Tomasz Konicz

A ideia de que as economias da semiperiferia, celebradas por anos como as “locomotivas da economia mundial”, alcançariam economicamente os centros, é embaraçosa não só na crise atual, que é particularmente dura para muitos países emergentes como Turquia e Brasil; também está em total contradição com os limites ecológicos externos do capital que se manifestam na crise climática.

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A China é agora de longe o maior emissor de gases de efeito estufa. Apesar de todos os programas para desenvolver energias renováveis, a economia capitalista estatal do país é responsável por quase 30% das emissões globais de dióxido de carbono. Isso mostra que capitalismo e proteção climática são incompatíveis – não apenas em países emergentes.

Parece ser uma loucura política climática absoluta: em meio ao desdobramento da crise climática, a China depende do carvão de combustível fóssil. De acordo com um estudo do Global Energy Monitor (GEM) publicado no final de junho, as usinas a carvão com uma produção total de quase 250 gigawatts estão em construção ou em fase de planejamento. Este programa de desenvolvimento por si só ultrapassaria a produção de energia de todas as usinas movidas a carvão nos Estados Unidos.

Uma tendência de longo prazo ecologicamente desastrosa parece continuar, que acompanhou a ascensão meteórica do antigo país emergente à “oficina do mundo” e a uma poderosa liderança geopolítica. Entre 1990 e 2017, as emissões de CO2 na República Popular aumentaram cerca de 350%, com grande parte desse aumento nas emissões ocorrendo nas duas décadas do século 21, nas quais Pequim levou adiante sua estratégia de modernização em um ritmo vertiginoso. A China é agora – apesar de todos os programas para construir energias renováveis ​​- de longe o maior emissor de gases de efeito estufa, cuja economia capitalista é responsável por quase 30% das emissões globais de dióxido de carbono. O segundo maior contribuinte para o aquecimento global são os Estados Unidos.

Assim, a China, de longe o ex-mercado emergente de maior sucesso, parece ilustrar a impossibilidade de recuperar o atraso na modernização capitalista. A ideia de que as economias da semiperiferia, celebradas por anos como as “locomotivas da economia mundial”, alcançariam economicamente os centros, é embaraçosa não só na crise atual, que é particularmente dura para muitos países emergentes como Turquia e Brasil; também está em total contradição com os limites ecológicos externos do capital que se manifestam na crise climática.

Mesmo aqueles países emergentes que – ao contrário da China – não alcançaram conexão econômica com os centros, apresentam um aumento extremo nas emissões de CO2 em relação a 1990: no Brasil é de 115 por cento, na Turquia 186 por cento, na Indonésia 215 por cento e no caso da Índia, até 305%. Uma grande parte do aumento das emissões de gases de efeito estufa no século 21 pode, portanto, ser atribuída ao crescimento nos países emergentes – embora os efeitos da economia na esteira do colapso do socialismo de estado soviético devam ser levados em consideração, como as emissões de gases de efeito estufa da Rússia (25%) ou da Ucrânia (73%) ainda está no nível de 1990.

Para ter uma chance de limitar o aumento global das temperaturas a uma média de 1,5 grau e prevenir a escalada incontrolável da crise climática, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), as emissões de CO2 teriam que ser reduzidas em 15 gigatoneladas anualmente a partir de 2030. Isso corresponde à produção total da UE, Índia, Rússia e Japão. As medidas estatais de combate às mudanças climáticas teriam que aumentar cinco vezes em uma gigantesca demonstração de força, de acordo com um estudo do PNUMA, em que a humanidade está agora “lentamente ficando sem tempo”. As economias dos países industrializados e emergentes do grupo G20, que são responsáveis ​​por cerca de 78% das emissões globais de CO2, são as principais responsáveis.

Reduzir imediatamente a queima de carvão em 80%

Após décadas de perda de tempo, uma mudança radical de direção seria necessária. E precisamente isso não está à vista – precisamente porque, por exemplo, a eliminação progressiva da geração de energia a carvão que foi iniciada em muitos países industrializados está sendo supercompensada pela construção de usinas a carvão nos países emergentes, de modo que as capacidades globais poderiam até mesmo continuar a aumentar ligeiramente nos próximos anos. Seria necessária uma redução imediata da combustão do carvão em cerca de 80%.

Portanto, não é surpreendente que no século 21 as emissões globais de CO2 apenas tenham caído no ano de crise de 2009, quando a economia mundial despencou como resultado do estouro das bolhas imobiliárias transatlânticas na UE e nos EUA. Naquela época, a República Popular da China era considerada o “salvador” da economia mundial, o que, junto com os EUA, estabilizou o sistema com enormes pacotes de estímulo econômico – e no ano seguinte as emissões de CO2, que caíram 1,4% em 2009, foram reduzidas em 5,9%. Também neste ano de crise, um cenário semelhante está surgindo, em que o colapso das emissões de gases de efeito estufa induzido pela pandemia é capturado o mais rápido possível no âmbito da política econômica keynesiana.

Na China, em cujas áreas industriais era possível respirar fundo literalmente pela primeira vez em décadas quando a pandemia estourou, dizem que foi esse o caso em maio passado. O combate à crise econômica, que goza da maior prioridade para a oligarquia estatal chinesa devido ao constante medo da instabilidade política, por enquanto retirou a proteção do clima da agenda política diária, segundo a mídia. Capital contra o clima – essa posição de frente fundamental também foi expressa na última cúpula da UE em Bruxelas, quando as metas climáticas substanciais foram amplamente sacrificadas às disputas nacionais sobre o crescimento e subsídios econômicos.

O rápido crescimento da China, acompanhado de contradições internas, em interação com a crise climática, desencadeou duas reações ideológicas no público ocidental. Por um lado, o impulso cada vez maior de ver a China como um competidor geopolítico, até mesmo um inimigo, é expandido para incluir uma dimensão ecológica na qual a imagem do inimigo burguês do “perigo amarelo” é amalgamada com preocupações sobre o colapso climático iminente. Por outro lado, aumentam as reações de resignação que, no que se refere ao aumento das emissões na China e nos países emergentes, negam qualquer sentido à política climática nos centros – apenas para continuar a seguir o capitalismo dos combustíveis fósseis.

As emissões per capita são maiores na República Federal do que na China

Em contrapartida, deve-se notar que as emissões de gases de efeito estufa na República Federal são maiores em relação à população do que na China. As emissões per capita de dióxido de carbono na República Popular de 2018 foram de 7,95 toneladas de CO2, enquanto na Alemanha foi de 9,1 toneladas. Nos EUA, esse número chegou a 16,1 toneladas. Esta visão imperial de criticar o rápido aumento de CO2 na semiperiferia de um centro do sistema mundial torna-se completamente absurda quando as emissões históricas são levadas em consideração: as emissões da China só aumentaram rapidamente por cerca de duas décadas, enquanto países como a RFA ou os EUA tiveram sua decolagem industrial há mais de cem anos.

Toda a sociedade capitalista depende – na forma de impostos e salários – deste processo de combustão fetichista em que matérias-primas e energia são queimadas por meio de trabalho assalariado, a fim de ganhar mais dinheiro com o dinheiro em um ciclo sem fim.

É uma loucura ecológica forçar a modernização capitalista dos países emergentes; e ao mesmo tempo é proibido ao público nos velhos centros de prosperidade contestar o direito dos países emergentes de se recuperarem economicamente. Dentro da lógica econômica, dentro da prisão do pensamento capitalista, em que a publicação do discurso sobre o clima ainda está em grande parte acontecendo, há – além do silêncio de costume – apenas as opções de recusar aos emergentes a modernização e a conexão ao centro ou ignorar as mudanças climáticas referentes aos países emergentes, separando nitidamente os discursos públicos correspondentes na má tradição burguesa.

O óbvio absurdo ecológico de manufaturar produtos em países emergentes para depois transportá-los pela metade do globo ilustra a incompatibilidade fundamental do capitalismo com a proteção do clima, que é particularmente evidente neste exemplo. No entanto, isto aplica-se em particular à circunstância acima mencionada de que, até agora, a nível global, as poupanças nas emissões de CO2 só ocorreram a curto prazo no decurso de crises econômicas globais. O fogo da máquina de reciclagem global não deve apagar-se, especialmente nos países emergentes, que dependem de uma taxa de crescimento particularmente elevada devido a contradições sociais particularmente fortes. Parar aqui significa crise.

Para a relação de capital abstrato-real, o mundo concreto representa apenas um estágio de transição necessário para acumular quantidades cada vez maiores de trabalho assalariado abstrato por meio da produção de mercadorias. Em nível global, o capital, mediado pelo mercado, desenvolve sua própria dinâmica da mais elevada autoexploração possível, cega às consequências sociais e ecológicas de seu movimento de exploração. Toda a sociedade capitalista depende – na forma de impostos e salários -, por assim dizer, do gotejamento deste processo de combustão fetichista em que matérias-primas e energia são queimadas por meio de trabalho assalariado (a substância do capital), a fim de ganhar mais dinheiro com o dinheiro em um ciclo sem fim.

A loucura do capitalismo fóssil obedece, portanto, a um método irracional. A China capitalista de Estado teve que acelerar a economia novamente, mesmo que a crise climática seja ignorada aqui, pois, caso contrário, ameaça o colapso social de uma formação social que é apenas o meio de uma dinâmica de exploração literalmente enlouquecida – essas restrições econômicas reais deixam a contradição fundamental entre capital e o clima que ainda pode ser ignorado nos centros por meio da ideologia da modernização verde, que surge abertamente nos países emergentes: colapso econômico agora ou colapso climático depois. Na verdade, isso reduz o espaço para funcionários políticos em países emergentes e industrializados na crise atual.

Todo o potencial de aniquilação do qual o capitalismo tardio engravida já está claro na mercadoria como a “forma elementar” da riqueza capitalista (Marx), em que o valor de uso só é importante como portador do valor – e onde o concreto, por meio da energia, a natureza material do corpo de bens criado por matérias-primas e trabalho é usada apenas para realizar o valor excedente abstrato-real (ou seja, o quantum de tempo de trabalho socialmente necessário objetivado no corpo de bens) por meio da venda no mercado. O resultado: quanto maior o aumento da produtividade mediado pela competição, quanto menor o tempo de trabalho abstrato gasto na mercadoria individual como sua substância, maior a compulsão de vender mais mercadorias para utilizar a mesma quantidade de capital.

Visto que o trabalho assalariado é a substância do capital, o aumento da produtividade aumenta a fome de queima da máquina de valor agregado capitalista global. A fuga ecologicamente devastadora de capital para países emergentes e de baixos salários, seu desejo fútil de voltar ao século 19, por assim dizer, é precisamente a expressão dessa contradição interna do capital. Nas décadas neoliberais da globalização, a inundação de sucata elétrica e barata, que se tornou obsoleta o mais rápido possível e é vendida nos centros endividados socialmente erodidos, foi uma expressão concreta do entrelaçamento de barreiras internas e externas, produzidas sob a exploração capitalista inicial nos países emergentes de capital.

Um ajuste global das condições de vida só é concebível pós-capitalisticamente

O que se segue das afirmações acima é uma verdade incômoda para muitos militantes de esquerda politicamente orientados: um desenvolvimento sustentável da periferia do sistema mundial, um ajuste global das condições de vida, só seria concebível além do capital – em um sistema mundial pós-capitalista onde a modelagem consciente da reprodução social não é mais possível obedecer aos “mercados” descontrolados, mas concentrar-se na luta global contra os efeitos de longo prazo da crise climática capitalista.

Isso pode soar como uma ilusão em vista das realidades capitalistas tardias, mas a transferência de capital para a história, que também deve incluir a liberação das necessidades humanas do espartilho forçado da forma de bens, é a condição sine qua non do processo de civilização em vista das contradições internas da dinâmica fetichista do capital que foram descritas no século 21. Este não é um voluntarismo radical, mas uma compreensão da necessidade de sobrevivência. A superação do regime de restrição capitalista representa, portanto, a última restrição que o capital estabelece em sua agonia.

Tomasz Konicz é um marxista alemão, residente na Polônia, autor de Klimakiller Kapital: Wie ein Wirtschaftssystem unsere Lebensgrundlagen zerstört [Capital assassino do clima: Como um sistema econômico destrói nossas fontes de vida] (2020). Este artigo foi publicado em 10/12/2020 na Oxi.