Amapá: protestos garantem auxílio emergencial de 600 reais

José Antonio Abrahão Castillero

O que a conquista judicial pela concessão do auxílio de 600 reais pode nos dizer? Apesar da justiça dizer que é por conta da tragédia, provavelmente se não fossem os mais de 65 protestos em uma semana, isso não ocorreria.

O Juiz Federal da 2ª Vara de Justiça do Amapá, João Bosco Costa Soares da Silva, deu parecer favorável ao pedido de concessão de 2 meses de auxílio emergencial de 600 reais, para os 13 municípios afetados pelo apagão no Estado do Amapá. A União tem prazo de 10 dias para assegurar o pagamento.

Dada a cruzada do presidente Jair Messias Bolsonaro em manter a redução do auxílio em 300 reais, senadores já pedem para que ele não recorra contra essa decisão e atenda à medida judicial. A política do presidente tem sido de ignorar o desemprego recorde ao justificar a redução com criticando o “fica em casa”, que era o isolamento social pela proteção das pessoas contra a pandemia. Segundo esse discurso, bastaria abrir o comércio que os postos de trabalho iriam se apresentar aos desempregados. Ao atacar o isolamento, alega que a abertura de comércio traz novos empregos. Logo, não precisaria distribuir auxílio em 600 reais, pois as pessoas estariam conseguindo emprego. Na verdade, não é isso que acontece e tem interesses perversos nessa posição.

“Bolsonarismo” realizado: mais desemprego, menor auxílio, menor salário

Dos beneficiários pelo auxílio, 61% são de informais, vivendo de bicos, que recebem até R$1.254,00 reais. Esses trabalhadores são os mais expostos à COVID-19. Isso os coloca com mais dificuldade para trabalhar. Com o desemprego alto, sobra poucas ou nenhuma alternativa. Então, o auxílio emergencial vira uma solução contra essa calamidade.

O auxílio também é uma solução empresarial, setores empresariais defendem a manutenção dele por gerar consumo e gerar rendimento ao PIB brasileiro, assim são contra sua redução por provocar redução de vendas. Isso inclui, sim, a perversidade dos produtores de alimentos comemorarem a alta dos preços, provocando a fome pela falta de abastecimento de estoques públicos voltados para o consumo interno.

Além do equilíbrio das vendas, o auxílio serve para provocar o aumento de salários e estímulo do aumento de produtividade. Quem reclama disso são empresas que contratam por peça e algumas do setor de serviços. Nisso, reclamam que trabalhadores não aceitam mais baixa remuneração, como ocorreu com o setor têxtil em Caruaru, no Pernambuco. Esses setores sabem que a redução do auxílio vai aumentar a taxa de desemprego, isso é uma pressão pela redução da remuneração aos trabalhadores. Levando em conta que 63% dos empregados estão medo de perder seus empregos, essa pressão fica maior.

O projeto do governo Bolsonaro é de agradar esses setores que se mobilizaram contra o “comunismo” dos direitos sociais e trabalhistas. Foi a união desses empresários que não querem valorização da remuneração e nem qualificação dos trabalhadores. Para isso, sacrificam vendas e investimentos. Para manter seus lucros e a dependência, controlando pessoas pela fome. Na pandemia, isso virou um pacto de morte, ao não priorizar condições sociais para o isolamento e pressionar pela abertura de comércio. Por isso, o presidente nunca quis o auxílio. Sua proposta inicial era um voucher de 200 reais de empréstimo, depois de uma mobilização de movimentos no congresso que cedeu para 600 reais. Agora reduziu para 300 reais, enquanto o ministro Paulo Guedes dizia que aumentar salário mínimo provoca desemprego. Quando na verdade é a falta de investimento em produção, em busca da redução de salários, que promove o desemprego.

Essa situação de pobreza extrema, com empresários usufruindo a baixa remuneração aos trabalhadores, exige repressão e discurso sistemático pela retirada de direitos. Isso coincide com a redução do auxílio emergencial e o desemprego. Não importando as mortes e a fome colocadas. Tal situação é o “bolsonarismo” realizado, onde capitalistas gritam a favor disso.

Se aconteceu no amapá, pode acontecer no Brasil

Se a coisa pode piorar, é no Amapá que aconteceu. Da ineficiência da gestão privada da empresa de energia ISOLUX, um incêndio provocou um apagão por mais de 10 dias. Diante da falta de gerador reserva ou qualquer aparelhamento contra esse acidente, fica clara a negligência. O povo segue lutando, fazendo mais de 65 protestos. A falta de energia provocou prejuízos para trabalhadores e comerciantes de 13 municípios, em termos desde saúde, no abastecimento de água e  até a renda.  Diante disso, a resposta do poder público se dá em termos judiciais, que não tem resposta precisa pela empresa ou pelo governo do Estado. Por isso além dos protestos, moradores dos municípios atingidos estão organizando redes de apoio com doações  e distribuição de água potável.

É um problema técnico, mas que vem com problemas políticos. É que a ineficiência de empresas é solucionada com inércia do poder público, enquanto os trabalhadores mais pobres pagam os prejuízos. Principalmente com uma empresa privada gerindo o serviço de iluminação de um Estado, tal como ocorre em diversos municípios pelo Brasil. A inércia do poder público e a negligência com os prejuízos sofridos pelos trabalhadores mostram aonde chega esse projeto de sociedade. É a conjugação de perda de direitos sociais com a repressão, que faz as pessoas perceberem que a revolta popular é a garantia de direitos políticos.

O que a conquista judicial pela concessão do auxílio de 600 reais pode nos dizer? Apesar da justiça dizer que é por conta da tragédia, provavelmente se não fossem os mais de 65 protestos em uma semana, isso não ocorreria. A tragédia do Amapá poderia ser em diversas cidades do Brasil, que não é só um risco de apagão, mas sim de ineficiência e abandono dos trabalhadores. E também, estamos vivendo uma calamidade de desemprego, desvalorização de salário, inflação de alimentos e pandemia. Essa última já está na segunda onda, saturando redes públicas de saúde do país, enquanto o presidente já diz que não pretende apoiar as pessoas no isolamento, dizendo novamente que “economia é mais importante”. Como se a economia não dependesse de nossas vidas, por isso tivemos crise econômica mesmo com a abertura. Então, a revolta popular no Estado pode virar um exemplo para o Brasil. Principalmente, para o movimento pelo auxílio emergencial. Esse passou por mobilização virtual que virou uma atividade intensa de militantes, que são trabalhadores informais ou desempregados. Em sua maioria são mulheres e mães. Muita delas são solteiras. Desde a colocação virtual em grupos de Facebook ou Whatsapp sobre suas necessidades e dificuldades em receber o benefício, até a realização de panelaços, pedidos de ajuda, fazendo protestos e novas formas de resistência.  Como já avisou Mariana, uma das militantes da luta pelo auxílio emergencial. Sua fala soa como uma profecia ou aviso dos fatos que estavam ocorrendo:

 […] o recado que eu tenho, [é que] cada um sabe onde o calo aperta. É só o começo, se a gente esperar … porque o caldo já entornou. O que eu não quero é que o barco afunde. Então nós não podemos esperar mais, nós temos que cobrar agora para não perder o mês de outubro, mas três meses de seiscentos reais é o mínimo que a gente quer para a gente poder se organizar e manter o controle pra quando for ano que vem a gente voltar ao normal.

Essa colocação já avisava que é preciso o povo protestar e reivindicar seus direitos, mesmo que a sobrevivência pela renda básica do auxílio, antes que o “caldo entorne”. Agora os protestos do Amapá confirmam a razão de sua fala. Se a calamidade gerou a revolta popular como única garantia possível de direitos, é hora de repetir isso por todo o Brasil. Afinal, a calamidade já está sendo promovida. Então, pela politização própria desses trabalhadores, que da precariedade que vivem, perceberam que por não serem culpados por sua pobreza, têm direito ao auxílio emergencial. Isso virou uma mobilização por direitos sociais, já retirados por empresários e governos anteriores, agravado agora por Bolsonaro. O povo do Amapá, ao conquistar a concessão do auxílio de 600 reais, pode virar exemplo para essa mobilização geral que tem ocorrido pelo país, mas tem buscado uma efetividade em pressionar melhor as classes dominantes. É preciso parar o país, para serem ouvidos.

José Antonio Abrahão Castillero é militante da rede de coletivos Invisíveis.

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