrialista do impasse exigia a rejeição da dívida internacional e a ampliação do mercado interno, medidas impossíveis de serem realizados pela burguesia industrial e os militares. 
  10. A burguesia paulista, dominante, desertou a ditadura nacionalista-burguesa autoritária em crise, como fizera com a getulista e a janguismo, populistas, em 1954 e 1964, optando pela aliança-submissão ao imperialismo. Ela interessava-se, ao igual que o imperialismo e o capital financeiro e bancário nacional  fortalecidos, nas privatizações das propriedades estatais, a preço de banana. 
  11. Novamente, as classes burguesas nacionais mostraram-se incapazes de dirigir um movimento de consolidação da emancipação nacional, mesmo em um viés anti-operário, burguês e capitalista, semelhante ao que deu origem e consolidou a formação social estadunidense.  A consolidação da deserção burguesa entregou aos trabalhadores a tarefa da emancipação nacional, necessariamente associada a um programa socialista e internacionalista.
  12. O “milagre brasileiro” gerara um novo, jovem e combativo proletariado, com destaque para o setor metal-mecânico, sobretudo paulista, e o bancário, nacional. A construção civil conhecera igualmente forte desenvolvimento, possuindo uma classe trabalhadora menos organizada, quanto à organização sindical e o nível de consciência.
  13. As oposições sindicais ao peleguismo impulsionaram grandes mobilizações, desde 1976, com ápice em 1979, lutando sobretudo pela reposição de salários corroídos pela inflação, meio impulsionado pelo governo para o pagamento da dívida externa. As mobilizações operárias alastraram-se através do Brasil, concomitantemente com o renascimento da luta pela terra, em um sentido reformista-pequeno-burguês, dirigida por setores progressistas da Igreja – MST.
  14. A frustração das reivindicações econômicas das grandes greves de fins dos anos 1970 levaram amplos setores dos trabalhadores a compreender a necessidade de construção de central sindical unitária [CUT, 1982] e de partido político dos trabalhadores [PT, 1984].  O avanço histórico dos trabalhadores no Brasil, deu-se em pleno refluxo mundial do mundo do trabalho que levaria à “Queda do Muro”, em 1989-91, com a proposta “crise de subjetividade mundial dos trabalhadores”. 
  15. Após 1964, o movimento de “redemocratização” foi dirigido pelas classes dominantes e pelo imperialismo, resultando em Constituição burguesa de sentido conservador [1988] e na anistia dos militares e manutenção intacta da estrutura golpista das forças  armadas. A derrota da “redemocratização” foi assinalada pela frustração do “Movimento pelas diretas” [1984] que ocorreu sem a decretação de greve geral, impugnada pelas ditas “democráticas”.
  16. Sobretudo uma nova burocracia sindical, segmentos da aristocracia operária, setores igrejeiros, intelectuais, ex-militantes da luta armada (principalmente da ALN), facções das classes médias, sob a direção máxima de Lula da Silva, controlaram a fundação do PT, inicialmente social-democrata radical, logo, social-democrata conservador e, a seguir, social-liberal. Evolução viabilizada pela derrota da proposta do ‘partido de núcleos’, militante, pela de ‘partido de massa’, eleitoreiro, ligado e sob o controle dos parlamentares. 
  17. Em graus diversos, todos os governos pós-1985 impulsionaram, como padrão de acumulação de capitais, as privatizações; a priorização do mercado externo; o financiamento externo; a manutenção do arrocho salarial; a abertura  ao mercado e ao capital internacional; o pagamento incondicional da dívida. Ou seja, de certo modo, uma regressão democrática do programa nacional-desenvolvimentista, autoritário.
  18. Essa orientação, ajudada pela super-valorização episódica da moeda nacional, radicalizaram a desnacionalização, a internacionalização, a desindustrialização, a primarização da economia nacional, já impulsionadas pela globalização capitalista, com a perda relativa de influência dos trabalhadores e assalariados sobre a nação. Processo apoiado por parlamentares populares e pela burocracia sindical.
  19. No contexto da expansão da economia mundial, com exacerbação nos anos 2002-2008, como já visto, iniciou-se processo de crescimento acelerado do agronegócio, em movimento de reversão do status nacional de nação “semicolonial” em  “neocolonial globalizada”, com o avanço da produção rural, fortemente mecanizada, sobre a industrial. 
  20. Nos oito anos de FHC, empreendeu-se ataque à nação, através de privatizações dos bens nacionais a preços de banana. Delapidaram-se assim enormes recursos nacionais. Empreendeu-se i poderosos ataques contra os direitos dos trabalhadores, com destaque para a Previdência.  A vitória de Lula da Silva, em 2002, reafirmou essa realidade, mantendo-a aqueles ataques sem qualquer questionamento. Foi, nos fatos, uma continuação, no essencial, dos oito anos de governo do PSDB.

A Era Pestista – 2002-2023

  1. Desde 2002, o petismo administrou o país segundo às necessidades do grande capital nacional e mundial, com o destaque para o bancário-financeiro, crescentemente hegemônico. Aceleraram-se a “desossificação” da economia industrial nacional; o crescimento da produção capitalista rural e  a desorganização política, ideológica e programática dos trabalhadores e do movimento social. Movimentos já impulsionadas pelas metamorfoses estruturais mundiais.  
  2. Os laços orgânicos que o PT e a administração federal petista mantinham com os trabalhadores e com a população esmoreceram e esfumaram-se, transformando-se  quando muito, em laços eleitorais frágeis. O apoio eleitoral petista migrou dos trabalhadores e assalariados para as classes médias profissionais: funcionários públicos, professores universitários, etc. Setores que, em alguns casos, apoiado em sindicalismo fortemente corporativista, conseguiram defender e aumentar os ganhos salariais.
  3. A administração petista não concedeu sequer uma reivindicação estrutural dos trabalhadores, mantendo mecanismos históricos de sua exploração – salário mínimo abaixo das necessidades vitais; 44 horas de trabalho; limitação do direito de greve; manutenção-avanço das privatizações; repressão policial, etc. Em aliança umbilical com o capital bancário-financeiro, consolidou o escorcho popular através das taxas siderais dos cartões de crédito, dos cheques ditos especiais, do crédito consignado, etc.
  4. O abandono dos trabalhadores sindicalizados e organizados como base do petismo foi acompanhado de crescente demagogia populista e “identitária”, esta última iniciada no final do governo de FHC. Poderosa campanha midiática anunciava  fantasiosamente negros e pobres entulhando os aeroportos nacionais, formando-se às dezenas de milhares nas universidades brasileiras, ascendendo à moradia e à classe média. 
  5. O petismo atacou a própria concepção de “mundo do trabalho”, anunciando seu fim, ao menos no Brasil. Apoiado por um IBGE subserviente, propôs a metamorfose do Brasil em um país de classe média, com o crescente desaparecimento da classes trabalhadora, propondo cinicamente  um nível de renda baixíssimo para o ingresso na “classe média”.  
  6. O hoje consolidado ódio antipetista expressou a defecção das classes populares e médias que, ao se esgotar o ciclo expansivo internacional, desembocou nas manifestações de 2013, quando da primeira administração Rousseff. Ele foi possivelmente alimentado por retórica que propunha tudo conceder, em um mundo imaginário, às classes populares petistas, enquanto segmentos trabalhadores e médios vegetavam em crescentes dificuldades, no mundo real.

O Golpe Institucional de 2016

  1. Em 2014, no ano do golpe na Ucrânia e avanço geral do imperialismo, a candidatura Aécio Neves registrou o fim do apoio do capital e do imperialismo à gestão presidencial petista. Rousseff reelegeu-se radicalizando o discurso popular, traído em forma ignóbil imediatamente após a posse. O golpe institucional de 2016, articulado no governo Obama e realizado no de Trump, avançou sob a direção do imperialismo, do alto comando militar, do Parlamento, da imprensa, apoiado pelas classes proprietárias e parcelas significativas das classes médias e mesmo populares. 
  2. Vitorioso, o primeiro governo golpista empreendeu iniciativas em prol da metamorfose do país do status de semicolonial ao de “neocolonial globalizado”, com as classes dominantes nacionais responsáveis agora apenas pelas decisões políticas referentes ao varejo. O golpe objetivava, sobretudo, liquidar, como liquidou, em forma substancial, o capital monopólico público e privado no Brasil, consolidando, como consolidou, o padrão do país como exportador de minerais, grãos, energia, madeira e produtor de manufaturados de pouco valor agregado. 
  3. O golpe fez avançar a destruição das grandes empreiteiras nacionais; acelerou a privatização e desarticulação da Petrobras, do Banco do Brasil, da Eletrobrás, etc. Radicalizaram-se as privatizações nacionais, estaduais e municipais. Empreendeu-se ampla liquidação da legislação trabalhista, reforma liberal da Previdência, etc.
  4. O segundo governo golpista foi atípico, com a entronização, em 2018,  de Jair Messias Bolsonaro, deputado direitista do dito “baixo clero” do Parlamento, que galvanizou a população política e ideologicamente mais atrasada;  recebeu o apoio dos setores  evangélicos conservadores, da grande mídia, da direita e da extrema-direita, do antipetismo visceral. Foi também votado por importantes segmentos operários e assalariados
  5. No governo, Bolsonaro apoiou a militarização orgânica da administração federal; o favorecimento do sistema policial; o estreitamento da aliança com o conservadorismo evangélico e com a  extrema-direita internacional, incluindo o trumpismo e o putinismo, etc.; o negacionismo e as negociatas climáticas, ambientais, da saúde etc.; a retórica e atos anticomunistas, patrioteiros, misóginos, homofóbicos, irracionalistas, antiindigenistas, etc. Sobretudo, interpretou as reivindicações dos setores liberais mais extremados, nacionais e internacional,

A Ressurreição Petista

  1. A orientação do bolsonarismo influiu para que facções hegemônicas do grande capital e do imperialismo estadunidenses, sob orientação do Partido Democrata, desde inícios de 2021, apoiassem a volta de Lula, mais do que do PT, à presidência, associado a Alckmin, quadro burguês e imperialista. Vimos que Biden e o partido Democrata, de forte viés “identitário”, propunham o ataque militar à Rússia, como parte do combate à China. 
  2. Desde o golpe de 2016, o PT e anexos optaram pela colaboração implícita de fato com o golpismo, como caminho de retorno ao governo e à reconquista da força partidária perdida, regressão registrada nas eleições de 2018 e de 2020. Sabotaram qualquer oposição popular durante e após o impeachment. Dilma Rousseff defendeu-se diante de seus verdugos, legitimação a força golpista. Propuseram, na prática, o abandono das ruas e as eleições como única forma de oposição ao golpe.
  3. Em 2018, a eleição de Bolsonaro, como segundo governo golpista, facilitou a proposta de “frente patriótica” com programa ao gosto da “direita democrática”, dos “golpistas arrependidos”, do grande capital e do imperialismo. O petismo  aterrorizou seu eleitorado e as classes médias não bolsonaristas com a ameaça de maciças “hordas fascistas”, jamais vistas, e do continuísmo golpista, forte sobretudo em facções militares incorporadas ao governo. 
  4. Sobretudo, ao propor institucionalizar as transformações golpistas essenciais, com meros retoques softs, promessa que tem comprido, o petismo se construiu como alternativa prioritária de Biden, que necessita conseguiu um governo brasileiro colaborador com suas iniciativas centrais, o que tem igualmente obtido até agora. Tornou-se, nos fatos, o terceiro governo golpista.
  5. Em enorme maioria, os grupos e partidos autodefinidos como de esquerda e marxistas  abraçaram a “frente patriótica”, como forma de defesa “antifascista” – PC, PSTU, UP, PCO, PSOL etc. Foi maciça igualmente a adesão à candidatura Lula-Alckmin de segmentos da esquerda, mesmo marxista, não organizados. A colaboração de classe tornou-se a política dominante para combater o terrível perigo Bolsonaro, sem sequer capacidade para formar um partido que, derrotado nas urnas, entrou em depressão e, dias antes de concluir seu mandato, escapou para os USA, onde permaneceu por três meses.
  6. A campanha deu-se sem referência às reivindicações do mundo do trabalho e populares, a exceção de promessas tíbias postergadas ou desconhecidas após a vitória: aumento do salário mínimo; atualização do teto da isenção do imposto de renda a cinco mil reais, etc. As pautas populares foram substituídas por programas identitários focalizados, dirigidos essencialmente para as classes médias, segundo à orientação do imperialismo democrata – negros, gays, lésbicas, índios, etc. Política apoiadas ferreamente pela grande imprensa, com destaque para a Folha de São Paulo.
  7. Com uma campanha lulista sem apelo e mobilização popular, Bolsonaro foi derrotado, mas caiu de pé, com votação muito próxima a de Lula. Apenas sua enorme incompetência política tende a esgotar esse apoio eleitoral – depressão após a derrota; fuga para os USA; muamba das joias sauditas, uma história que parece não ter fim, etc.
  8.  O quebra-quebra de Brasília permitiu que o novo governo avançasse, em algo, um afastamento dos militares golpistas mais explícitos encastelados na administração federal. O que permitirá às forças armadas assumirem, com um pouco mais de autoridade, o papel de árbitros supremos, que ainda mantém constitucionalmente, em forma parcial. 
  9. Para fraturar o bloco eleitoral pluriclassista direitista (bolsonarista) seriam necessárias medidas de alcance popular – elevação substancial do valor do salário mínimo; revogação dos ataques à legislação trabalhista e previdenciária; fim do escorcho bancário da população; repressão à repressão policial, etc. Uma orientação mesmo populista do governo está bloqueada em razão de sua natureza social-liberal e acordos com o imperialismo e com o grande capital. 
  10.  O governo enfatizou que não haverá “revogação” das medidas golpistas estruturais; que se manterá o salário mínimo semi-escravista; que seguirá a rapina bancária; que o capital será coberto de benesses; que se manterão as privatizações, através das “parcerias público-privadas”, etc. O pacote econômico que está sendo revelado por Haddad – regra fiscal, etc. – aponta para a continuação do arrocho anterior dos trabalhadores e da população, em um contexto de depressão econômica.
  11.  O uso do perigo “fascista”, desmoralizado pela fuga precipitada de Bolsonaro, sem apoio popular efetivo, e da ameaça “militarista”, desmobilizada com o novo alto comando exigindo a despartidarização da oficialidade e uma 31 de março sem celebrações do golpe de 1964, não impedirão que trabalhadores, assalariados, funcionários públicos, etc. se mobilizem sobretudo pela recuperação dos salários corroídos pela inflação. Movimento que já se inicia. 
  12. A pauta identitária garantirá apenas uma frágil sustentação, sobretudo em segmento médios,  que possuem contradições claras com as populações negras, pardas, pobres e marginalizadas, abandonadas a sua sorte. 
  13. A expectativa para 2023 e 2024 é de expansão do PIB próxima ao um por cento, ou seja, de estagnação geral da economia, com uma população já estressada por baixos salários, inflação, desassistência. Apresenta-se como alternativa de estabilidade governamental relativa uma adesão incondicional ao imperialismo estadunidense, que garantiu a posse de Lula-Alckmin, ao proibir ao alto comando militar aventuras golpista.  
  14. Entretanto, os USA, em regressão econômico-manufatureira-financeira, nada podem oferecer de concreto ao Brasil, como registrou a recente viagem, um verdadeiro fiasco, de Lula-Janja, a Washington. Com o Brasil vivendo regressão industrial e expansão do agronegócio, não se apresenta como possibilidade confronto com a China, grande comprador das matérias-primas brasileiras; responsável por importantes e crescentes investimentos no Brasil; coração do BRICS. O mesmo se pode dizer quanto à Rússia, produtora de adubos importados pelo Brasil. 
  15. Qualquer aproximação sistemática  com o antigo “Império do Meio” pode causar retaliações dos USA ao governo Lula. E, nas últimas semanas, elas se seguem, uma após a outra: não assinatura do documento, anti-Rússia, das nações “democráticas” reunidas por Biden; voto pela investigação do ataque contra o Nord Stream 2, em 27 de março, no Conselho da ONU, ao lado da Rússia e da China, e, ainda mais grave, o acordo por negociar em moedas nacionais com a China; assim como a viagem de Celso Amorim à Rússia, com reunião surpresa com Putin. 

III. O MUNDO DO TRABALHO E O MOVIMENTO SOCIAL

  1. O “mundo do trabalho” conhece sua maior depressão ideológica, cultural e organizacional, desde que conquistou transitoriamente o poder, em Paris, há mais de 150 anos. Entretanto, jamais, como hoje, as relações de produção capitalistas se espraiaram em forma tão ampla através do mundo, motivando um enorme crescimento das classes proletárias e assalariadas. 
  2. A Era Contrarrevolucionária, aberta em 1989-1991, se manteve e se aprofundou nos últimos trinta anos, conformando em forma substancial a realidade apenas referida. Sua mais grave sequela foi a “crise de subjetividade” do “mundo do trabalho”, que se mantém até hoje.
  3. O “mundo do trabalho” descrê do seu programa de luta pela conquista do poder e implantação de organização socialista.  Nas quatro últimas décadas, diversas vezes os trabalhadores e a população derrubaram administrações neoliberais sem substituí-las no governo e no poder. 
  4. A “crise de subjetividade” constitui o mais grave handicap negativo atual do “mundo do trabalho” e se materializa na inexistência de partidos, movimentos ou tendências revolucionárias e classista expressivos dos trabalhadores e assalariados.

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  1. Durante esses longos anos, o coração do “mundo do trabalho” deslocou-se dos USA e, sobretudo, da Europa e da Eurásia, centro da conformação do proletariado moderno e das mais avançadas lutas operárias, para a Ásia. Apenas a Índia e a China possuem três bilhões de habitantes e uma enorme parte dos trabalhadores mundiais. Conhecemos pouco sobre essas regiões e suas classes trabalhadores.
  2. Com o avanço avassalador da globalização, a revolução tornou-se, mais do que nunca, um fenômeno internacional, com eventual possível arranque inicial nos espaços nacionais e regionais. A eventual reconstituição política, ideológica, organizacional, programática dos trabalhadores se dará, possivelmente, no espaço nacional, intimamente ligado ao internacional.

* * *

  1. No Brasil e no mundo, os partidos, os sindicatos, a grande maioria das organizações que se reivindicam dos trabalhadores contribuem para o aprofundamento do baixo nível de consciência e de organização dos trabalhadores. A ideologia deletéria do capitalismo em sua fase senil penetra, de forma desigual, todos os poros da população, dos assalariados, das classes médias – identitarismo, individualismo, consumismo, hedonismo, empreendedorismo, alienação religiosa, etc. 
  2. O mundo do trabalho não possui polos de irradiação de suas visões de mundo que influenciem os segmentos populares e médios. Os principais movimentos sindicais e populares, penetrados e controlados por direções colaboracionistas, se limitam, quando muito, a avançar pautas particulares e econômicas, sem buscar -e dificultando- qualquer unificação local, regional e nacional da consciência e das lutas operária. O sindicalismo se transforma em meio de vida e progressão social. 
  3. Essa situação patológica será modificada substancialmente por eventuais vitórias políticas e sindicais exemplares, mesmo parciais, dos trabalhadores, no Brasil ou no Exterior. A função da militância classista revolucionária é facilitar essas conquistas e ampliar sua recepção, quando ocorrerem.  Noticiar e esclarecer as lutas e conquistas dos trabalhadores e assalariados silenciadas ou deturpadas pela grande mídia e pelas organizações colaboracionistas. É tarefa primordial dos militantes revolucionários a luta pela autonomia política e ideológica e a centralidade dos trabalhadores. Não haverá real e permanente emancipação do trabalho fora dos marcos internacionais. 

                                                        * * *

  1. O mundo do trabalho, em geral, e seu núcleo proletário, em especial, devem ser o eixo da retomada da consciência, da organização e da luta social. Devido suas naturezas, neles se encontram as raízes da superação da ordem capitalista, nos seus aspectos econômicos, políticos, ideológicos, simbólicos, etc. O proletariado industrial e o  mundo do trabalho   devem dirigir  a luta pelo socialismo, em direção ao comunismo. 
  2. A intervenção dos revolucionários deve se dar prioritariamente, onde é possível, no apoio a esses setores, sem qualquer visão exclusivista ou autoproclamação. Impõe-se, nesse sentido, a retomada de celebrações em um sentido classista de datas referenciais do mundo trabalho e da solidariedade internacional: 1º de Maio, Comuna de Paris, Revolução de 1917, 13 de Maio e 20 de Novembro, 11 de setembro de 1973, etc.
  3. Não haverá avanço e revolução social sem que o proletariado industrial e os trabalhadores assalariados organizem e comandem as classes populares das cidades e dos campos, centralizadas em torno de seu programa de emancipação da sociedade, nos seus mais diversos aspectos. Apenas esse movimento pode combater consequentemente, no aqui e no agora, todas as formas de descriminação, de raça, sexo, nação, etc., que se sobrepõem à exploração capitalista. 
  4. A construção de direções classistas e revolucionárias para os trabalhadores é imprescindível para facilitar a retomada das jornadas revolucionárias na luta pela conquista do poder. Essa construção deve se dar assentada nos núcleos centrais das classes trabalhadoras, a partir dos seus mais destacados membros. O combate ao identitarismo divisionista, política atual do imperialismo, deve ser permanente.
  5. É fundamental a contribuição complementar nesse processo de intelectuais revolucionários – cientistas sociais  marxistas, etc. Entretanto, as organizações e suas direções devem se organizar prioritariamente em torno de militância ligada à produção, para não comprometer sua essência.
  6. A construção de direções revolucionárias deve se afastar da proposta corrente de crescimento aritmético de militantes, a partir de núcleos de militantes com programas e destinos revolucionários auto-proclamados. Sobretudo, quando estes núcleos constituem francises de núcleos mais numerosos de outros países. A permanente militância internacionalista deve se dar sobretudo em um sentido horizontal.
  7. Não devemos compreender o programa revolucionário nacional e internacional como um agregado de princípios basilares do marxismo revolucionário. Ele deve ser construído, nos marcos do método marxista, na interpretação das realidades e das necessidades das classes, das fracções de classes, das comunidades singulares, das regiões, etc. Ou seja, deve ser expressão da crítica revolucionária do mundo em que vivemos. O que exige um trabalho de interpretação coletivo, ligado profundamente aos ritmos reais da luta de classes, o que é impossível de ser realizado por pequenos grupos ligados marginalmente ao mundo do trabalho.

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Nossa frente, formado de militantes de diversas origens, nasceu na convergência da rejeição do colaboracionismo extremado proposto através da chapa Lula-Alckmin. Esse processo reafirmou os princípios da luta pela centralidade e total independência dos trabalhadores de seus exploradores e do caráter socialista e internacionalista dessa luta. Nossa frente reúne pequenas organizações de trabalhadores, professores, estudantes, desempregados, etc.; militantes independentes; grupos de ação cultural, etc., esparramados através do Brasil. A atomização territorial é uma desvantagem, mas ela nos permite uma maior percepção da sociedade e da luta de classes no país.

  1. Nossas origens e trajetórias podem ser forças centrífugas e dispersivas. A elas opomos os princípios essenciais que nos unem. Com destaque para a concepção do proletariado como dirigente da revolução socialista e, para tal, da sua necessária autonomia diante dos exploradores. Nossa frente mobiliza-se pela formação de um coletivo de ação comum, apoiado no que nos une, quanto à prática imediata e os objetivos estratégicos. Não se trata de movimento pela conformação de organização unitária, dando-se nossa caminhada comum no contexto da autonomia plena dos grupos e organização que o compõem. É singularmente difícil uma maior unificação e identidade, à margem do ascensão do movimento dos trabalhadores.
  2. Nesse contexto, compreendemos a necessidade de discussões organizadas sobre as questões estratégicas e táticas atinentes à revolução no mundo e sobretudo no Brasil, sem o objetivo de construir posições unitárias, mas para melhor nos conhecermos, nos enriquecermos e, eventualmente, aproximarmos nossas concepções. Entre as questões gerais que devemos discutir fraternalmente se encontram, eventualmente, a dinâmica político-social internacional, o caráter da sociedade e da revolução brasileira, a questão sindical, a caracterização do atual governo,  do PT, do PSOL, do PCB, do PSTU, etc. 
  3. São certamente determinantes atividades conjuntas de nossas frente: publicações, seminários; celebrações, etc. Sobretudo, e antes de tudo, nossa frente deve discutir um programa mínimo para o mundo do trabalho e para a sociedade, se possível comum a todos, para ser abraçado em nossa intervenção quotidiana. Esses programa mínimo, a ser agitado certamente deve conter, reivindicações como, entre outras:
  • Aumento substancial do salário mínimo; 
  • Quarenta horas de trabalho sem diminuição de salário; 
  • Diminuição da idade da aposentadoria, com destaque para as profissões desgastantes;
  • Restabelecimento e ampliação da legislação trabalhista, etc.
  • Saúde pública para todos, com o financiamento de medicamentos;
  • Estatização de colégios e universidades, para viabilizar educação pública de qualidade universal, no primeiro, segundo e terceiro graus;
  • Contra a justiça classista e racista. Libertação imediata de prisioneiros, e sobretudo prisioneiras pobres, de direito comum, condenados por pequenas infrações; 

Texto preparado, a pedido do coletivo Voto Nulo, para discussão virtual, realizada em 2 de abril de 2023.

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