Cinco lições aprendidas com a Comuna de Paris

Por Soraia de Carvalho¹

Texto de base para a exposição inicial no debate da TV A Comuna, Lições da Comuna de Paris, realizado em 05 de abril, disponível em:

152 anos nos separam da Comuna de Paris. Entre 1871, quando despontou a primeira revolução proletária, e os dias de hoje, tivemos mais de um século e meio de revoluções e contrarrevoluções. As novas gerações de revolucionários precisam passar pela “escola” dos movimentos da classe operária e dos demais oprimidos, sendo a Comuna de Paris um acontecimento histórico de grande riqueza de ensinamentos. Marx, Engels, Lênin e Trotsky e tantos outros revolucionários estudaram minuciosamente as lições da Comuna. Em “O Estado e a revolução”, Lênin mostra como Marx “vai à escola” da Comuna, não inventa utopicamente uma nova sociedade idealizada, mas sim estuda “a gênese da nova sociedade saída da antiga, as formas intermediárias entre uma e outra”. Elabora sua teoria e método com base na experiência do movimento proletário, esforçando-se por aprender com a classe. E esse aprendizado depende também de uma postura crítica rigorosa, não para julgar os que ousaram “tomar o céu de assalto”, mas para honrar seu heroísmo fazendo com que o sacrifício não tenha sido em vão. O socialismo científico é a expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado. E, ao mesmo tempo, seu desenvolvimento e assimilação são condições para que as massas operárias possam conquistar sua independência de classe e impulsionar a transformação social de forma consciente. À luz da Comuna de Paris, Marx e Engels afirmaram ser necessária uma “atualização” ao Manifesto do Partido Comunista, no prefácio de 24 de junho de 1872, reafirmaram as conclusões de A Guerra Civil em França, de que “não basta a classe operária apoderar-se da máquina do Estado para adaptá-la aos seus próprios fins”.

Na relação de Lênin com a Comuna, se vê também essa postura militante de aprender com as lições dadas pelos que lutaram antes de nós. Sua obra “O Estado e a Revolução” expõe o quanto assimilar as conquistas e compreender as causas da derrota da Comuna foi fundamental para que a Revolução Russa de Outubro de 1917 tenha dado origem a um Estado Operário. Lênin, inclusive, interrompe a escrita do livro diante da crise política que antecedeu a revolução e comenta: “Só podemos alegrar-nos com tal “impedimento”. E junto com o informe do adiamento dessa escrita conclui: “é mais agradável e mais útil viver a ‘experiência da revolução’ do que escrever sobre ela”. Assim como a experiência da revolução russa passou pela escola da Comuna, qualquer posição programática séria de emancipação das massas de toda exploração e opressão passa pela assimilação também da Revolução Russa de Outubro de 1917 e outras revoluções do século XX. Compreender as causas das derrotas e da restauração capitalista nos países que iniciaram a transição ao socialismo também é fundamental. 

Neste momento, as massas francesas lutam heroicamente contra a reforma da previdência de Macron, porém, estamos distantes da luta internacionalista, mas a seu caminho. A Guerra da Ucrânia ultrapassou um ano, o imperialismo norte-americano, por meio da OTAN, prolonga a guerra e ganha a adesão de novos países, e descarrega os custos da guerra sobre os ombros dos explorados. Putin responde ao cerco militar da OTAN com os métodos burgueses da opressão nacional, violando a autodeterminação ucraniana. Certamente, as lições internacionalistas dos comunardos precisam ser reaprendidas, lições de como se forja a unidade do proletariado, única via progressista para derrotar os planos bélicos do imperialismo, arrancar a Ucrânia de seu controle  e romper o cerco militar e econômico à Rússia. Todos os problemas que as massas enfrentavam naquele momento histórico foram agravados após o capitalismo adentrar em sua fase imperialista, agonizante. 

A Comuna deu o sinal de que entrávamos na era das revoluções proletárias. A maior contribuição dos  seus 72 dias de vida foi revelar a forma política por meio da qual se pode realizar a emancipação do trabalho, ou seja, mostrou os germes do Estado Operário, do governo das classes produtoras. Engels e Lênin, em seu tempo, tiveram de defender as lições da Comuna contra os revisionistas do marxismo que buscavam amputar o socialismo científico de sua dimensão militante, revolucionária e radical. No momento atual, temos de remover uma montanha de deformações que se avolumaram com a regressão política e organizativa do proletariado mundial, cuja maior expressão é a ausência de um partido mundial da revolução socialista. Por isso, rememorar a Comuna não se restringe a homenagear seus mártires, mas exige dar continuidade aos esforços de várias gerações de revolucionários para constituir uma direção internacional da classe operária, condição para derrubar a dominação burguesa.

Das muitas lições que podemos aprender com a Comuna, com seu heroísmo, mas também com suas debilidades, destacaremos cinco: a importância da conquista da independência de classe do proletariado; a compreensão de que o Estado burguês deve ser destruído e substituído por um Estado operário, forma transitória pela qual se dará o fim da sociedade de classes; a necessidade violência revolucionária diante da violência reacionária da burguesia; o enfrentamento à burguesia internacional só pode se dar por meio do internacionalismo proletário. Estes pontos nos levam a uma última lição, a respeito da necessidade de a classe operária (re)erguer sua direção internacional.

Lição número 1: conquistar a independência de classe do proletariado

A Comuna de Paris é um marco do desenvolvimento político do proletariado como classe revolucionária, faz parte do alvorecer das lutas do proletariado contra a burguesia. Liga-se, fundamentalmente, às lutas de 1848, que tiveram uma dimensão continental, mas destacaremos apenas suas manifestações na França, onde o proletariado comparecia como um destacamento mais avançado em relação aos outros países. Até então, os explorados participaram dos processos revolucionários lutando contra os inimigos de seus inimigos. Auxiliando a burguesia a fazer suas revoluções e derrotar a nobreza. Porém, em 1848, a classe operária apareceu com reivindicações e interesses próprios. Não por acaso, é em 1848 que é publicado o Manifesto do Partido Comunista, o amadurecimento político da classe se dá de forma simultânea ao desenvolvimento do socialismo científico. Após a revolução de fevereiro de 1848, a classe operária, junto com a burguesia, derrotou as forças restauracionistas e cobrou uma “República Social”. Ante as traições da burguesia, se insurgiu e, em resposta, foi massacrada. A ressaca durou mais de duas décadas. Nesse intervalo, diante das divisões no seio das classes dominantes, Luís Bonaparte deu um golpe em dezembro de 1851 e, reproduzindo de forma farsesca os feitos de seu tio Napoleão Bonaparte, deu início ao II Império. A burguesia abriu mão de seu poder político direto e foi recompensada com o aumento da especulação e do desenvolvimento industrial, tendo como preço a sustentação de um governo extremamente corrupto. Luís Bonaparte desencadeou também uma política de guerras e anexações de territórios, com a promessa de recuperar as fronteiras do I Império do tio Napoleão Bonaparte, perdidas em 1814. 

O chanceler da Prússia, Bismarck, soube manobrar as aspirações francesas e empurrou Bonaparte para a guerra, em 1870. Com a derrota militar, em 4 de setembro, o II Império desmoronou e foi proclamada a III República, formou-se um “Governo de Defesa Nacional” sob a direção de elementos decompostos, tendo à frente Thiers. Todos os parisienses aptos a pegar em armas entraram na Guarda Nacional, composta agora majoritariamente por operários. Logo se desenvolveu a oposição entre o governo dos burgueses, que se refugiou em Versalhes, e o proletariado parisiense armado. Paris viveu um cerco de 131 dias pelos prussianos. Diante da fome, capitulou, mas a Guarda Nacional conservou suas armas e canhões. Em 18 de março, Thiers tentou roubar a artilharia da Guarda Nacional, mas falhou. O Comitê Central da Guarda Nacional se ergueu como um governo provisório, contra o governo de Versalhes. 

O manifesto do Comitê Central de 18 de março dizia: “Os proletários de Paris, em meio aos fracassos e às traições das classes dominantes, compreenderam que chegou o momento de salvar a situação tomando em mãos a direção dos negócios públicos… Compreenderam que é seu dever imperioso e seu direito incontestável tornarem-se donos de seus próprios destinos, tomando o Poder”. No dia 26 de março foi eleita a Comuna, dois dias depois ela foi proclamada. Mesmo sob Guerra Civil e em meio a uma ocupação estrangeira, as medidas adotadas pela Comuna atestam sua natureza de governo proletário e seu conteúdo popular, por tender a solucionar também os problemas das classes médias arruinadas e do campesinato endividado. A forma abstrata da reivindicação de uma “República Social”, 23 anos depois, na Comuna de Paris, adquiria contornos mais definidos e concretos. Para ter um governo que atendesse aos interesses da maioria da sociedade, ou seja, dos operários, pequena burguesia arruinada e campesinato pobre, o proletariado precisa tomar o poder.

Lição número 2: o Estado burguês deve ser demolido e substituído por um Estado operário

Para além da constatação da necessidade de destruir a máquina do Estado burguês, a Comuna adiciona ao programa revolucionário a resposta ao problema de, após destruir o Estado burguês, o que deveria ser posto no lugar. O Manifesto do Partido Comunista ainda não trazia essa resposta, falava genericamente na conquista da democracia, entendida como organização do proletariado como classe dominante. Foi a experiência prática da classe operária que definiu mais concretamente o que seria a forma “positiva” capaz de não apenas eliminar a forma monárquica de dominação de classe, mas a própria dominação de classe. O primeiro decreto da Comuna suprimiu o exército permanente e o substituiu pelo povo armado. Lição que passou a ser incorporada nos programas dos partidos que se reivindicam do socialismo. Os dirigentes da Comuna eram eleitos por sufrágio universal nos bairros parisienses, com mandato imperativo e revogável. A maioria era de operários ou representantes reconhecidos da classe operária. A polícia perdeu seu caráter de opressão política e passou a ser subordinada ao controle operário da Comuna, assim como todos os funcionários da administração, inclusive os juízes, sendo eleitos pelo povo. A remuneração dos representantes não poderia ultrapassar a de um salário de um operário qualificado, eliminando privilégios. Ou seja, o Estado transitório que estava sendo construído pela Comuna era uma democracia mais completa, uma democracia proletária. 

A Comuna suprimiu a separação entre executivo e legislativo, e instituiu uma “assembleia trabalhadora” que discutia, deliberava e executava o que deveria ser feito. A separação de poderes oculta o poder de classe e, sobretudo, que as decisões mais importantes dos países são tomadas nos bastidores e não nas instituições aparentes, onde se “tagarela” para enganar o povo. Instituiu-se a ideia de que o povo pode recrutar entre os seus aqueles que executarão, em seu nome, funções administrativas, podendo substituí-los caso se distanciem da vontade popular. Lênin desnudava a essência do parlamento burguês “decidir periodicamente, para um certo número de anos, qual o membro da classe dominante que há de oprimir e esmagar o povo no parlamento”, e criticava a socialdemocracia por deixar aos anarquistas o monopólio da crítica ao parlamentarismo, por ocultarem a crítica marxista que, inclusive, desnuda a inconsequência do próprio anarquismo, vale lembrar a trajetória de Proudhon no interior do parlamento.

Engels atribuía grande importância às lições da Comuna diante da mistificação do Estado, algo que penetrava na consciência inclusive dos operários, habituando as massas a acreditarem, desde o berço, que não haveria outra forma de administrar a sociedade, como se a república democrática fosse a forma mais aperfeiçoada de governo dos interesses gerais da sociedade. Engels reafirma que “o Estado não é outra coisa senão uma máquina de opressão de uma classe por outra, e isso tanto numa república democrática como numa monarquia”. O proletariado o herda como um peso em sua luta contra a dominação de classe, até que uma nova geração possa se livrar de todo esse aparato governamental. Lenin complementa que reconhecer a natureza de opressão de classe de qualquer forma de governo não significa que o proletariado seja indiferente a suas variações. Pelo contrário, luta por liberdades democráticas para ter melhores condições de lutar por sua emancipação. Todos os partidos que se afundaram no eleitoralismo, que canalizam as lutas das massas para o terreno parlamentar, que santificam a democracia, ocultando seu caráter de classe, não têm como homenagear verdadeiramente a Comuna, pois trabalham para deformar e ocultar seus ensinamentos.

Engels, no prefácio de 1891 da reedição de A Guerra Civil em França, de Marx, fala do terror provocado pela palavra “ditadura do proletariado” e conclui: “Ora bem, senhores, quereis saber que rosto tem esta ditadura? Olhai para a Comuna de Paris. Era a ditadura do proletariado.” Apesar dessa afirmação, pela imaturidade do proletariado e pela brevidade da experiência, essa ditadura do proletariado não teve, realmente condições de se afirmar. Já na análise no momento dos acontecimentos Marx apontou criticamente que o proletariado resistiu em exercer a opressão sobre as classes dominantes, o que as deixou de mãos livres para conspirar e depois massacrar a Comuna. Lênin também apontou como principal debilidade da Comuna não ter se dedicado mais a quebrar a contrarrevolução burguesa, ou seja, se erguer, de fato como ditadura do proletariado, assumir a tarefa de oprimir a minoria burguesa que antes oprimia a maioria operária e camponesa. 

Por mais que um poder da maioria sobre a minoria seja já um grande passo para que o Estado possa definhar e deixar de existir, isso não se dá de forma imediata, sobretudo quando se considera que a burguesia é uma classe mundial, assim como o proletariado, e que a revolução não acontece de forma simultânea no mundo todo. Os elos rompidos pela luta proletária passam a ser alvo da feroz contrarrevolução burguesa. No caso da Comuna, por exemplo, França e Prússia que estavam em guerra, nas vésperas, se uniram na repressão ao proletariado insurreto.

O que Lênin explica também é que as medidas democráticas de eleição de representantes, revogabilidade de mandatos e fim dos privilégios de representação só atingem seu pleno significado quando combinadas com a expropriação da burguesia e transformação da propriedade privada dos meios de produção em produção social. É a libertação das forças produtivas contidas pelas relações de produção capitalistas e seu desenvolvimento na forma de propriedade social que possibilita as formas de organização social ainda mais avançadas que uma democracia proletária, ou seja, ainda um governo da maioria sobre a minoria. A Comuna aprovou medidas de um governo verdadeiramente do povo pelo povo. Aboliu o trabalho noturno de padeiros, proibiu o arbítrio patronal que levava a reduções salariais, entregou as fábricas fechadas ao controle das organizações operárias. Marx analisou, porém, que foram medidas moderadas, compatíveis com a situação de uma cidade sitiada. Marx e Engels destacaram como a Comuna foi parcimoniosa diante do Banco da França, em vez de expropriar, fez modestas requisições. Engels ressalta que “O Banco nas mãos da Comuna — isso valia mais do que dez mil reféns. Significava a pressão de toda a burguesia francesa sobre o governo de Versalhes, no interesse da paz com a Comuna.”.

Um outro aspecto analisado por Marx foi quanto à separação entre o Estado e a Igreja. Além de quebrar a força física da repressão, a Comuna se dedicou a quebrar sua “força espiritual”. A Comuna passou a considerar que, ante o Estado, a religião é um assunto privado, expropriou as igrejas, livrou as escolas de toda interferência da Igreja, garantiu acesso do povo à educação gratuita e livrou a ciência dos preconceitos religiosos e de classe.

Lição número 3: A violência revolucionária é imprescindível para enfrentar a contrarrevolução

A violência revolucionária não decorre de nenhum instinto sanguinário do proletariado, mas sim da necessidade de se precaver e enfrentar a burguesia, essa sim sanguinária e vingativa, que não hesitou, ao longo da história, em massacrar inúmeras vezes os explorados, inclusive de forma exemplar para desencorajar novas iniciativas. A Mensagem da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), redigida por Marx, atesta como de 18 de março até a entrada das tropas de Versalhes em Paris, a revolução proletária se deu livre de atos de violência. Ainda sim os capitalistas e seus ideólogos fizeram de tudo para taxar os comunardos de violentos, usando episódios de responsabilidade da própria burguesia. A morte do General Lecomte, por exemplo, se deu quando, diante da resposta do proletariado à tentativa de roubo da artilharia em Montmartre, o general ordenou por quatro vezes que os soldados abrissem fogo contra uma multidão desarmada. Em vez de atirar sobre mulheres e crianças, os seus próprios homens atiraram sobre ele. Os mesmos homens executaram Clément Thomas. O proletariado exerceu o mínimo possível a violência, foi extremamente indulgente. Deixou o caminho livre para os partidários da Assembleia Nacional saírem de Paris, permitindo que se agrupassem em Versalhes, os casos de confronto armado se deram em episódios de grande provocação e desacato a tiros de advertência.

Diante da execução de prisioneiros por parte de Thiers, a Comuna adotou a prática prussiana de fazer reféns, exigindo a libertação de prisioneiros em troca. Porém os versalheses seguiam executando prisioneiros, o que obrigou a comuna a executar alguns reféns para não ficar desmoralizada. As mortes de reféns, portanto, foram de exclusiva responsabilidade da burguesia, por se recusar a trocar os reféns por prisioneiros. Por várias vezes, a Comuna ofereceu a troca do arcebispo de Paris e vários padres, por Blanqui. Thiers se recusou, sabia do papel dirigente de Blanqui, assim como sabia que a morte do arcebispo lhe serviria em sua campanha difamadora contra a Comuna. 

Por outro lado, Thiers cometeu inúmeras atrocidades, com execuções sem julgamento, massacres, violação da neutralidade dos hospitais, maltratava seus prisioneiros e exaltava figuras como o esquartejador do líder operário Flourens. A Comuna também foi caluniada e toda a demonstração de abnegação e heroísmo de seus homens e mulheres, nas barricadas, era apresentada como atos criminosos. Na resistência à invasão versalhesa, a Paris operária usou o fogo como meio de defesa, incendiou edifícios e monumentos, o que gerou protestos da burguesia internacional em defesa dos ladrilhos e tijolos, ao mesmo tempo em que silenciava diante do massacre do proletariado. A repressão à Comuna, com seu rastro de sangue e milhares de cadáveres, revelou a barbárie que se oculta sob a civilização e justiça burguesas. A mesma lição tem se repetido a cada levante dos oprimidos. Constatar a magnanimidade do proletariado não significa exaltar a não violência ou semear qualquer ilusão pacifista. Muito pelo contrário, reafirma a necessidade de se defender diante da contrarrevolução e enfrentar a violência reacionária da burguesia com a violência revolucionária do proletariado.

Lição número 4: Erguer o internacionalismo proletário contra a burguesia mundial

Os acontecimentos da Comuna de Paris evidenciam o quanto tanto a burguesia como o proletariado são classes internacionais. A Comuna expressou o internacionalismo proletário, incorporou entre seus membros operários e representantes do proletariado estrangeiros, inclusive da então Prússia, sem nenhuma distinção. Fez questão de derrubar a coluna Vendôme, construída por Napoleão Bonaparte com os canhões dos exércitos por ele derrotados. A derrubada foi um símbolo de união entre os povos, o que só é possível pela via do internacionalismo proletário. Por outro lado, as classes dominantes da Prússia e França, que, na véspera guerreavam, se juntaram para esmagar o proletariado francês. O governo de Thiers se humilhou perante a Prússia, para que seus exércitos aprisionados pudessem ser liberados para massacrar a Comuna. Como analisou Marx: “A dominação de classe já não pode ser disfarçada, sob o uniforme nacional; todos os governos nacionais são um só contra o proletariado!” O mesmo ocorreu com a Revolução Russa de Outubro de 1917, em meio à Primeira Guerra Mundial.

Ao mesmo tempo, os mesmos governos europeus que conspiravam (e conspiram) cotidianamente em favor do Capital, lançaram uma ampla campanha de difamação e repressão à Associação Internacional dos Trabalhadores. Apresentavam a AIT como uma conspiração secreta que ordenava explosões sociais em vários países. No entanto, conforme afirmou Marx, as explosões sociais não nasciam de um decreto da AIT, mas sim das próprias contradições da sociedade capitalista. A AIT se propunha e trabalhava por dirigi-las, sob o programa e a política internacionalista do proletariado.  Por isso, as carnificinas como a que encerrou a Comuna de Paris podem golpear o proletariado, sufocar momentaneamente a luta de classes, mas, enquanto houver a exploração do capital sobre o trabalho, haverá luta de classes.

Lição número 5: A necessidade de o proletariado construir seu partido mundial 

No prefácio já citado de Engels, ele analisa que a composição da Comuna de Paris era de maioria blanquista, e uma minoria da AIT, mas da ala de Proudhon. Eram poucos os que conheciam o socialismo científico, ou seja, eram partidários das ideias de Marx e Engels. Os blanquistas da grande massa eram socialistas apenas por “instinto revolucionário, proletário”. Mesmo assim, nos atos políticos e econômicos, blanquistas e proudhonianos fizeram o oposto do que prescreviam suas doutrinas. Na política, em vez de posição conspiratória, desenvolveu-se uma ampla democracia proletária. Na economia, apesar dos princípios de Proudhon, desenvolveram-se as formas de controle operário da produção.

No texto “A Comuna de Paris e a Rússia dos sovietes”, Trotsky celebra a Comuna, mas reconhece a ausência de uma direção coesa e a confusão de seu programa e projetos. A ausência de uma direção física consciente na Comuna de Paris deixou lições para a vitória de futuras revoluções: é incontornável a tarefa de constituir vanguarda organizada em partido político, independente perante partidos burgueses e pequeno burgueses. Na Revolução Russa, por exemplo, o instinto das massas pôde confluir com o partido e seu sólido programa revolucionário. Por isso, o compromisso com o legado emancipador da Comuna alimenta a necessidade de trabalhar com afinco para levar adiante a luta de Marx, Engels, Lênin e Trotsky para edificar o internacionalismo proletário. Em seu tempo, Marx e Engels ergueram, com outras correntes do movimento operário, a AIT, conhecida também como Primeira Internacional. Embora ela não tenha dirigido as forças revolucionárias da Comuna, compareceu como principal inimigo estratégico à dominação da burguesia. A AIT não teve como sobreviver à derrota da Comuna, teve sua existência de 1864 a 1874. Seu esgotamento marcou a cisão definitiva entre a concepção marxista da revolução proletária e as ideias difusas do anarquismo.

A Comuna de Paris permitiu vislumbrar a possibilidade de derrubada da burguesia e das transformações socialistas. Sua derrota ressaltou a necessidade da direção guiada pelo programa e estratégia revolucionários. As experiências seguintes de construção e decomposição da II Internacional e, sobretudo, de constituição da III internacional sinalizaram os progressos do proletariado europeu e mundial. Sob o estalinismo, mergulhamos novamente em um retrocesso profundo. A oposição de esquerda que se ergueu em torno de Trotsky foi derrotada e o curso restauracionista se impôs, liquidando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) A IV Internacional cujo programa segue vigente não conseguiu se erguer sobre o proletariado e se dissolveu sob a ação do revisionismo, por isso a tarefa internacionalista de nossa época é a de reconstruir a IV Internacional como partido mundial da revolução socialista. Ou seja, superar a crise de direção revolucionária. A cada explosão social como a que hoje convulsiona a Europa, o instinto revolucionário das massas não consegue se fundir com o programa revolucionário, pela ausência dos partidos operários revolucionários. As massas carregam em seus ombros todo o peso da desintegração do capitalismo, com suas contrarreformas, destruição de empregos, miséria, fome, guerras, sem conseguir coordenar respostas conjuntas. Sem conseguir generalizar as lutas que despontam recorrentemente. 

Fazemos um chamado a forjar uma nova geração de revolucionários, temperados pelas experiências de lutas da classe operária internacional, cientes da necessidade de construir os partidos-programas, de se guiar pelo internacionalismo e dar uma resposta classista à aceleração da decomposição do sistema capitalista. Os operários e operárias que edificaram a Comuna de Paris revivem nos combates dos oprimidos contra seus algozes, contra a burguesia internacional. Serão vingados com a vitória da revolução proletária internacional. Viva a Comuna de Paris!

Nota:

¹Militante do Partido Operário Revolucionário (POR), seção do Comitê de Enlace pela Reconstrução da Quarta Internacional (CERQUI). Contato http://www.pormassas.org.

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