A ditadura tentou matar o teatro político pós-64

Por Romero Venâncio (UFS)


O teatro brasileiro político que vinha numa crescente desde os anos 50 foi duramente golpeado pela ditadura pós-64. Sabemos disto por um ensaio do ator, diretor e escritor Fernando Peixoto intitulado: “Problemas do teatro no Brasil” de 1967. O texto tem caráter de balanço. Na linha de uma afirmação de Brecht sobre a relação teatro-público, Peixoto nos faz ver que a lógica dos ditadores contra o teatro brasileiro era separá-lo completamente do público colocando toda uma série de dificuldades para sua prática. Teatro sem público morre.


O movimento do teatro estudantil nos anos 50 fizera o teatro em algumas cidades brasileiras avançar politicamente. Entrava no teatro preocupações com o Brasil em perspectiva de esquerda. Uma lufada de juventude e inteligência entrava nesse teatro que poderia ser chamado de moderno à época (Décio de Almeida prado). É o caso da peça: “Eles não usam black-tie” de G. Guarnieri. O teatro começava a deixar de ser uma coisa de “elite” e com preocupações meramente estrangeiras. E na forma, mudava muito. Nada de cenários exuberantes e caros, mas um espaço cênico modesto e criativo. A centralidade era da palavra que fazia ver e imaginar.


Entra no teatro brasileiro do final dos anos 50 e 60, temas como: greve, operários, futebol, cordel, negros, pobres, cultura popular, Zumbi, Tiradentes, Calabar, Guerrilha, América Latina… Não era pouco para um jovem teatro do CPC-UNE, de Arena, Oficina. Como bem sintetiza Fernando Peixoto:
“A verdade da minha geração creio que nasceu com a existência e, para nós, distantes, a descoberta do Teatro de Arena. Black-Tie de Guarnieri e Chapetuba de Vianinha eram a realização de tudo. Nossa bandeira.”

A ditadura e seus apoiadores jamais poderiam tolerar o florescimento e crescimento de um teatro desses. Provocava, inquietava, despertava e problematizava o país. Tudo que uma ditadura não pode permitir. E ela foi para cima do teatro. A direita fascista invadia teatro, espancava atores e atrizes e acabava peças. Um teatro da maneira como um Brasil entendia o jovem teatro político no Brasil. Imaginemos um setor significativo de uma juventude sonhadora e desejosa de utopia, vendo ou encenando um teatro político que pautava o nacional-popular deste Brasil? Essa juventude saia outra. Teria uma outra formação. Lutaria contra qualquer ditadura. Aqui estava a questão do teatro político para os militares e para a direita de plantão.


Era necessário matar este teatro. Tomar seu palco. Prender seus diretores, atores, atrizes. A ditadura atingiu em cheio o teatro político e queria acabar com sua memória. O negócio era atingir até as gerações futuras.


Quase conseguem. As peças foram rareando. A televisão cada vez mais sugou o que restou do bom teatro. Os profissionais de teatro que ficaram no Brasil pós-64 se recolheram por conta do terror que se instalou no país. Alguns passaram por grandes dificuldades econômicos. A sobrevivência gritou com força como se fosse “Um grito parado no ar” para ficar ainda na dramaturgia.


O livro de Fernando Peixoto: “Teatro em pedaços” é um registro importante do destino do teatro no Brasil durante a ditadura. Textos afiados, críticos, saudosos e sempre demarcando a importância de um jovem e militante teatro que foi abortado por uma brutal ditadura e sua censura implacável.


Na linha de Fernando Peixoto, afirmamos: o teatro brasileiro político não morreu. Sobreviveu, se ressignificou, ampliou horizontes, formou uma nova geração. Nesse março/memória de 2023, se faz necessário lembrar a luta do teatro na resistência à ditadura.

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