Anjos de Pedra¹

Leonardo Lima Ribeiro²

Os viadutos são dobras nos asfaltos que dormem em cidades as quais se curvam sobre si mesmas. A curvatura parcialmente vertical dá o tom da anunciação da silhueta sinuosa, a qual tem como anexo um mapa de complexas sombras ruidosas. As sombras que deitam e afagam o asfalto e vãos abertos para passagem dos carros são também guaridas para imóveis transeuntes. Acendendo luzes numa dobra de asfalto e sob o teto curvado de concreto, os despossuídos de tudo sentam e deitam seus vazios estômagos, acariciados pelo calor das lamparinas ao centro de um papelão vertido como leito do soturno ritual dos necessitados. Acolhidos pelas sombras vertidas e sob manto dos cânticos dos motores espraiados e em movimento, o culto obrigatório ao asfalto faz da arquitetura dos viadutos o pesadelo e, simultaneamente, o quarto demoníaco dos anjos abortados. Tornando-se ornamentos desumanizados, não apenas seus contornos são semelhantes às esculturas da morte. As peles expressam o veludo acinzentado da fuligem sobre os corpos espalhados, cujos contornos servem de cobertor para barriga vazia, estradas que desertaram de comida, porquanto estejam no epicentro daquilo que tantos cínicos intitulam de civilização.

¹ Um aforismo de impacto na forma de prosa poética

² Observador e cronista dos heróis estropiados da vida moderna, como diria Charles Baudelaire

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